Valor Econômico - 03/09/2015
Após seis anos em crise financeira, a Unimed Paulistana terá que transferir sua carteira com 744 mil usuários para outra cooperativa médica ou operadora de planos de saúde em 30 dias, conforme antecipou o Valor na edição de segunda-feira. A determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi publicada ontem no Diário Oficial da União.
Trata-se da maior operadora de convênios médicos a quebrar no setor. A preferência na transferência será dada às cooperativas médicas, em especial, à Central Nacional Unimed (CNU) e Federação das Unimeds do Estado de São Paulo (Fesp), mas outras operadoras também podem ficar com a carteira.
A Qualicorp já fechou acordo com a Fesp e os seus 160 mil clientes que têm planos por adesão da Paulistana poderão migrar para a Unimed Fesp, com isenção de carência e preços equivalentes. A gestora de benefícios também negocia com outras operadoras a migração dos clientes da Paulistana.
O grande entrave na transferência da carteira da Unimed Paulistana são os 160 mil planos individuais modalidade em que o reajuste de preços é regulado pela ANS e fez as operadoras e seguradoras de saúde desistirem desse produto. Na cidade de São Paulo, nenhuma das grandes operadoras oferece convênio médico para pessoa física. Pelas regras atuais da agência reguladora, não é possível adquirir somente os planos empresariais e a operadora que fica com uma carteira nessas condições é obrigada a manter um preço equivalente.
Essa exigência pode afugentar possíveis interessados, uma vez que um dos problemas da Unimed Paulistana foi a má precificação de seus produtos. No entanto, segundo uma fonte do setor, a ANS pode adotar uma resolução normativa permitindo que os convênios médicos individuais de operadoras em liquidação sejam reprecificados.
A agência informou, por meio de comunicado, que não comenta rumores de mercado. Caso a Paulistana não consiga transferir seus usuários para outra cooperativa ou operadora no período de um mês, a agência reguladora realiza um leilão para todo o mercado que dura entre 15 e 30 dias.
Se ainda assim, não houver nenhum interessado, a ANS adota regimes de portabilidade em que o usuário pode migrar, sem necessidade de cumprir carências, para outra operadora que tenha um produto equivalente ou com valor superior, mas neste último caso o cliente paga o valor adicional.
As portabilidades têm duração de 60 dias, cada, e são prorrogáveis. Segundo o presidente da Unimed Paulistana, Marcelo Nunes, objetivo agora é transformar a cooperativa numa prestadora de serviços que tem uma rede própria formada por hospitais, clínicas e laboratórios para os clientes do sistema Unimed. No entanto, um dos requisitos para se tornar uma prestadora de serviço é não ter dívidas com a rede.
Atualmente, a Paulistana tem um endividamento entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões com hospitais, clínicas e laboratórios. Nas duas últimas semanas, grandes prestadores de serviços, como a Rede D'Or, dona de 30 hospitais como São Luiz e D'Or, e a Dasa, que tem os laboratórios Delboni Auriemo e Lavoisier, romperam contrato com a Paulistana.
Segundo Nunes, a dívida será paga com as provisões técnicas (reservas exigidas pela ANS para serem usadas em casos de liquidação), reversões tributárias (referentes a pagamentos de impostos que estão sendo questionados na Justiça) e faturamentos que ainda não foram creditados. No fim de 2014, as provisões técnicas somavam R$ 197, 65 milhões. Com patrimônio líquido negativo em quase R$ 170 milhões e um passivo tributário de cerca de R$ 1 bilhão, a Unimed Paulistana enfrenta sérios problemas de gestão com forte interferência dos médicos cooperados na administração, segundo fontes do setor.
Nos últimos seis anos, a cooperativa médica tentou por duas vezes profissionalizar sua gestão com a contratação de Maurício Neves, em 2009, e Augusto Cruz, em 2013, no entanto, os dois executivos de mercado não conseguiram colocar todos os seus projetos em prática. Havia uma vaidade muito grande entre os médicos da diretoria anterior e não há liberdade na tomada de decisões, disse uma fonte que acompanhou as duas tentativas de profissionalização.
Procurados pelo Valor, Neves e Cruz informaram que preferem não se manifestar. Entre 2009 e 2015, a ANS instaurou quatro regimes de direção fiscal e técnica para acompanhar in loco as finanças e o atendimento médico da Paulistana. Somente por 18 meses, a cooperativa médica conseguiu sair do regime de direção fiscal da ANS. A primeira intervenção em 2009 foi tumultuada com o diretor fiscal da agência reguladora sendo impedido de entrar na sede da cooperativa médica. Na época, a ANS entrou com uma ação judicial e afastou a diretoria.