Junto com a alta dos custos dos serviços de assistência médico-hospitalar, os processos judiciais para fornecimento de medicamentos, tratamentos, cirurgias, reajustes ou cláusulas
contratuais são as maiores dores de cabeça das operadoras brasileiras de planos e seguros de saúde. E também de órgãos públicos de saúde, principalmente dos governos federal
e estaduais. Pelo menos 400 mil processos relacionados à chamada judicialização da saúde tramitam nos tribunais, indica pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça até junho de 2014.
Entre 2012 e 2014, o governo federal pagou R$ 1,76 bilhão na compra de medicamentos para pacientes que cobraram tratamento pela justiça, segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Se for derrotado em todos os processos que correm na justiça para fornecimento de medicamentos e tratamento médicos não listados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o impacto seria de R$ 3,93 bilhões, segundo previsão feita há dois anos pelo Ministério da Saúde.
Os Estados do Rio Grande do Sul, com 113.953 ações, Minas Gerais (66.751) e Rio de Janeiro (46.883) lideram o ranking de ações na justiça. Em 2014, a justiça estadual gaúcha expediu 17 mil decisões relacionadas ao direito à saúde, resultando num dispêndio de RS 235 milhões na compra de medicamentos, muito importados, e no tratamento de 61 mil pacientes.
Em São Paulo, a quantidade de processos julgados contra planos de saúde coletivos aumentou 1 3,8% foram 2.836 ações, contra 2.490 em 2013 -, segundo o escritório Vilhena Silva Advogados junto ao Tribunal de justiça do Estado. A maioria das ações busca reduzir o valor das mensalidades dos planos empresariais, sob a alegação de reajustes abusivos. Mas cresceram nos últimos anos as ações que pedem o tratamento para a hepatite C. "É uma doença viral silenciosa que acomete o fígado, atingindo mais de 200 mil pessoas no país", diz a advogada Renata Vilhena Silva, cujo escritório atendeu, em junho, 106 usuários de planos de saúde que entraram com processos na justiça paulista.
Um dos casos foi o do empresário baiano Alberto Alfaya Bugarin, portador de hepatite e crônica, desde 2013. Por meio do escritório Vilhena Silva Advogados, Bugarin entrou com pedido na 39ª Vara Civil Central, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para que a Bradesco Saúde custeasse o tratamento indicado por seus médicos em Salvador: a aplicação dos medicamentos Simeprevir 150 mg e Sofosbuvir 400 mgm, uma cápsula por dia, durante 12 semanas, que lhe haviam sido negados. "As drogas convencionais usadas no tratamento da hepatite C traziam tremendos efeitos colaterais, agravam a doença que tenho na pele, chamada psoríase", diz Bugarin.
A Bradesco Saúde negou o fornecimento dos medicamentos. Alegou a exclusão de cobertma contratual, além de os medicamentos não serem registrados nos órgãos competentes, no caso na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). "Não havia outro remédio, a não ser recorrer à justiça", afirma Bugarin. No dia 19 de maio deste ano, a juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição expediu a sentença, condenando o plano a custear as despesas com os medicamentos, justificando: "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa
de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS".
As ações para fornecimento de medicamentos e tratamento médico inquietam a área de saúde. "A judicialização que preocupa é aquela em que o beneficiário busca para si uma cobertura a que não tem direito de acordo com o contrato ou as normas que regulam o setor", diz José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar
(FenaSaúde ). "Isso porque beneficia uma pequena parcela afortunada de consumidores em vantagem sobre a maioria dos beneficiários de planos e também usuários do SUS." Além do mais, são ações que oneram os orçamentos das empresas, avalia Eudes Freitas Aquino, presidente da Unimed do Brasil. "Em 2013, a Unimed gastou R$ 18 milhões com ações judiciais
nas seis maiores cooperativas do sistema, que reúnem 2,35 milhões de beneficiários."
Os juízes também precisam estar mais informados e serem apoiados por especialistas. "Os juízes não têm capacidade de julgar se uma liminar é correta ou não se não tiver o apoio de um parecer técnico", diz Márcio Coriolano, presidente da Bradesco Saúde. Por meio da FenaSaúde, as operadoras decidiram apoiar a criação ele Núcleos de Apoio Técnico, que vão ajudar os tribunais de Justiça em suas decisões sobre ações de saúde.
Do lado do setor público, a preocupação tem sido de criar normas que aprimorem os mecanismos de atendimento e mediação de conflitos para resolução extrajudicial das queixas apresentadas pelos beneficiários. Entre as medidas adotadas, segundo João Carlos de Souza Abrahão, diretor-presidente da ANS, está a obrigatoriedade da implantação de ouvidorias nas operadoras de planos de saúde e a elaboração de normas que ampliam as exigências para as operadoras qualificarem o atendimento ao cliente. "A ANS tem apoiado as parcerias
com outras instituições, inclusive aquelas ligadas ao Poder Judiciário, para facilitar a troca de informações referente à saúde suplementar. São medidas que têm contribuído para
mudança ele comportamento das operadoras e promovido melhorias no atendimento prestado aos seus beneficiários."