Um dos principais desafios para profissionais que atuam na saúde é idealizar e implementar a “linha de cuidado”, prática inspirada no sistema lean, filosofia de gestão originária do modelo Toyota.
A avaliação é do médico oncologista Carlos Frederico Pinto, senior advisor do Lean Institute Brasil (LIB), autor do livro “Em busca do cuidado perfeito” e ex-diretor do Instituto de Oncologia do Vale (IOV), rede de clínicas que, por mais de 15 anos, implementou o sistema de gestão lean, tornando-se referência nesse tema.
Especialista em gestão da saúde, o médico explica que a ideia da “linha de cuidado” é inspirada numa das principais ferramentas do sistema lean: o Mapeamento do Fluxo de Valor, também conhecido pela sigla MFV.
Em resumo, o MFV se consiste em se realizar um estudo profundo e detalhado sobre todas as etapas que ocorrem num determinado processo de trabalho para entender o que, de fato, ocorre nele, o que é chamado de “Estado Atual”.
O objetivo, então, é enxergar o que está afetando o bom andamento do processo – os desperdícios, desvios, “gargalos”... – para, então, projetar um “Estado Futuro” sem esses problemas, mas somente com a agregação real de valor. Para o oncologista, esse conceito e prática advindo do sistema lean cabe como uma “luva cirúrgica”, por exemplo, na gestão de um grande hospital.
“Trata-se de uma nova maneira mais produtiva e segura de pensar o cuidado. Consiste em desenhar, por exemplo, num hospital, todo o fluxo percorrido pelos pacientes, identificando e determinando todas as etapas necessárias, sob a ótica do valor que precisa ser entregue e da segurança necessária. Ao mesmo tempo, temos a oportunidade de identificar e eliminar problemas, desperdícios e entraves que possam impactar negativamente o cuidado”, resumiu o médico.
Segundo ele, a “linha de cuidado” é uma ferramenta necessária para se gerar um novo modelo de gestão da saúde baseado na criação de valor, desenvolvendo os profissionais para que possam, cotidianamente, analisar os processos produtivos, aumentar a entrega de valor, eliminar os desperdícios e resolver problemas.
“Essa é uma abordagem diferente dos modelos de gestão tradicionais usados hoje na saúde que são, em geral, centrados em processos burocráticos inseguros e repletos de desperdícios”, resumiu o médico.
O oncologista vai discutir esse tema no Lean Summit Saúde, dia 3 de setembro, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo (SP), um encontro que vai reunir 34 profissionais de 20 organizações – entre hospitais, associações médicas e empresas – que vão debater como transformar e melhorar a gestão da saúde ao adotar o sistema lean.
O encontro vai unir médicos, enfermeiros e gestores de 10 hospitais, incluindo Albert Einstein, Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, HCor, Santa Joana e A Beneficência Portuguesa. Também vai reunir especialistas de três grandes associações médicas: Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e Associação Nacional de Acreditação (ONA). Terá ainda profissionais de três organizações governamentais: do Sistema Único de Saúde (SUS), da Secretária de Saúde do Estado de São Paulo, e do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).
Para o médico, trata-se de uma discussão importante porque, historicamente, a gestão hospitalar tradicional gera fluxos de cuidado “quebrados”, pois é baseada em processos desconectados, operados por profissionais que atuam isoladamente, o que frequentemente gera retrabalhos, inseguranças e demais problemas.
Segundo o oncologista, trata-se de um modelo baseado em crises geradas cotidianamente pelo confronto entre as prestadoras de serviços – por exemplo, os hospitais – com as organizações “pagadoras” desses serviços, como os planos de saúde ou cooperativas. “Esse confronto é mediado principalmente pela falta de informação entre esses dois lados da mesma moeda”, resumiu.
Para o oncologista, mudar isso pode inclusive aumentar a qualidade de vida de médicos e de enfermeiros. Segundo ele, a “linha de cuidado” faz com que profissionais da saúde analisem o trabalho que fazem não sob um ponto de vista burocrático, de tarefas a se realizar, mas principalmente no sentido de como as atividades que fazem criam de fato valor real aos pacientes dentro de um fluxo integrado.
“Essa visão focada em valor também humaniza relação entre profissionais e deles com seus pacientes”, disse o especialista.
Para o oncologista, sob uma ótica mais abrangente e social, a ideia da “linha de cuidado” também pode permitir que as diversas organizações do setor – não só hospitais, mas também planos de saúde, cooperativas e mesmo órgãos públicos – consigam, juntas, mapear e mitigar os riscos de seus clientes e pacientes.
“No caso dos idosos, por exemplo. Uma ‘linha de cuidado’ voltada às suas necessidades, poderia mapear oportunidades para se melhorar não só o cuidado, mas a qualidade de vida, riscos com uso excessivo de medicações em hospitais, clínicas e postos de saúde. Propor mudanças nos meios de transportes ou nas residências, reduzindo riscos de acidentes e quedas, diminuindo a procura dos serviços de saúde. Isso melhora o sistema de saúde e a sociedade como um todo”, exemplificou o médico.
Nesse contexto, explica o oncologista, a “linha de cuidado” pode ajudar a enfrentar o grande desafio atual da humanidade, que são as doenças crônicas, frutos do envelhecimento, como cardiopatias, diabetes, câncer, demências...
“Ou seja, ajudando a administrar esse fluxo de milhares de pessoas, cada vez mais afetadas por problemas como esses, uma ‘linha de cuidado’ pode organizar melhor tratamentos e cuidados necessários. E, mais que isso, pode identificar e diminuir riscos para que menos indivíduos busquem cuidados de saúde em emergências ou de causas evitáveis”, resumiu o médico.