Quem está no dia a dia e na gestão de uma instituição de saúde sabe o tamanho do desafio que se tem nas mãos quando se fala em controle de eventos adversos e em garantir a segurança do paciente. Estamos falando de um problema de âmbito global e que pode ser originado por diferentes causas. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 2,6 milhões de pessoas falecem anualmente em todo o mundo devido a erros evitáveis na assistência à saúde, o que equivale a cinco pacientes a cada minuto.
Dentro todas as origens de erros, os relacionados à medicação representam um problema crítico e bastante democrático, que afeta a todas as instituições de saúde, em maior ou menor grau, sem exceção. Afinal, é inevitável não lembrar que, aproximadamente 84% de todas as consultas médicas nos consultórios de atenção primária envolvem terapia medicamentosa, segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos.
Segundo a literatura, no Brasil, os erros de prescrição são considerados os mais graves, devido à enorme ocorrência nos indivíduos hospitalizados. Essa perspectiva é trazida inclusive em um recente artigo “Os principais fatores de risco para a ocorrência de erros de prescrição no âmbito hospitalar brasileiro: uma visão integrativa”, publicado na Revista FT (publicação científica), reunindo diferentes referências bibliográficas sobre o tema. Nesta revisão, a autora cita ainda que dentre os principais aspectos que mais potencializam a ocorrência dos erros de prescrição nos hospitais, o sistema de prescrição manual foi o mais mencionado em todos os estudos observados. E entre as causas, erros de dosagem aparecem com bastante evidência.
Além disso, como é sabido, essa complexidade aumenta ainda mais quando pensamos que o ciclo do medicamento envolve inúmeros profissionais, impactando substancialmente o SUS, a saúde suplementar e a rede privada. Do ponto de vista do paciente, os tratamentos podem se tornar ineficientes, prolongados e até arriscados. Embora a segurança do paciente seja central, não podemos ignorar os reflexos na custo-efetividade e qualidade dos atendimentos, como aumento de custos, reinternações, perda de reputação, judicialização e possíveis sanções. As operadoras de saúde também sofrem com os desperdícios e gastos evitáveis, especialmente com o envelhecimento da população e o aumento das doenças crônicas, que elevam o número de medicamentos prescritos e os riscos associados.
A boa notícia é que os profissionais e instituições de saúde conquistam importantes aliados dia a dia para solucionar essa difícil equação. Terapias e tratamentos personalizados, baseados em testes genéticos, estão revolucionando a medicina moderna ao permitir diagnósticos e tratamentos mais eficazes e personalizados, por exemplo. A inteligência artificial (IA) desempenha um papel crucial nesse avanço, processando grandes volumes de dados genéticos e clínicos para identificar padrões e prever respostas individuais aos tratamentos. Essa abordagem já está sendo aplicada em áreas como oncologia e farmacogenômica, nas quais os tratamentos são ajustados com base no perfil genético do paciente, melhorando a eficácia e reduzindo efeitos adversos. À medida que a tecnologia avança, a integração de IA na medicina personalizada promete continuar transformando os cuidados de saúde, proporcionando terapias ainda mais precisas e eficazes.
Além disso, é crescente a implementação de protocolos rigorosos de prescrição e dispensação e também o emprego de tecnologias no dia a dia, suportando as decisões médicas. A digitalização do processo de emissão de documentos de saúde antes feitos à mão pelo prescritor, o próprio uso do prontuário eletrônico, já fizeram uma diferença substancial no processo. No entanto, a complexidade e a variabilidade dos medicamentos disponíveis tornam essa tarefa hercúlea e demanda que se vá além, tornando indispensável agregar recursos ainda mais avançados.
Ou seja, imagine um cenário no qual cada prescrição médica possa ser automaticamente analisada por um sistema, que combina o uso de inteligência artificial com um repositório de milhões de informações de medicamentos para alertar ao médico sobre possíveis interações medicamentosas. E, ainda, correlacione com seu histórico clínico e caraterísticas específicas para aquele atendimento, evitando assim uma prescrição não recomendada aos pacientes.
Esse nível de vigilância não é apenas desejável, mas essencial e, o melhor, já está acessível no Brasil e devemos tirar proveito. Importante sempre termos claro que a integração de inteligência artificial nos sistemas de gestão de saúde representa um avanço importante no suporte à decisão clínica e na prevenção de interações medicamentosas adversas. Ao investir nessas tecnologias, não estamos apenas reduzindo custos, aumentando o equilíbrio financeiro, evitando risco reputacionais ou de judicialização, mas, sobretudo, o mais importante, estamos protegendo vidas. A tecnologia e a IA não são apenas ferramentas; são parceiras indispensáveis na construção de um sistema de saúde mais seguro e eficiente.
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*Murilo Fernandes é CEO da Salux Technology.