Como tecnologias avançadas de análise genética estão impulsionando a medicina personalizada?
10/04/2024

A análise genômica desempenha um papel importante na medicina personalizada, desvendando as variações genéticas únicas presentes nos indivíduos. Estas variações podem fornecer informações sobre a predisposição de um indivíduo a certas doenças ou a sua resposta a tratamentos específicos. Tem sido mais largamente usada em doenças genéticas, erros inatos do metabolismo, na oncologia e na medicina fetal, além de testes disponibilizados a quem deseja conhecer seu background genético, saber qual a tendência de desenvolver determinado tipo de câncer ou doenças específicas.  

As análises genômicas permitem, por exemplo, identificar quais tratamentos funcionam ou não para um paciente específico. Ao cruzar dados genéticos com informações clínicas, farmacêuticas e socioeconômicas, pesquisadores podem verificar padrões na eficácia de tratamentos específicos e identificar as variações genéticas que podem estar correlacionadas com o sucesso ou falha de um tratamento.  
 

Se pensarmos em um tratamento oncológico, por exemplo, a diferença entre o antes e o depois da medicina genômica fica bastante clara. Antes, um tumor de próstata seria tratado com radioterapia e/ou quimioterapia, eventualmente uma cirurgia complementar. Com a análise genômica, entra em cena a medicina personalizada, que pode oferecer um tratamento específico para determinado paciente.  

“Embora o desfecho pudesse ser bastante razoável, as terapêuticas poderiam ter sido menos drásticas caso o médico tivesse mais informações sobre a formação gênica de um determinado tumor. A medicina genômica, neste caso, oferece exames que colocam os cuidados com o paciente em outro patamar. Além da melhora do desfecho, ela traz um melhor custo-efetividade em muitos casos. Ao longo do tempo, toda a cadeia da saúde está percebendo e incorporando essa realidade”, explica Gustavo Riedel, diretor de Genômica Latam da Dasa. 
 

Íscia Cendes cientista, professora de Genética Médica e chefe do laboratório de Genética Molecular no Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), compartilha a mesma opinião. “Há dez anos, era difícil confirmar que uma doença tinha base genética por meio de testes. Eram custosos, demorados e complexos, e mesmo depois de feitos, a porcentagem de diagnóstico era pequena.” 
 

Ela comenta ainda que, com a genômica, em dez anos, a medicina saiu de uma porcentagem inferior a 1% no diagnóstico preciso de certas doenças para cerca de 25% nos dias atuais. Nessa jornada, a evolução partiu dos testes de cariótipo para o microarranjo e, atualmente, para o sequenciamento do exoma. “Quando temos um diagnóstico correto, mesmo que não tenhamos uma terapia específica para aquela doença, ainda existem ganhos imensuráveis para o paciente.”  

Análise genômica: menor custo e maior acesso 

Cada vez mais rápidos e baratos, os testes genômicos oferecem aos pesquisadores a oportunidade de coletar volumes maiores de dados de grupos de pessoas mais diversos. “Nos últimos anos, a medicina genômica tem avançado muito. Hoje, temos equipamentos de alta capacidade de sequenciamento genético que nos permitem aumentar a quantidade de amostras que podemos sequenciar a um custo reduzido e com grande velocidade. Isso tem mudado a maneira como fazemos testes diagnósticos. Já não precisamos escolher qual gene avaliar; podemos avaliar o genoma inteiro, aumentando as chances de detectar o que é relevante”, analisa João Bosco de Oliveira Filho, gerente de genômica do Hospital Israelita Albert Einstein.  

Segundo Edgard Gil Rizzatti, presidente das Unidades de Negócios Médico, Técnico, de Hospitais e Novos Elos do Grupo Fleury, sem dúvida a genômica tem adquirido importância cada vez maior no contexto da medicina de precisão. “Em termos de mercado, com a evolução da instrumentação em genômica, vemos um acesso cada vez mas ampliado, porque os custos de sequenciamento de DNA estão caindo.” 

Atento a essa movimentação de mercado, o Grupo Fleury fechou, em meados de 2023, uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein para realizar, por meio da Gênesis Análises, testes de genômica. A parceria também prevê o desenvolvimento de soluções integradas, realização de pesquisa, desenvolvimento de processos e de serviços para atender diretamente o mercado de medicina personalizada. 

Potencial de mercado da medicina personalizada

Para se ter uma ideia de como a genômica caminha para ser o grande filão da medicina nos próximos anos, o Massachusetts Institute of Technology avaliou que, entre 2001 e 2017, o custo para o sequenciamento de um genoma passou de mais de US$ 95 milhões para pouco mais de US$ 1.000, em 2020. 

“Esse é um mercado que tem crescido, em média, cerca de 20% ao ano, e a tendência é de que continue em ascensão, porque tem aumentado o uso da medicina personalizada em diversas especialidades. A tendência, na oncologia, por exemplo, é que possamos sequenciar os tumores de todos os pacientes, melhorando assim a qualidade do tratamento”, analisa Oliveira Filho. 

Medicina personalizada e os impactos na saúde 

A medicina sempre trouxe medicações mais genéricas para o tratamento de uma doença, mas mesmo em doenças comuns, as modalidades clássicas de tratamento não necessariamente funcionam, igualmente, para as pessoas.  

“Nos últimos anos, pudemos entender e mudar a perspectiva, criando um tratamento para a pessoa, e não para a doença, levando em consideração fatores como eventos adversos e resposta ao tratamento. Hoje, posso buscar as alterações genéticas em um determinado indivíduo e desenho um tratamento para ele. A oncologia é o grande carro-chefe da medicina personalizada, mas isso vem mudando. Hoje, a medicina personalizada já está presente na área da neurologia, como no tratamento da doença de Alzheimer”, explica Wagner Baratela, head de Genética do Grupo Fleury.  
 

Outras áreas também estão sendo beneficiadas pela medicina genômica, como doenças infecciosas (a vigilância genômica acompanha a evolução dos patógenos e informa o desenvolvimento de vacinas), doenças raras (o sequenciamento completo do exoma identifica mutações causais, levando a terapias direcionadas) e saúde cardiovascular. Fatores de risco genéticos para doenças cardíacas podem orientar medidas preventivas e escolhas de medicamentos. 
 

Porém, para doenças comuns e cânceres não hereditários (90% dos casos) ainda não há bases genéticas suficientes para identificar, com precisão, pessoas com maior risco e assim poder tomar medidas preventivas, destaca Lygia Pereira, CEO da gen-t.   

O diagnóstico genético permite que a medicina preditiva e preventiva identifique marcadores genéticos associados a certas doenças. Este conhecimento capacita os indivíduos a tomar medidas proativas para mitigar o seu risco, tais como modificações no estilo de vida ou programas de rastreio direcionados.  

“A análise genômica será usada cada vez mais cedo, para predição de estratificação de risco de infarto e de doenças como diabetes e hipertensão. A redução dos custos e a aplicação em doenças comuns vai permitir um crescimento exponencial dessa área nos próximos três a cinco anos”, aposta Oliveira Filho.  

Medicina personalizada: parcerias estratégicas 

Rizzatti conta que, além da parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, o Grupo Fleury reúne, em seu centro de pesquisa e desenvolvimento, especialistas das mais diversas áreas que atuam em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. 

“Para incrementar a inovação, firmamos parcerias com universidades, hospitais e centros de pesquisa. Temos cerca de 70 projetos sendo desenvolvidos; alguns podem se transformar em novos produtos, outros se desdobram em patentes e outros resultarão em geração de artigos científicos”, explica.  

Desafios da medicina personalizada

O custo ainda é uma das grandes dificuldades para que a medicina genômica possa ser usada na área da saúde para diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças. Tecnologias para sequenciar grandes quantidades de DNA são caras e medicamentos desenvolvidos para tratar doenças a partir de variações moleculares ou genéticas também têm custos elevados. Mas o que se vê é que as tecnologias que possibilitaram o primeiro sequenciamento a um custo altíssimo evoluíram de tal forma que já se encontra no horizonte o sequenciamento genômico humano individualizado e acessível. 

Mesmo diante disso, o acesso ainda é restrito. “No sistema privado, podemos considerar o acesso à medicina personalizada razoável, porque mesmo com a aprovação de exames e terapias no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a incorporação demora a ocorrer. Já no sistema público, o acesso é praticamente nenhum”, analisa Oliveira Filho.   

Outro desafio que se impõe ainda é o fato de o Brasil contar com poucos indivíduos sequenciados e um parco banco de dados. “Nosso obstáculo está em conhecer a genética da nossa população, que com seus componentes africanos e indígenas, é bem diferente das populações brancas atualmente estudadas. E para fazermos isso, a dificuldade é principalmente financeira. Outro entrave é o tamanho do país e de sua população, que difere bastante entre regiões”, diz Lygia. 

Um banco de dados formado majoritariamente por pessoas brancas, segundo ela, é um complicador atual da medicina genômica, com sua aplicação tendo maiores limitações em pessoas de outras ancestralidades. “Por isso existem esforços no mundo todo para o aumento da diversidade dos bancos de dados genômicos de forma a incluirmos toda a população mundial na medicina de precisão”, comenta ela.  

Em relação a esse ponto específico, Riedel fala sobre uma iniciativa da Dasa, a criação do Projeto Genômica Populacional (Genop), um banco de dados genéticos exclusivamente nacional que possibilita o desenvolvimento de um painel de referência brasileiro. Isso permitirá que as inovações em saúde que têm a possibilidade de prevenir e prever doenças usando dados genéticos antes mesmo dos primeiros sintomas sejam utilizadas em brasileiros.  

Outro ponto que se pode destacar ainda no tema desafios é a falta de conhecimento sobre como utilizar os dados obtidos pelos testes, saber quando e como usar os testes de análise genética, seus prós e contras.  

“É preciso muito cuidado na interpretação dos dados, porque a maior parte dos médicos não foi capacitada para entender as limitações dessas informações. A medicina genômica surgiu no Brasil há poucos anos, ou seja, se o médico não se capacitar, ele pode ter interpretação errônea da consequência de alguns resultados”, opina Íscia. 

“Além da formação criteriosa de profissionais que sejam capazes e comprometidos com as análises dos dados, tudo relacionado à medicina e saúde demanda cuidado, no sentido de ser preciso muita pesquisa e documentação de evidências científicas consistentes. Portanto, a indicação, realização e interpretação de testes genéticos precisam ser acompanhadas por essas duas vertentes: a técnica, utilizando equipamentos, produtos, e serviços com alto padrão de excelência e qualidade; e a clínica, com profissionais altamente qualificados para aconselhar adequadamente tanto os pacientes quanto os colegas profissionais”, destaca Riedel.  

A medicina personalizada no futuro

Mas o futuro se mostra promissor, tanto para a sociedade quanto para o sistema de saúde. “A medicina genômica aumenta a eficiência da gestão da saúde de indivíduos e populações, levando não só à melhora da saúde como também à diminuição dos custos da saúde”, avalia Lygia. 

Ela exemplifica sua fala citando o câncer de mama. Como mulheres mais velhas têm maior chance de desenvolver câncer de mama, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece preventivamente mamografia para todas as mulheres a partir dos 50 anos.  

“Quando conhecermos todos os genes que influenciam o risco de uma mulher desenvolver a doença, poderemos oferecer a mamografia para aquelas com maior risco a partir dos 20 anos, aumentando assim sua chance de sobrevida e também diminuindo custos ao tratar a doença em estágio precoce. Já aquelas com menor risco genético poderão iniciar o exame preventivo mais tarde, impactando também nos custos em saúde”, diz Lygia.   

Íscia lembra, em relação à questão custos, sobre os pacientes que ficam na chamada “odisseia diagnóstica”, repetindo testes custosos sem chegar a um diagnóstico. “Do ponto de vista econômico, é melhor investir naquilo que é indicado para o diagnóstico, mesmo que pareça custoso no início, do que realizarmos vários testes sem chegarmos muitas vezes a um diagnóstico final”, diz Íscia.  

Já para a sociedade, ela aguarda o dia em que será possível testar a população em maior risco de desenvolver doenças como a obesidade, principalmente as crianças, e assim criar programas específicos para esse público que irão além das recomendações gerais em saúde. 





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