Estudo mostra que governança de dados é oportunidade crucial para a saúde no Brasil
13/06/2024

Um estudo recente da Comissão de Governança em Saúde do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), intitulado “Governança dos dados na saúde: uso e compartilhamento”, destacou uma oportunidade crucial para a área da saúde: investir em governança e interoperabilidade de dados. Isso abrange tanto os sistemas de saúde público e privado quanto os governos e a adesão da sociedade, garantindo melhor atendimento e assistência aos pacientes. O estudo buscou entender a maturidade das empresas no uso e compartilhamento de dados no Brasil. Em um cenário de rápido crescimento e acúmulo exponencial de dados no setor de saúde, a implementação dessa iniciativa é vista como uma necessidade, já que atualmente observa-se uma fragmentação no cuidado e nos dados dos pacientes. 

Onde o Brasil está em comparação com o mundo 

O documento analisou a posição do Brasil quanto à interoperabilidade de dados na saúde, comparando com países como Dinamarca e Noruega, além de outras regiões do mundo. Esse conceito seria um avanço significativo para o Open Health, facilitando o cuidado aos pacientes através do acesso aos seus dados em hospitais, clínicas médicas, seguradoras de saúde e profissionais particulares. Embora o Open Health não explore todo o potencial dos dados no setor de saúde, especialmente em termos de sustentabilidade a longo prazo, a interoperabilidade surge como uma necessidade vital. 
 

“Nos Estados Unidos e na Europa, o avanço é mais rápido. No Brasil, os primeiros passos estão sendo dados no sistema público. A tecnologia está sendo usada em diversos setores e precisa avançar também na saúde. Ter acesso a dados de qualidade e estruturados permite um cuidado melhor, mais seguro e eficiente, conhecendo melhor o paciente e tomando ações com base em dados acessíveis”, comenta Teresa Sacchetta, médica especialista em saúde e tecnologia e vice-coordenadora da Comissão de Governança em Saúde do IBGC. 

Desafios para a interoperabilidade no nosso país 

A fragmentação dos serviços de saúde e a inconsistência na adoção de padrões pelos sistemas de informação resultam em dados de saúde dos pacientes armazenados em bancos de dados distintos e não integrados. “As informações são fragmentadas entre várias instituições, impedindo os profissionais de saúde de identificar oportunidades valiosas para a saúde dos pacientes. Em cada etapa do cuidado, ter acesso às informações pode ajudar muito no tratamento e evitar problemas futuros. Um idoso, por exemplo, poderia ser acompanhado em casa após ir ao geriatra, evitando intercorrências futuras. A fragmentação da jornada e dos dados, sem acompanhamento contínuo, resulta em perda significativa. Prevenir, tratar mais rápido e melhor, e evitar problemas hospitalares é possível com dados disponíveis no momento do atendimento”, explica Teresa. 

Segundo ela, uma barreira para a interoperabilidade de dados em saúde no Brasil é o desalinhamento de incentivos. “Há um conflito de interesses na forma como o setor está estruturado: os prestadores de serviços são remunerados pelo uso, enquanto os planos de saúde se beneficiam pela não utilização de serviços”, diz, destacando que a falta de interoperabilidade resulta em desperdício de tempo e excessivos gastos no setor. Por exemplo, um artigo do BMJ Open Quality revelou que cerca de 22,2% das indicações cirúrgicas para tratar a endometriose são desnecessárias, e 13% das cirurgias de remoção da vesícula biliar são inadequadas. Um estudo do Hospital Albert Einstein (SP) avaliou que 60% das indicações de cirurgias de coluna não eram necessárias. 
 

Outra barreira é o tratamento das informações dos pacientes. Eliana Herzog, advogada e pós-graduada em Administração Hospitalar, e coordenadora do Fórum de Diversidade em Conselhos do IBGC no Rio Grande do Sul, aponta: “Uma das principais preocupações é a qualidade dos prontuários dos pacientes, essencial para a governança dos dados. Queremos preservar e gerenciar esses prontuários. Com IA e prontuários eletrônicos, é possível alcançar a interoperabilidade de dados, com a LGPD garantindo que o paciente, como titular dos dados, autorize o acesso ao seu histórico de saúde”. 
 

Quem teme a interoperabilidade de dados? 

O estudo incluiu entrevistas qualitativas com membros da Comissão de Saúde do IBGC e outros profissionais do setor, explorando a percepção sobre a importância da interoperabilidade de dados na saúde e a maturidade do setor. A maioria dos entrevistados acredita que a liderança no compartilhamento de dados deve partir do poder público, mas uma abordagem colaborativa envolvendo instituições de saúde pública e privada seria mais eficaz. 

“Temos a Anvisa, o Ministério da Saúde, o Conselho Regional de Medicina e outros órgãos cuidando de segmentos específicos, mas falta um órgão central com poder supra-agências. Sem um alinhamento de incentivos, as iniciativas de interoperabilidade prontas para aplicação ainda aguardam comando de um órgão regulador”, comenta Isadora Campos, coordenadora da Comissão de Governança em Saúde do IBGC, ressaltando a necessidade de uma plataforma unificada de saúde. 

O acesso a dados em escala nacional permitiria criar estratégias para superar outras barreiras de incentivo à saúde, beneficiando locais fora do eixo Rio-São Paulo e médicos em condições de trabalho precárias. Ana Lin, membro da Comissão de Governança em Saúde do IBGC, afirma que “um repositório unificado de dados de saúde da população brasileira permitiria análises mais amplas e profundas, embasando políticas e programas de saúde”. Uma iniciativa nesse sentido é o ConecteSUS (atualmente chamado de Meu SUS Digital), que unifica informações de saúde dos cidadãos, promovendo a integração entre instituições de saúde e órgãos gestores. O sistema permite aos usuários acessar histórico clínico, dados de vacinação, resultados de exames, entre outros, online ou via aplicativo, usando CPF e senha. 
 

Paulo Jorge Rascão, diretor técnico da Athena Saúde e membro da Comissão de Governança em Saúde do IBGC, comenta: “O que falta ao ConecteSUS é a integração de dados das instituições privadas, como histórico de exames e resultados. As farmácias já registram medicamentos comprados pelos usuários, então seria possível rastrear os medicamentos utilizados periodicamente”. 

Interoperabilidade é a solução 

O estudo conclui que a interoperabilidade pode melhorar significativamente o setor de saúde, garantindo resultados clínicos eficazes para os pacientes e colocando-os no centro do sistema. Ricardo Lamenza, membro da Comissão de Governança em Saúde do IBGC e coordenador da comissão do Conselho do Futuro, comenta que atualmente há um desequilíbrio de forças no setor: fabricantes de equipamentos e fornecedores de medicamentos pressionam por desenvolvimento tecnológico e aumento de custos, enquanto convênios pressionam por redução de custos. Hospitais e clínicas são pressionados de ambos os lados, refletindo uma falta de visão estratégica. A prevenção, menos custosa que o tratamento de doenças avançadas, deve ser priorizada. “O sistema de saúde deve focar no paciente, o principal beneficiário desse processo. E isso é viável com a interoperabilidade de dados”, conclui. 





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