Um artigo de especialistas da PwC, publicado na Harvard Business Review, discute como as novas tecnologias em saúde vão estimular o surgimento de novos modelos de negócios e desafiar o sistema atual, baseado em atendimento padronizados e autoridades centralizadas. Com maior poder sobre seus próprios dados e turbinados com uma enorme gama de informações relevantes, os pacientes vão obrigar provedores tradicionais, como seguradoras, hospitais e operadoras, a comprovar seu valor frente à possibilidade de entrada de novos players no ramo – e exigir melhor compreensão sobre o papel e o potencial do emprego das novas tecnologias no seu negócio.
A expansão tecnológica cria um cenário marcado pela disponibilidade de dispositivos vestíveis, implantáveis e aplicativos em geral que permitem monitoração contínua, com uma imagem de nossa saúde onipresente e digitalizada passível de acesso e análise em tempo real, em qualquer lugar, 24X7. A continuar assim, em poucos anos a ideia de receber tratamento médico exclusivamente no escritório de um médico ou hospital vai parecer esquisita – além da coleta de dados, telemedicina e diagnóstico em casa permitem tratar cada vez mais os pacientes onde eles vivem e trabalham.
Os especialistas observam que na próxima década estas tendências vão criar uma verdadeira corrida do ouro, com uma imensidade de players – tradicionais e novos – disputando posições na área, estimulados por promessas de receita incremental, redução de custos e lealdade do cliente. Fazendo um paralelo com a Corrida do Ouro de 1840, eles sugerem a predominância de dois modelos de negócios principais: Goldminers (garimpeiros), que vão fundo em uma área, e Bartenders (garçons), que oferecem opções convenientes e personalizadas para necessidades rotineiras.
A estratégia Goldminer vai envolver players como grandes instituições como seguradoras, hospitais e medicina em grupo, integrados verticalmente, na criação de valor resultante de melhorias no gerenciamento da saúde dos usuários mais intensos do sistema de saúde: os 30% de pacientes com condições complexas, responsáveis por algo entre 75% e 80% de todos os gastos médicos. A coordenação mais eficaz dos cuidados e a oferta de apoio cotidiano – por meio de comunicações móveis e monitoramento remoto –, somadas a esforços de sensibilização da comunidade, permitirá a essas empresas mudar o quadro de cuidados para um formato mais oportuno, baseado no lar e com intervenções menos onerosas.
Existe um claro potencial nesta abordagem, mas é uma extensão lógica da abordagem tradicional, turbinada pela tecnologia. Os fornecedores ainda tomam a maior parte das decisões e os pacientes seguem as instruções obedientemente. Já a estratégia Bartender representa uma transformação maior. Nesta abordagem, novas entrantes (muitas vezes de fora da área de saúde, como varejo, software, eletrônica e vestuário) focam na capacitação e na criação de uma experiência melhor para os consumidores, fornecendo informações e aconselhamento em saúde detalhados e personalizados. Essa abordagem é profundamente disruptiva, já que evita a relação médico-paciente e dá às pessoas maior poder de escolher e controlar onde, como e de quem receber cuidados.
Um exemplo seria uma mulher com palpitações cardíacas aleatórias. Na abordagem Goldminer, ela estaria matriculada em um programa de cuidados preventivos, apoiado por um aplicativo para smartphone monitorando continuamente sua atividade cardíaca, com a maior parte das decisões controladas por uma equipe remota de atendimento clínico.
Já uma abordagem Bartender seria vender para a paciente um aplicativo de ECG e estilo de vida para smartphone e deixá-la manter o controle sobre os dados. Ela registra sua atividade diária no aplicativo e decide se envia os dados para seu médico, para o especialista do fornecedor ou a um computador para monitoramento e interpretação contínua. O aplicativo também controla comportamentos como exercício, dieta, sono e medicamentos. O acúmulo de dados pode evidenciar padrões, como uma correlação entre certos medicamentos e gravidade e frequência das suas palpitações. O aplicativo pode sugerir intervenções, que vão de lembretes de horários de medicamentos à notificação automática de um contato em caso de emergência. Cada escolha representa um fluxo de receita potencial – que agora está em disputa entre os operadores históricos e os novos jogadores.
Não é difícil imaginar um serviço por assinatura com um dispositivo implantável que pode detectar um ataque de coração iminente, alertar o paciente das medidas necessárias ou mesmo acionar o serviço médico de emergência para o envio de uma ambulância, se necessário. Ao longo de todo o processo, o paciente mantém o controle sobre as decisões e é continuamente capacitado pelos dados.
Estes cenários já estão em jogo hoje. Nos Estados Unidos, a empresa de saúde móvel Alivecor vende um dispositivo que rastreia ECGs via smartphone e fornece aos consumidores opções para compartilhamento e interpretação dos dados com outros fornecedores ou com médicos.
Empresas de equipamentos e analitycs, como WellDoc e BlueStar, usam programas móveis de auto-gestão para monitorar o açúcar no sangue e oferecem treinamento para pacientes diabéticos. A Sentrian BioHealth alimenta a solução de inteligência artificial da IBM, Watson, com dados de sensores para identificar uma intervenção pode prevenir uma internação. A rede de varejo Walgreens, por exemplo, fez uma parceria com a Theranos Tecnologia, empresa que realiza testes de laboratório com amostras retiradas por uma picada de agulha, para ampliar suas áreas de cuidados pessoais com a oferta de diagnósticos.
O iWatch da Apple e o app Health abrem enormes possibilidades para inovações em bem-estar graças ao monitoramento contínuo, sobretudo levando em conta que se trata de uma marca pela qual os consumidores já estão apaixonados. Sobre o Apple Watch pretendo escrever na próxima coluna uma avaliação e perspectiva do produto do ponto de vista de saúde, porém já informo que o mesmo tem grandes chances de catalisar uma transformação no mercado de saúde, mas especificamente de wellness. Os avanços tecnológicos baseados no modelo Bartender também vão empurrar as fronteiras da saúde em novas fronteiras.
Frente às novas possibilidades, os especialistas da PwC lembram que os provedores tradicionais serão obrigados a demonstrar seu valor de novas maneiras. Pacientes munidos de dados de saúde e alguma capacidade para interpretá-los vão chegar às consultas com informações mais significativas e personalizadas do que páginas impressas a partir da internet. Podem até optar por discutir seu diagnóstico coletivamente em fóruns, como CrowdMed. Se a especialização se torna customizada e acessível, os fornecedores devem agregar mais valor por meio da construção de relacionamento e de compreensão mais profunda das necessidades dos pacientes.
As novas empresas que aplicam a abordagem Bartender não são jogadores marginais. Vão reestruturar radicalmente o fluxo de dinheiro em cuidados de saúde e criar um enorme valor médico no processo. Um estudo da Strategy&, unidade de pesquisa da PwC, avaliou as fontes de lucro futuras na cadeia de valor de cuidados de saúde nos EUA e descobriu que a aplicação do modelo Bartender poderia reduzir as despesas de saúde em US $ 400 mil milhões por ano até 2025. Isso é quase três vezes a redução estimada em um cenário dominado por Goldminers.
A abordagem Goldminer é um progresso incremental dentro do modelo atual de saúde. Bartenders, pelo contrário, vão acelerar a transformação da indústria, desafiando profundamente as correntes defensoras de serviços iguais para todos, hoje dominantes no cenário da indústria de atendimento clínico padronizado e autoridade centralizada. O que há em comum entre eles – e é o que vai marcar o futuro do segmento – é a adoção da tecnologia para melhorar os resultados na saúde. Por isso, é muito importante que, desde já, cada ator da indústria comece a entender qual o impacto que a tecnologia terá em seu negócio para estabelecer seu valor e assumir seu papel frente a este novo cenário.