A “uberização” da saúde é uma questão de tempo.
24/08/2015

Faz pouco tempo que uber significava apenas um superlativo, Gilsele Bündchen, por exemplo era chamada de uber model. Mas isso foi há cinco anos atrás. Hoje a palavra Uber remete ao polêmico e gigante sistema de transporte urbano, presente em mais de 300 cidades em 58 países. O objetivo desse artigo não é discutir o Uber (quem quiser entender as implicações econômicas dele eu recomendo o artigo escrito por João Manoel Pinho de Mello e Vinicius Carrasco para a revista Exame) e sim avaliar os benefícios e os desafios da aplicação desse modelo na saúde. 

Imagina que o seu filho amanheça com febre e reclamando de dor no ouvido. Você então abre um aplicativo no seu celular que te conecta imediatamente com um pediatra. Esse médico irá conversar com você por vídeo enquanto acessa a história completa de saúde do seu filho. Levantada a história, a partir de pequenos equipamentos conectados ao seu celular (que em breve serão mais comuns e baratos do que um termômetro que você compra na farmácia), ele conseguirá  então obter informações como a temperatura, a frequência cardíaca e respiratória do seu filho e inclusive olhar dentro do ouvido dele. A partir desses dados, o pediatra poderá solicitar dentro do mesmo aplicativo, caso o quadro seja grave, um transporte do seu filho para o hospital, enviar uma prescrição de medicamento ou apenas orientar sobre os sinais de alerta no caso de quadros mais leves. Tudo isso em 15 minutos, enquanto você prepara o café da manhã. Parece um sonho distante em um mundo onde qualquer visita ao pronto socorro, mesmo para quem usa a rede particular e possui bons planos de saúde não leva menos do que quatro horas, sem contar o trânsito. Mas é o futuro.

Já existem nos EUA diversos aplicativos que pretendem resolver o problema da ineficiência do acesso ao sistema de saúde. O Curely, por exemplo, possui uma rede de mais de 600 médicos do mundo todo que responde dúvidas dos pacientes através do celular em diversas línguas, inclusive em português.  É uma evolução ao que costumamos chamar de Dr. Google, uma vez que médicos de verdade oferecem informações de saúde de qualidade a preços acessíveis. Já o Doctors on demand tem um modelo ainda mais parecido com o Uber, através do aplicativo é possível fazer uma consulta em vídeo com um médico que, quando necessário, se desloca até a casa do paciente. É a tecnologia trazendo de volta as visitas domiciliares, algo muito mais conveniente, e seguro para as pessoas doentes. Uma pergunta respondida por um médico através Curely custa a partir de $2 dólares, já uma visita domiciliar por um médico do Doctors on demand sai a partir de $40 dólares. O próximo passo é mostrar para os planos de saúde as evidências de que esse modelo economiza recursos e trás melhores resultados e com isso fazer com que essas consultas sejam reembolsadas como qualquer outra.

Mas quais os desafios para que esse modelo seja implantado em larga escala?

O primeiro deles é a falta de profissionais qualificados. Ao contrário de motorista particular, função que teoricamente qualquer pessoa com uma carteira de habilitação poderia exercer, existe em todo mundo uma falta de profissionais de saúde, especialmente médicos. Se não temos hoje um número de médicos suficiente para atender os pacientes que chegam aos hospitais, de onde vamos tirar profissionais para irem até a casa dos pacientes? Mais uma vez a tecnologia pode ajudar, evitando a super lotação das unidades de emergência. Hoje, menos de 2% do total de fichas abertas nas unidades de emergência são de fichas pretas ou vermelhas, ou seja, casos que necessitam de intervenção imediata de um médico. As fichas amarelas representam cerca de 30% e são aqueles casos não tão graves mas que podem complicar e que portanto também precisam de uma avaliação médica. A grande maioria, ou seja cerca de 70% das fichas, são de casos que poderiam teoricamente ser orientados por vídeo.

Outro problema grande é a falta de um sistema de informação de saúde. É incrível dizer isso em pleno 2015, mas a grande maioria das informações médicas ainda está em papel, acumulando pó em pastas ou fichas médicas. Para que qualquer profissional possa atender bem um paciente é fundamental que ele tenha acesso ao histórico médico dessa pessoa. Ele precisa saber ao avaliar uma dor de ouvido se esse é o primeiro ou o quinto episódio, precisa saber se o paciente fez alguma cirurgia, tem alguma alergia ou outro problema de saúde que pode influenciar na decisão do médico a respeito da gravidade do caso. Várias soluções tecnológicas estão sendo propostas para melhorar essa questão, a mais famosa delas é oHealth kit da apple que promete guardar no seu celular todas as  informações relevantes a respeito da sua saúde.

O terceiro desafio é a regulamentação e a mudança de mentalidade. A telemedicina ainda nem é reconhecida no Brasil pelo CFM, que proíbe os médicos de consultarem seus pacientes através de vídeo, voz ou texto. Questões como privacidade e segurança dos pacientes são fundamentais e precisam ser respeitadas, sempre. Mas não podemos mais fechar os olhos para o fato de que a tecnologia pode ajudar a reduzir custos e resolver problemas sérios no atendimento que estamos prestando aos nossos doentes. Para isso acontecer precisamos desapegar do mundo ideal, aquele em que cada pessoa recebe um atendimento presencial e individualizado em tempo hábil, porque esse mundo não existe, nem nos países mais desenvolvidos do mundo.

Todos esses obstáculos são sérios mas serão ultrapassados. O progresso pode ser lento, porém ele é implacável e precisamos estar preparados para ele. Nós da saúde precisamos nos inspirar em empresas como Google, Facebook e Amazon e utilizar a engenharia de informação, conhecida como Big Data, para oferecer experiências satisfatórias para as pessoas em tempo real.

Vai ser difícil, vai precisar de muita gente talentosa e disposta a questionar o status quo para fazermos isso. O caminho pode ser tortuoso e o terreno acidentado, mas chegaremos lá.





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