O futuro da atenção oncológica no Brasil
03/06/2024
A décima edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, organizado pelo Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), apresentou o cenário atual e o futuro da atenção oncológica no Brasil. Com a visão de médicos, profissionais de saúde, representantes do governo e associações de pacientes, o evento contou com mais de 45 painéis, ministrados por cerca de 200 palestrantes nacionais e internacionais, que discutiram temas como prevenção, legislação, diagnóstico e tratamento.

Com o tema central “Câncer e Sistemas de Saúde – Cenário atual e como estamos nos preparando para o enfrentamento futuro”, Catherine Moura, médica sanitarista e líder do Movimento TJCC, apresentou uma pesquisa inédita, feita a partir de entrevistas com especialistas e que trouxe a visão sobre a oncologia dividida em alguns eixos: políticas públicas; assistência; gestão e financiamento; formação e qualificação profissional em oncologia; pesquisa e desenvolvimento biotecnológico; participação social; e ecossistema da saúde.

Entre os resultados obtidos, 29% dos participantes acreditam que o investimento em prevenção é a maior prioridade para a próxima década no Brasil. Já 21% dos entrevistados entendem que é necessário haver ampliação da rede assistencial pública, enquanto 15% afirmaram que é preciso ter maior conscientização e educação em saúde por meio de campanhas nacionais e regionais.

“É imprescindível um engajamento de todos os atores, assim como reforçar o compromisso público, a agenda prioritária de Estado, para o efetivo enfrentamento do câncer. Esse é um problema complexo, cuja a solução se mostra multissetorial e intersetorial”, disse Catherine Moura.
 

A plenária de abertura também contou com a presença de especialistas que comentaram sobre como enxergam o cenário atual da atenção oncológica e o que esperam para os próximos anos.

Nelson Teich, oncologista, ex-Ministro da Saúde e OPM pela Harvard Business School, falou sobre a importância dos dados para que o sistema de saúde funcione.

“No Brasil, os dados precisam ser regionalizados. Nosso país é desigual. Sem regionalizar, nada vai acontecer. Sem informação, não conseguimos ver diagnóstico, tratamento, inovação. O gestor precisa olhar para o todo. Sem isso, não vai conseguir liderar e coordenar o sistema.”

Ana Maria Malik, professora titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, falou sobre o financiamento. 

“Nunca vai haver dinheiro para tudo na saúde. A jornada começa muito antes do diagnóstico. O câncer não é um só. O paciente tem que ser contemplado em todos os momentos. É preciso pensar em transição de cuidados. O que vai levar à sustentabilidade? Uma visão que contemple o paciente em todos os momentos.”

Câncer antes dos 50 anos

Apesar da estreita relação entre o envelhecimento e o desenvolvimento de câncer, estudos recentes vêm demonstrando o aumento da incidência das neoplasias na população com menos de 50 anos de idade nas últimas décadas.

Nina Melo, coordenadora de pesquisa do Movimento TJCC, apresentou estudo realizado em 2016 pelo Observatório de Oncologia, plataforma de análise de dados abertos, sobre os 19 tipos de câncer com maior prevalência em adultos-jovens. 

“A mortalidade para câncer de mama, por exemplo, aumentou quase 3%. Para câncer do colo do útero, o aumento de mortalidade foi 1%, e somente em mulheres com menos de 50 anos. No câncer de próstata, o aumento da incidência em homens mais jovens foi de 5%. Temos observado que os casos e mortes por câncer vão aumentar 31% e 21%, respectivamente, até 2030, especialmente em pessoas com menos de 40 anos.  Por isso, é preciso que haja mais políticas públicas focadas nessa população”, comentou Nina. 

Para Paulo Hoff, médico oncologista e diretor no Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP), falar sobre câncer em pessoas mais jovens é algo bem complexo. 

“Os maus hábitos alimentares têm influência no aumento de casos. Outro ponto é o rastreamento. Todo rastreio vai levar a uma intervenção, que terá consequências. E quando falamos em uma população mais jovem, é preciso pensar de forma ampla. É importante entender que, para a população no geral, não é possível ter uma política pública que pegue 100% dos casos, porque haverá os falsos positivos que implicam em muitos impactos”, explicou o médico. 
 

Oncopediatria

Mais de 7.900 crianças e adolescentes vão descobrir ter um câncer no triênio 2023-2025, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer.

O painel sobre oncopediatria do 10º Congresso TJCC, moderado por Daiana Garbin, jornalista e embaixadora da campanha “De olho nos olhinhos”, abordou os desafios enfrentados por esta população. E, de acordo com Geisa Alvez de Souza, coordenadora da oncologia do Hospital Infantil Darcy Vargas – SP, as dificuldades são frequentes, especialmente na adolescência.

“O próprio adolescente não quer acreditar nisso, prefere esperar ter os sintomas por um tempo antes de procurar ajuda. A falta de informação sobre a importância do diagnóstico, o desconhecimento dos sintomas e o comportamento do adolescente, em não querer falar, dificultam muito o diagnóstico”, adverte.

Daiana enfatizou que compreende o medo, mas destacou a importância de conhecer e investigar o câncer para poder curar.

“Só podemos diagnosticar o que suspeitamos. Uma coisa que aprendi é que é muito importante o médico conhecer o histórico do paciente. O médico que acompanha a criança ao longo de alguns anos tem recursos para perceber qualquer mudança. Mas poucas crianças são assistidas pelo mesmo médico ao longo da vida, o que dificulta muito”, pontuou.

Neviçolino Pereira de Carvalho Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE), observou que a dificuldade no diagnóstico também está relacionada à falta de conhecimento.

“O câncer em adolescentes é uma área de atuação indefinida, primeiro por conta de sua raridade, e segundo porque muitos médicos da atenção primária não têm o preparo adequado. Muitos cursos de graduação em medicina não abordam a oncologia.”

Cannabis medicinal na oncologia

Desde a autorização da importação dos produtos à base de cannabis pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2015, o uso da terapia no Brasil cresceu significativamente, aumentando cinco vezes entre 2017 e 2021. Mas ainda há muitas barreiras que precisam ser desmistificadas para que esse tipo de medicamento seja melhor compreendido e o acesso seja ampliado.

De acordo com Paula Dall’Stella, médica oncologista, a cannabis medicinal é opção para ajudar os pacientes a melhorar diferentes tipos de efeitos colaterais causados pelo tratamento padrão. 

“Ajuda na ansiedade, no sono. É comum que pacientes deixem de tomar medicamentos químicos para dor, para náusea, melhorando os efeitos adversos que eles podem causar. Com isso, eles podem performar melhor em seus tratamentos, aderirem mais”, comentou.

Paula trouxe um outro ponto importante: embora o medicamento seja natural e seguro, ele pode, sim, causar interação medicamentosa. Por isso, é crucial ter conhecimento e muito cuidado para a indicação.

“A cannabis não é vista como primeira linha de tratamento. Mas é importante mencionar que pode, sim, causar interação com medicamentos utilizados no tratamento padrão contra o câncer. Por isso é preciso ter cuidado e também conhecimento antes de prescrever.”
 





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