A interoperabilidade na área da saúde é vista como fundamental tanto para melhorar a qualidade da assistência quanto para reduzir custos, atingindo-se assim a tão desejada sustentabilidade no sistema de saúde.
Mas para que a interoperabilidade avance, é preciso integrar dados de diversos sistemas que operam na saúde pública e privada, o que trará benefícios não apenas para médicos, operadoras e instituições de saúde, mas também para o paciente, que tem o direito de acessar seus dados, o que pode favorecer a promoção da saúde e levar a melhores resultados a longo prazo.
Maria Letícia Machado, gerente de Políticas Públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), avalia que a integração e interoperabilidade de dados em saúde entre os diferentes serviços, sejam eles públicos, privados ou de saúde suplementar, é relevante em diversos aspectos.
“No nível do indivíduo, essa integração permite uma atenção integral, garantindo que os profissionais de saúde tenham acesso a históricos completos, resultados de exames e informações sobre tratamentos anteriores, independentemente da origem do atendimento. Isso pode resultar na oferta de um serviço mais rápido, preciso e personalizado e em uma melhoria na coordenação do cuidado, características fundamentais quando nos referimos ao desafio da gestão das filas de espera em saúde, por exemplo”, diz
No nível populacional, por sua vez, quanto maior a qualidade dos dados e informações, melhor será a gestão da saúde populacional, facilitando a implementação de políticas públicas baseadas em evidências. “Isso pode promover a prevenção de doenças e o gerenciamento mais eficaz de condições crônicas, reduzindo os custos a longo prazo. Além disso, sistemas de saúde cujos dados e informações são integrados tendem a ter maior capacidade na tomada de decisão para o enfrentamento de crises sanitárias, como demonstrado pela pandemia de Covid-19.”
Mas os benefícios da interoperabilidade entre sistemas ainda vão além. Eles têm o potencial de proporcionar ganhos operacionais e financeiros, contribuindo para a sustentabilidade do sistema de saúde. A eliminação de redundâncias, como exames e consultas desnecessários, pode diminuir os gastos com serviços duplicados.
“Além disso, a integração pode melhorar a alocação de profissionais, insumos e equipamentos, resultando em uma utilização mais eficiente dos recursos disponíveis. No entanto, não temos conhecimento de estudos científicos robustos que demonstrem o impacto da integração e interoperabilidade dos sistemas de informação nos ganhos financeiros do sistema de saúde no curto, médio e longo prazo”, aponta Maria Letícia.
Na jornada da interoperabilidade, o Brasil, na opinião de Paula Xavier dos Santos, coordenadora-geral de Inovação e Informática em Saúde do DataSUS e da Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, se encontra em posição de destaque no cenário internacional, sendo poucos os países que possuem sistemas interoperáveis, e por aqui muito tem evoluído, no entanto, há bastante trabalho a ser feito.
Segundo especialistas, são vários os desafios para a integração e interoperabilidade de dados, com destaque para questões de governança, relacionadas à definição clara dos papéis e responsabilidades dos atores envolvidos; questões técnicas, referentes à construção de padrões de sintaxe e de semântica para a integração e interoperabilidade que atendam às necessidades do sistema de saúde, tendo o usuário do serviço como protagonista, mas também que sejam adotados amplamente pelos provedores; e questões legais e éticas, ligadas à privacidade e segurança dos dados dos pacientes.
Outro entrave que também está relacionado ao avanço da interoperabilidade é a resistência à mudança. “A interoperabilidade requer uma mudança na gestão e compartilhamento de dados, o que pode ser desafiador devido a resistências culturais e organizacionais”, avalia Sabrina Dalbosco, gerente de Projetos Digitais da Diretoria de Compromisso Social do Hospital Sírio-Libanês.
Nesse contexto, Paula salienta ainda a importância de contar com uma equipe técnica qualificada que esteja apta a trabalhar com os padrões de interoperabilidade, além se ser necessário que o profissional de saúde tenha consciência da importância da qualidade da informação. “Por fim, um dos desafios que considero um dos mais relevantes é o desenvolvimento de uma visão integrada e holística da interoperabilidade para que possamos avançar em todas as direções com uma única diretriz.”
“Portanto, a implementação bem-sucedida da interoperabilidade depende de uma governança e gestão eficazes da mudança, incluindo treinamento e formação para profissionais de saúde e tecnologia, bem como a promoção de uma cultura que valorize a troca de informações e a colaboração entre organizações", diz ainda Paula.
O IEPS publicou em 2023 o documento “Panorama nº 4 - Governança e interoperabilidade de dados para a Saúde”, apresentando algumas recomendações para que o país possa aprimorar a governança e a interoperabilidade dos dados de saúde.
“A criação de uma Política de Governança de Dados de Saúde, por exemplo, é uma iniciativa-chave para avançar com a hierarquização de prioridades para a implantação de protocolos de integração e interoperabilidade a partir de um conjunto mínimo de informações relevantes de serem compartilhadas; para a definição de uma autoridade nacional responsável por regular essa troca de dados e informações; e para a coordenação do relacionamento entre os diferentes atores interessados nessa troca”, destaca Maria Letícia.
Entre as principais tendências e oportunidades, o documento traz iniciativas como a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e o Programa Conecte SUS como alguns esforços do sistema de saúde nas últimas duas décadas para integrar e interoperar dados dos sistemas de informação. “No entanto, ainda existem poucos casos de uso que exemplifiquem uma integração e interoperabilidade completa entre os diferentes provedores de serviços de saúde ao longo de toda a jornada do cuidado.”
Para Paula, a integração entre os sistemas de saúde, como prontuários eletrônicos na atenção primária e outros sistemas utilizados na assistência de média e alta complexidade, é fundamental, e destaca: “a RNDS, uma plataforma de interoperabilidade de dados que permite que as diferentes informações dos diferentes atores e níveis de atendimento estejam reunidas em um único lugar, está apta a receber os dados provenientes dos atendimentos da rede privada de saúde, com total segurança e privacidade sobre as informações de cada cidadão.”
Ela diz ainda que hoje a RNDS possui mais de 1,5 bilhão de dados de saúde provenientes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Paula ainda ressalta a parceria entre a ANS e o Ministério da Saúde no processamento de arquivos TISS (Troca de Informações na Saúde Suplementar) para que os dados gerados na iniciativa privada sejam recepcionados na RNDS.
O Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde), do Ministério da Saúde, têm seu foco na implementação da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil para 2028 (ESD28). Para este triênio, por exemplo, há o IPS (sigla em inglês para International Patient Summary – Sumário Internacional do Paciente), do Hospital Sírio-Libanês; o DIAna na APS (continuidade do DIAna - Data Initiative for Analytics — ou Iniciativa de Dados em Análise - do triênio passado), conduzido pelo Hospital Israelita Albert Einstein; e, ainda, o FASES (Fortalecimento das Ações Estratégicas em Saúde Digital no SUS), que é a extensão do DigiSUS (do triênio passado), do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, para este triênio.
O IPS, criado este ano, irá apoiar a implementação da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil por meio do desenvolvimento de um sumário com dados de pacientes do SUS, apoiando também a expansão da interoperabilidade na RNDS e a continuidade dos cuidados pelo Sistema Único de Saúde. Com ele, qualquer cidadão poderá cadastrar algumas informações pessoais, como as medicações em uso; alergias e/ou intolerâncias (se houver); condições clínicas; imunizações; e, ainda, sua lista de procedimentos clínicos/cirúrgicos. Por contar com um sistema de padrão internacional, esses dados poderão ser acessados não somente no Brasil, mas também no exterior.
“O projeto tem como principal propósito assegurar o acesso simplificado e digital a dados clinicamente relevantes para todos os usuários, através da interoperabilidade dos dados de saúde”, conta Sabrina, do Sírio-Libanês. Para o ano de 2024, o projeto tem como meta a internalização do IPS pelo Ministério da Saúde, possibilitando que as pessoas possam acessar seu sumário clínico via aplicativo MEU SUS DIGITAL.
Sabrina avalia que, sob a perspectiva do paciente, sua autonomia será diretamente impactada pelo projeto, pois atualmente muitas informações que orientam as decisões clínicas não estão facilmente acessíveis aos indivíduos.
“Com acesso adequado aos seus próprios dados de saúde, cada indivíduo pode se tornar protagonista do seu cuidado, contribuindo para uma mudança de cultura centrada na pessoa e reduzindo custos e desperdícios. O uso do IPS diminui o tempo gasto no compartilhamento de informações clínicas e evita lacunas no atendimento, resultando em melhores resultados para os pacientes.”
Além do IPS, o Sírio-Libanês tem trabalhado em colaboração com outras iniciativas do Ministério da Saúde através do Proadi-SUS, como na formação de mais de 200 alunos em Informática em Saúde, preparando profissionais e gestores para atuarem na área.
Já o Projeto DIAna, desenvolvido pelo Proadi em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, implementado em 2021, apoiou o DataSUS no desenvolvimento de Modelos de Interoperabilidade para registro de imunobiológicos, prescrição e dispensação de medicamentos, sumário de alta, regulação de filas, registro de atendimento clínico, atestado médico e resultado de exames laboratoriais.
Agora, o DIAna na APS, que começou no triênio vigente, estará focado na Atenção Primária à Saúde, estabelecendo uma linguagem unificada e padrões para o acesso a linhas de cuidado. Desta forma, serão implementadas estruturas de interoperabilidade alinhadas aos protocolos clínicos de saúde (chamados de Smart Guidelines, da Organização Mundial da Saúde - OMS), com foco no desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial para agendamento de consultas, rastreabilidade de pacientes, triagem e dispensação de medicamentos, por exemplo. Complementarmente, espera-se também uma facilitação na comunicação entre gestores e equipes multidisciplinares.
Outro projeto, o FASES, que conta com o apoio do Hospital Alemão Osvaldo Cruz, que é a continuidade do Projeto DigiSUS, neste triênio apoia a evolução estratégica das Plataformas do SUS Digital e da RNDS. O projeto está focado no apoio às frentes de federalização da RNDS, da aplicação do Índice Nacional de Maturidade em Saúde Digital (INMSD) e da construção de planos de transformação em Saúde Digital com estados e municípios.