Medicamentos inovadores: como reduzir custos com P&D?
05/08/2015

O setor farmacêutico possui o desafio de manter um fluxo constante de inovações e dificuldades em registrar e lançar novos produtos. Estima-se uma redução da receita do setor em até 40% até o ano de 2015, devido à expiração de patentes e o lançamento de produtos genéricos (1).

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No passado, os medicamentos eram produzidos com base na química e os chamados blockbusters poderiam facilmente atingir vendas anuais superiores a US$10 bilhões. Era a geração de medicamentos que tratavam problemas comuns de grandes populações e permitiam o tratamento em massa. O desenvolvimento destes medicamentos levava em média 10 anos de pesquisa e consumia menos recursos financeiros. Estes medicamentos possuíam estruturas mais simples e consequentemente, a partir da queda de sua patente, eram facilmente copiáveis pelos genéricos. Com isso, passavam a ter menor valor agregado.

Atualmente a maioria dos medicamentos inovadores é produzida com base na biologia, farmacogenética ou nanotecnologia. Com o aumento da expectativa de vida e o com o envelhecimento da população, buscam-se terapias especializadas ou personalizadas, principalmente com foco em doenças crônicas como câncer, Diabetes e Alzheimer. São medicamentos mais complexos, podendo um anticorpo possuir mais de 25 mil átomos. A indústria farmacêutica investe em média um total de quinze anos de pesquisa para obter a aprovação de um medicamento inovador. De cada 5.000 moléculas de fármacos promissores, apenas cinco entram na fase de pesquisa em humanos e desses cinco, apenas um é aprovado como medicamento para uso comercial. O valor médio para lançar um novo medicamento no mercado, considerando todas as fases de pesquisa, é ao redor de 1 bilhão de dólares, sendo a maior parte desse valor empregado nas pesquisas clínicas (2).

Cerca de 80% dos estudos clínicos com novos fármacos não terminam no tempo previsto e 20% deles atrasam 6 meses ou mais (3). Antecipar o lançamento de um novo medicamento em um dia pode significar para a indústria farmacêutica US$ 1 milhão de faturamento/dia (3).

Se por um lado estes medicamentos inovadores possuem alto valor agregado, podendo o ciclo de tratamento completo de um oncológico chegar a US$ 50 mil, e sua complexidade dificultar a produção de biogenéricos, por outro lado, a alta complexidade do processo de desenvolvimento destes produtos gera uma alta taxa de insucesso em comprovar sua eficácia e segurança. Consequentemente, as exigências regulatórias para a aprovação e registro destes produtos aumentaram. Portanto, devido a maior complexidade do próprio processo de P&D, rigorosas exigências regulatórias e a pressão dos pagadores (públicos e privados) por mais provas de eficácia e segurança, o desenvolvimento de produtos inovadores torna-se cada vez mais um investimento de alto risco com longo prazo de retorno.

Seja devido à pressão dos acionistas ou pelas linhas específicas de fomento à pesquisa, cada vez mais os recursos financeiros destinados ao P&D serão focados para projetos de elevada possibilidade de sucesso. A compra de empresas de biotecnologia, visando a transferência ou compra de tecnologia já desenvolvida, tem sido uma estratégia de algumas indústrias no intuito de encurtar este processo de inovação.

Outras empresas buscam nos estudos incrementais com medicamentos já existentes, uma alternativa de curto prazo para garantir seu faturamento enquanto a venda de produtos inovadores não consegue atingir o grande faturamento dos antigos blockbusters. Devido ao alto custo e risco do negócio, cada vez mais os projetos serão de alta complexidade e maior valor agregado, porem em menor quantidade.

Com a necessidade de protocolos de pesquisa cada vez mais longos e complexos e populações de estudo maiores, o processo de controle de qualidade e monitoria durante a condução do estudo também se adaptará as novas necessidades para a viabilidade financeira dos projetos. Alternativas como monitoria por amostragem e monitoria à distância utilizando e-CRF e outras soluções de TI já são amplamente utilizadas em alguns casos. O impacto do uso de 100% de SDV (source data verification) e sua relação com a garantia de qualidade dos dados vem sendo discutido (4). A adaptação do plano de monitoria durante o decorrer do estudo com diferentes % de SDV para diferentes centros e de acordo com os achados iniciais de monitoria ou monitoria focada nos pontos mais críticos e problemáticos do estudo ou do produto teste já são objeto de discussão até mesmo por parte das agências regulatórias (5).

Além do foco em moléculas promissoras, encontrar alternativas para a redução de custos na condução dos estudos clínicos tornou-se vital para a viabilidade financeira dos projetos. Estudos que antecedam os projetos principais, como por exemplo, estudos epidemiológicos que caracterizem diferentes populações locais, podem gerar mais informações importantes para o planejamento e desenvolvimento de um protocolo de estudo adequado para as questões pretendidas. Muitas vezes o que a primeira vista possa parecer um gasto inicial desnecessário, poderá representar uma economia maior no processo como um todo, diminuindo os insucessos dos grandes estudos, cuja população de estudo estará melhor caracterizada.

Outra alternativa na geração de mais informação necessária ao melhor planejamento dos grandes estudos clínicos são os estudos observacionais. Estes retratos podem gerar informações muito úteis na caracterização de doenças e seus diferentes tipos de tratamento, bem como, dados sobre a adesão ao tratamento, tanto por parte dos pacientes como dos prescritores, mapeando assim o potencial local de um determinado produto e de seus concorrentes. Estudos de farmacovigilância e farmacoeconomia serão cada vez mais exigidos pelas agências reguladoras e pagadores, pois dados de segurança e custo-benefício de uma determinada terapêutica são indispensáveis para sua aceitação.

As propostas de iniciativa de investigadores (Investigator-driven study – IDS) e as parcerias entre a indústria e a universidade serão cada vez mais constantes, pois além de compor a gestão de relacionamento com centros de pesquisa, líderes de opinião e sociedades médicas, tais projetos podem ser uma das fontes de novas moléculas e de inovação. Se por um lado a indústria necessita desta aproximação tanto por questões de tecnologias, patentes ou de marketing junto aos prescritores e formadores de opinião, por outro lado a universidade também poderá se beneficiar da experiência, profissionalização e boas práticas dos processos em larga escala por parte da indústria. Sem esta parceria é muito difícil que uma molécula, mesmo que nova e promissora, saia da bancada da universidade antes da expiração de sua patente.

Portanto, maior atenção e investimentos nas fases iniciais de planejamento, viabilidade e gestão do projeto reduzem os custos extras, desperdício de recursos físicos e humanos, atrasos e insucessos na condução dos estudos clínicos. Neste aspecto, a realização de estudos epidemiológicos, observacionais e a caracterização de doenças e populações locais serão pré-requisitos fundamentais para o P&D de medicamentos inovadores focados em farmacogenética, doenças crônicas e medicina personalizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. PwC/Sanford C. Bernstein.
2. SINGH,M.; DELHI,N. Should Clinical Trials Be Outsourced?. TIME, 2008. (http://www.time.com/time/health/article/0,8599,1830334,00.html)
3. KILPATRICK, F. Rev Up Patient Recruitment, 2002. (http://pharmexec.findpharma.com/pharmexec/article/articleDetail.jsp?id=14491).
4. The High Cost and Questionable Impact of 100% SDV. A CenterWatch Publication: volume 18, Issue 02; February 2011 (http://www.centerwatch.com).
5. Guidance for Industry Oversight of Clinical Investigations — A Risk-Based Approach to Monitoring. U.S. Department of Health and Human Services; Food and Drug Administration; Center for Drug Evaluation and Research (CDER); Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) and Center for Devices and Radiological Health (CDRH). August 2011.

*Autor: Dr. Luis Lopez Martinez – Professor da Fundação Instituto de Administração (FIA). Gerente de Pesquisa do Núcleo de Apoio à Pesquisa Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

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