Recentemente, notícias sobre a interrupção de vendas e o término de planos de saúde têm circulado. Isso levanta a questão: por que as empresas tomariam medidas que parecem contraproducentes para a geração de receita e a manutenção de contratos existentes?
A resposta pode ser encontrada na análise da sinistralidade, tanto de novas vendas quanto de carteiras antigas. O plano de saúde é um desejo comum entre a população. Assim, é razoável supor que aqueles com meios financeiros já possuam um. Portanto, os novos beneficiários provavelmente são aqueles que recentemente adquiriram poder de compra ou estão preocupados com a saúde pessoal ou familiar.
No entanto, não houve um aumento significativo no poder de compra ou no emprego formal recentemente no Brasil. Isso sugere que muitos dos novos beneficiários podem ter condições de saúde pré-existentes, o que requer uma maior diligência das operadoras ao admitir novos usuários. Para comprovar isto, basta olhar a sinistralidade precoce de safras mais novas e entender o que são eventos de sinistro que fazem parte do negócio (acidentes, doenças descobertas após a entrada no plano) e o que são sinistros com alta propensão de conhecimento prévio pelo beneficiário.
Já para os beneficiários em carteira, a situação se torna desequilibrada quando os custos individuais superam significativamente o valor do prêmio mensal. Em algumas carteiras, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece os limites de reajuste. E mesmo nas carteiras em que o reajuste é baseado na sinistralidade, temos um descompasso entre os sinistros ocorridos e os reajustes aplicados.
O lado perverso é que os beneficiários que fazem pouco uso do plano (menor sinistralidade) e não conseguem suportar os reajustes optaram pelo cancelamento ou fazer o “downgrade” do plano. Por outro lado, os que fazem o uso intensivo do convênio permanecem nos planos contribuindo para a sinistralidade elevada. Adicionado a isso temos as fraudes e abusos que aumentam ainda mais a sinistralidade dos planos, de forma indevida. Ao final do dia, um pequeno grupo de beneficiários e os fraudadores acabam consumindo a maior parte da receita, tornando essas carteiras insustentáveis para os demais beneficiários.
A elevação do sinistro pode ser dividida em dois grandes blocos: aumento do custo médico e fraudes e abusos. O primeiro conta com a inclusão de novas tecnologias de saúde, o aumento do custo unitário dos serviços, materiais e medicamentos utilizados pelos prestadores e o aumento da frequência de utilização. O segundo inclui omissões/fraudes na admissão de novos clientes, judicialização mal-intencionada, fraudes na simulação de procedimentos, cobranças por serviços não realizados e excesso de tratamentos.
Esses fatores, combinados com a saída de beneficiários com baixa utilização, criam um ciclo vicioso de custos, com pouca margem para reversão dos resultados.
Outras variáveis que contribuem para o resultado negativo das operadoras incluem despesas administrativas, multas por Notificação de Intermediação Preliminar (NIPs), que é o instrumento que busca a solução de conflitos entre os beneficiários e as operadoras de planos de saúde. E ainda, custos de comercialização, despesas para defesa de processos judiciais, custos operacionais para prevenção e combate a fraudes e inadimplência. Em algumas situações, mesmo quando o contrato está inadimplente, a operadora não pode suspender o atendimento ao beneficiário.
O sistema de saúde suplementar, baseado no mutualismo, enfrenta desafios quando pessoas com custos recorrentes e elevados entram no sistema. Um exemplo prático. Considere um novo indivíduo com uma mensalidade de R$ 500,00 e a necessidade de terapia contínua no valor de R$10.000. A inclusão desse indivíduo na carteira gera uma margem de contribuição negativa de R$ 9.500.
Para equilibrar o custo, seriam necessários nove indivíduos que nunca utilizariam o plano, sem levar em conta as despesas com impostos, corretores e gestão administrativa. Isso ilustra como a adição de novos indivíduos com condições pré-existentes impacta o equilíbrio econômico dos planos de saúde.
A ANS permite a aplicação de Carências e Cobertura Parcial Temporária (CPT) para doenças pré-existentes, geralmente apenas para planos individuais e coletivos por adesão e empresariais até 30 vidas. Essa característica contratual evitaria a entrada de indivíduos que gerariam um sinistro de forma precoce e garantiria a cobertura em casos de urgência e emergência.
No entanto, na prática, existem várias “brechas” que acabam gerando sinistros precoces, mesmo para indivíduos que deveriam cumprir prazos de carência e CPT. A ‘falsa’ urgencialização de atendimento, liminares judiciais e omissões na Declaração Pessoal de Saúde (DPS) dão oportunidade para as fraudes. Esses mecanismos de regulação de sinistro se mostram ineficientes no combate ao uso indevido do plano de saúde.
A aplicação de carências e CPT adiciona complexidade ao processo e tem limitações no bloqueio de sinistralidade já conhecida, principalmente pela dificuldade de comprovação de fraudes na entrada dos indivíduos ou na utilização das “brechas” para o atendimento de situações que atendem aos critérios de carência e CPT.
Impacto
De acordo com a ANS, em 2023, o setor apresentou um resultado operacional negativo. Isso significa que as receitas, após a dedução do custo médico, corretagem e despesas administrativas, resultaram em prejuízo. O “lucro” das operadoras veio do resultado financeiro, pois recebem dos beneficiários antes e pagam aos prestadores com prazos mais longos.
Nesse cenário, a gestão de caixa se torna o foco principal das operadoras, em vez da eficiência na assistência. Isso parece distorcer o modelo de saúde suplementar, especialmente quando a variável de juros se torna um componente decisivo no resultado do setor.
Além da questão da rentabilidade das operadoras e seguradoras, existem outros impactos que afetam o segmento.
Enquanto poucos têm acesso a procedimentos não contratados, cometem fraudes ou super utilizam o sistema, as operadoras precisam “compensar” esses custos ajustando a rede de atendimento, dentro do que a regulação permite. Com o aumento dos custos dos prêmios, também há uma redução no “nível dos planos”.
Com todas as restrições para conter o custo médico e os limites para a aplicação de reajustes, cada vez há menos oferta para planos individuais, coletivos por adesão e até mesmo o MEI. É importante considerar a massa de beneficiários que hoje tem um plano empresarial e que, ao sair do mercado formal, terá dificuldade de encontrar um plano de saúde adequado.
Ou seja, a recente suspensão de vendas e o término de planos de saúde levantam questões importantes. A resposta reside na análise da sinistralidade, tanto de novas vendas quanto de carteiras antigas. Para equilibrar o custo, as operadoras terão de investir em soluções que identifiquem as várias brechas de um contrato. Não há uma “bala de prata” para resolver fraudes e oportunismos. Mas um conjunto de ações que darão segurança jurídica, flexibilidade de negociação, sinistralidade adequada e o equilíbrio das contas.