A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada em 1961, é formada por 38 países, da América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia. Em 2023, ela publicou o estudo denominado Health at a Glance 2023: OECD Indicators, em que apresentou dados sobre os longos tempos de espera para cirurgia eletivas e atendimento médico em duas dezenas de países. A conclusão desse estudo é que o problema se agrava anualmente. Em 2022, o tempo médio de espera de um paciente para realizar uma cirurgia de catarata era de 149 dias no Chile; 278 dias na Costa Rica; 148 dias na Irlanda; 108 dias em Portugal; 240 dias na Eslovênia; 132 dias na Noruega; 113 dias na Nova Zelândia e 350 dias na Polônia.
A OCDE se dedica à promoção de padrões convergentes em vários temas, como questões econômicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais. Com sede em Paris, a organização atua na coleta de dados, análises, discussões, decisões colegiadas, implementações de políticas e vigilância multilateral. O Brasil protocolou o pedido de acesso à OCDE em 2017, e em junho de 2022, o governo brasileiro recebeu o Accession Roadmap, que estabelece os termos e condições para o processo de adesão, porém não houve ainda uma posição definitiva de ingresso do Brasil.
Na Espanha, segundo dados do Ministério da Saúde, a comunidade de Andaluzia tinha 1 milhão de pacientes em lista de espera, sendo 840 aguardando consulta com especialista e 160 mil aguardando por agendamento cirúrgico. O Brasil, segundo o Programa Nacional de Redução de Filas, encontra muitas dificuldades para conter o crescimento das filas de espera. Segundo o Ministério da Saúde, em relatório divulgado em maio de 2023, há mais de 1 milhão de cirurgias eletivas à espera do SUS em todo o Brasil.
Os riscos decorrentes de longas filas de espera são deterioração da saúde do paciente; aumento dos custos relacionados à assistência à saúde; redução da qualidade de vida; aumento da ansiedade e geração de novas comorbidades devido à espera; perda da janela de ação preventiva; aumento das solicitações de emergência; perda da eficiência terapêutica, entre outros.
Muitos países europeus e norte-americanos, em especial os EUA, decidiram incentivar o modelo de Ambulatory Surgery Center (ASC – Centro Cirúrgico Ambulatorial, em português), como uma alternativa para reduzir as filas e os custos cirúrgicos, com impactos positivos para o sistema de saúde. Nos EUA, os sistemas Medicare e Medicaid são considerados grandes compradores de cirurgias realizadas em ASCs e a legislação e o controle sobre a cirurgia ambulatorial já estão muito avançados. Entre 2011 e 2022, o número total de centros cirúrgicos ambulatoriais certificados pelo Medicare nos Estados Unidos cresceu a uma taxa anual de 1,3%, aumentando de 5.217 para 6.028 unidades.
Neste mercado, 30% das unidades estão concentradas em grandes grupos empresariais, a exemplo da AMSURG, que se fundiu com a Envision Healthcare; a United Surgical Partners International (USPI – empresa controladora da Tenet Healthcare/Tenet); a SCA Health (SCA, de propriedade da Optum/UnitedHealth Group); a HCA Healthcare (HCA); a Surgery Partners (54% de propriedade da Bain Capital), entre outros grupos. Os outros 70% estão pulverizados em pequenas empresas.
Nos EUA, a expectativa é de que, até 2028, cerca de 85% dos procedimentos cirúrgicos sejam realizados em ASCs e isto significa uma migração de mercado na ordem de 60 bilhões de dólares. Considerando que, segundo o Medicare, os custos dos procedimentos cirúrgicos são de 15 a 47% mais caros se realizados em hospitais convencionais, quando comparados aos ASCs, tal migração não pode ser mais considerada uma tendência, mas sim uma estratégia do governo para reduzir filas cirúrgicas ao mesmo tempo em que reduz custos assistenciais. Nos últimos anos, certos procedimentos de maior complexidade, tradicionalmente realizados em um ambiente de internação ou no denominado Departamento Ambulatorial Hospitalar (HOPD), começaram a migrar para um ambiente de ASC independente.
Essa mudança estabeleceu um novo padrão para o nível de complexidade que um ambiente de ASC pode lidar com segurança e eficiência. A diretora de operações da Virtua Health, Catherine Retzbach, disse que os ASCs que lidam com casos de alta complexidade “oferecem aos pacientes mais opções para a realização de procedimentos em um ambiente de alta qualidade e baixo custo.” Como exemplo, os ASCs devem realizar metade de todos os procedimentos cardiológicos até final de 2024.
O Brasil ainda não percebeu as vantagens de migração de procedimentos cirúrgicos para o ambiente ambulatorial como estratégia para reduzir filas cirúrgicas e custos assistenciais e ampliar o acesso ao cuidado. O Governo Federal poderia investir no modelo de Unidade Cirúrgica Ambulatorial (UCA) e aumentar muito o rol de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, atualmente realizados nas AMEs e UPAs, além de reduzir a ocupação dos hospitais públicos com demanda cirúrgica de baixa e média complexidade, abrindo vagas para os pacientes de alta complexidade. O mesmo serve para o setor privado que ainda opera na conservadora mentalidade hospitalocêntrica, na contramão do que vemos nos países mais ricos e desenvolvidos do mundo.
*Newton Quadros é Administrador de Empresas, especialista em Qualidade Hospitalar e Governança Corporativa, Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial – SOBRACAM, atuou na concepção e implantação do Projeto NEO LIFE em Brasília e atualmente é Superintendente Hospitalar do ISG Saúde.