A pressão nos balanços dos planos de saúde vem se traduzindo num cenário cada mais complexo para os prestadores de serviços do setor. Com custos em disparada e dificuldade de repasses de preços, os planos têm alongado os prazos de pagamentos para hospitais, redes de clínicas e distribuidoras.
Uma análise feita pela Polo Capital dá a medida do desafio: o prazo do ‘contas a receber’ de provedores de serviços de saúde listados bolsa chegou a aumentar 30 dias ao longo do último ano.
Nas contas da gestora, isso se refletiu em uma queima de caixa brutal, que chega a R$ 1,2 bilhão no caso da Dasa, dona de redes de laboratórios como Alta e Delboni Auriemo e mais de 15 hospitais em todo o país.
“Isso significa dizer que, em bases anuais, é como se um hospital simplesmente tivesse perdido um mês de receita. É perturbador”, afirma a equipe de crédito da Polo em carta aos cotistas publicada no fim da semana passada.
Em linhas gerais, os hospitais e outros prestadores fazem os procedimentos e tem um prazo para receber dos planos. Não só esses prazos têm sido dilatados, como as glosas, despesas não reconhecidas pelos planos, tem aumentado.
Uma análise feita pelo BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame) mostra que as glosas representaram 5,1% da receita bruta dos prestadores de saúde no quarto trimestre de 2023, muito acima dos 3,1% registrados em 2022. Em 2023 como um todo, o indicador ficou em 3,6%.
No Mater Dei, conhecida pelos hospitais de qualidade na região metropolitana de Belo Horizonte e que se expandiu para o país por meio de uma forte consolidação ente 2021 e 2022, o prazo médio de recebimento passou de 107 dias no quarto trimestre de 2022 para 133 dias no mesmo período de 2023.
A empresa conseguiu segurar a queima de caixa, que ficou em R$ 179 milhões, contra R$ 197 milhões no ano anterior.
O indicador calculado pela Polo considera apenas o consumo de caixa das contas de giro, que envolvem contas a receber, estoques e fornecedores, desconsiderando outras contas operacionais, financeiras e de investimentos.
A situação mais dramática é a da Dasa, dona de laboratórios como Alta e Delboni Auriemo e de uma rede de 15 hospitais em todo país. O prazo médio de recebimento saiu de 91 dias para 120 dias ao fim de 2023, com uma queima de caixa de R$ 1,2 bilhão contra R$ 788 milhões um ano antes.
A conta desconsidera uma antecipação de recebíveis de R$ 577 milhões feita pela empresa no período.
Alavancada e a beira de estourar covenants da dívida, no quarto trimestre, a Dasa não só antecipou recebíveis de planos de saúde, expediente que é usado por algumas empresas para aliviar o balanço e tempos de estresse, como também de cartões de crédito – trazendo para o caixa receitas futuras de exames feitos no particular.
Com o maior prazo do contas a receber na amostra analisada, a Kora Saúde, dona de 17 hospitais e com forte atuação no Centro-Oeste, também viu seu indicador disparar, saindo de 131 dias para 159 dias no quarto trimestre de 2023. A queima de caixa com o giro também dobrou, saindo de R$ 253 milhões no quarto trimestre de 2022 para R$ 548 milhões.
Aqui, novamente, os números excluem antecipação de recebíveis feitos tanto no quarto trimestre de 2023 (R$ 190 milhões) quanto no quarto trimestre de 2022 (R$ 411 milhões).
Na distribuidora de produtos hospitalares Viveo, controlada pelo DNA Capital, da família Bueno – mesma controladora da Dasa –, o prazo de pagamento subiu 17 dias, para 76 dias. O segmento normalmente trabalha com prazos menos dilatados que os hospitais.
Mas o que chama atenção é a queima de caixa com o contas a receber, que saiu de R$ 418 milhões em 2022 para R$ 1,33 bilhão em 2023, nas contas da Polo.
Por fim, na Oncoclínicas, de clínicas oncológicas, o prazo do contas a receber saiu de 102 dias no fim de 2022 para 117 em 2023, com uma queima de caixa acumulada de R$ 513 milhões, alta de 15% em relação aos R$ 447 milhões do ano anterior.
Essa pressão toda veio num momento em que as companhias do setor já estavam bastante alavancadas, após anos de consolidação e disparada nas taxas de juros.
Na média, a relação entre dívida líquida e EBITDA de um conjunto de 9 empresas caiu no ano passado, saindo de 4,1 vezes para 3,7 vezes. Mas, na verdade, aponta a Polo, a questão é que o EBITDA já não significa muita coisa.
“O EBITDA dessas companhias perdeu parte de sua relação com a geração de caixa ao enfrentar o dilatamento dos prazos de recebimento. Em resumo: o EBITDA até subiu mas não virou caixa”, dizem os gestores.
Na prática, a dívida líquida desse conjunto de empresas subiu de R$ 40,3 bilhões em 2022 para R$ 43,3 bilhões ao fim de 2023. Isso, apesar de várias das empresas terem feitos aumentos de capital na forma de ações, que trouxeram algum caixa – em alguns casos, já integralmente consumidos, como em Dasa e Viveo.
Nesse cenário, na ponta do crédito, além de trades oportunísticos – como uma debênture de Kora que estava pagando CDI+13% – a Polo tem apostado em empresas verticalizadas, que tem mais controle de custos na sua cadeia, principalmente Rede D’or e Hapvida.
“A combinação de alta alavancagem e baixo poder de barganha com os planos de saúde – seja por um ambiente competitivo intenso, seja pelo baixo poder de marca - além de capex ainda altos a margens deprimidas (como é o business de distribuição) nos parecem ingredientes desfavoráveis para realizar investimentos pelo fundo”, ponderam os analistas.
“A Rede D'Or apresentou um de-risk importante ao unir-se com a Sulamérica, de forma que fizemos nossa primeira aquisição de dívidas da cia após a divulgação do primeiro balanço consolidado entre elas, quando as taxas estavam em 2.69% e hoje já estão em 1.65%”, diz a gestora.
Na Hapvida, a visão é que o follow-on feito no ano passado ajudaria a desalavancar a companhia e dar fôlego para a captura de sinergias com a Intermédica. A Polo entrou na dívida antes da oferta de ações, quando viu que a família Pinheiro estava se desfazendo de ações da M. Dias Branco para ganhar liquidez para entrar na operação.
“As primeiras alocações que fizemos em Hapvida, que se encontrava prejudicada pelo contexto macro, foram a taxas de 3.65% (que hoje estão em 1.53%)”, diz a gestora.