APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N.º 886.399-6, DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA REMETENTE - Juiz de Direito APELANTE Município de Curitiba APELADO Farmácia Floracell Ltda. RELATORA Desª. Lélia Samardã Giacomet REVISORA - Desª. Regina Afonso Portes APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO MANIPULAÇÃO, EXPOSIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS COSMÉTICOS IMPOSIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE RECEITA MÉDICA BASEADA NA RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA DA ANVISA RDC N.º 67/2.007 LEGALIDADE DETERMINAÇÃO QUE TEM POR OBJETIVO ASSEGURAR A SAÚDE DA POPULAÇÃO - ATIVIDADE QUE SE EQUIPARA A INDÚSTRIA DE COSMÉTICOS INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER PREVENTIVAMENTE ASSEGURADO - NECESSIDADE DE PRÉVIA OBTENÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO E LICENÇA SANITÁRIA RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário sob n.º 886.399-6 da 1ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Recuperação Judicial do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba em que é remetente Juiz de Direito, apelante Município de Curitiba e apelado Farmácia Floracell Ltda. I RELATÓRIO : Trata-se de Apelação Cível e Reexame Necessário interposto contra a r. sentença (fls. 177/182), proferida nos autos de mandado de segurança sob o n.º 2.001/2.008, na qual julgou procedente o pedido para que a farmácia impetrante possa manipular, expor e comercializar produtos cosméticos independentemente da apresentação de prescrição, sem prejuízo do acompanhamento fiscalizatório por parte da autoridade sanitária, confirmando a liminar deferida. O d. Magistrado remeteu o feito ao reexame necessário. Inconformado com as conclusões da r. sentença o Município de Curitiba apelou e pugna pela sua reforma, (fls. 188/200), ao argumento, em síntese: a) os produtos cosméticos somente podem ser manipulados nas farmácias como preparações magistrais, ou seja, mediante prescrição médica, consoante dispõe a Lei n.º 5.991/73 e Resolução RDC ANVISA/MS n.º 67/2.007. A manutenção desta atividade se caracteriza como indústria e, dessa forma, descumpre as exigências estabelecidas na Lei n.º 6.360/76, art. 2º e art. 12 e o seu Decreto n.º 79.094/77, art. 2º e art. 14, na parte em que não obteve autorização de funcionamento e licença sanitária para tanto, acarretando os riscos inerentes desta conduta, além de concorrência desleal com as indústrias farmacêuticas; b) a Resolução n.º 467/07 do Conselho Federal de Farmácia caracteriza-se como norma de cunho ético-profissional, porém não é extensível aos estabelecimentos, sem haver competência para determinar o que as farmácias de manipulação podem ou não fazer; c) há informações de que esta prática já ocasionou problemas decorrentes da utilização destes produtos manipulados, inclusive casos de óbitos, em função da demanda cada vez maior dessa atividade e a incapacidade tecnológica da farmácia em atender com produtos manipulados seguros, eficazes e de qualidade; d) adverte que o Código de Ética da Profissão Farmacêutica prevê sanções para esta conduta, bem como o Código Penal, no seu art. 273 prevê como crime, além de infração constante do Código de Defesa do Consumidor. Pugna ao final pelo conhecimento e provimento d recurso para denegar a segurança pleiteada. O recurso foi recebido somente no efeito devolutivo. (fls. 202) Contrarrazões às fls. 204/218. O Ministério Público requereu o conhecimento e provimento do recurso. (fls. 220) Encaminhados os autos para a D. Procuradoria Geral de Justiça, esta também se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso, ao entendimento de que "... falta relevância à tese da impetração para efeito da concessão da segurança, de modo que a sentença merece ser reformada a fim de que seja denegada a ordem." (fls. 231/235) É, em síntese, o relatório.
II VOTO E SEUS FUNDAMENTOS : Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, quais sejam: cabimento, legitimidade, interesse em recorrer, tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato extintivo ou impeditivo do poder de recorrer e dispensado o preparo (art. 511 § 1º do CPC), conheço do recurso, bem como do reexame necessário. Cuidam os autos de apelação cível e reexame necessário contra r. sentença prolatada em sede de mandado de segurança em que a farmácia impetrante postulou preventivamente para que a autoridade sanitária municipal não embarace sua atividade comercial de fabricação e comércio de cosméticos, independentemente de apresentação de receita médica, dado que o art. 4º da Lei n.º 5.991/73 a habilita a exercer trabalhos com este produto bem como o expor à venda. Pois bem. Do exame da controvérsia, conclui-se que inexiste direito líquido e certo a ser preventivamente assegurado, dado que a atividade de fabricação e venda de cosméticos sem a apresentação de receita médica se afigura contrária ao disposto na Resolução RDC ANVISA/MS n.º 67/2.007, configurando esta prática como atividade industrial, o que afronta o disposto na Lei n.º 6.360/76, art. 2º e art. 12 e o seu Decreto n.º 79.094/77, art. 2º e art. 14, na medida em que impõe a prévia obtenção de autorização de funcionamento e licença sanitária, merecendo o apelo ser provido para reformar a r. sentença prolatada, denegando o pedido mandamental. Cabe esclarecer que a ANVISA, enquanto agência reguladora, detém o poder de editar normas eminentemente técnicas, para adequadamente preservar a saúde pública, descabendo a assertiva de violação ao princípio da legalidade, pois a atividade da empresa recorrida gera risco para a coletividade, sendo passível de regulamentação com vistas a proteger os usuários de possíveis problemas que possam vir a ocorrer caso se utilizem substâncias inadequadas ou nocivas a saúde por ausência de prescrição médica. O entendimento deste eg. Tribunal de Justiça é o seguinte: "APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. PRETENSÃO DE MANIPULAR, EXPOR E VENDER" COSMÉTICOS "SEM PRESCRIÇÃO MÉDICA. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU, PARA AFASTAR A EXIGÊNCIA DE RECEITA MÉDICA. APELAÇÃO DO MUNICÍPIO. NÃO CONHECIMENTO. OFENSA AO"PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE", POIS MERA CÓPIA DAS INFORMAÇÕES DA AUTORIDADE COATORA. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO. SENTENÇA REFORMADA NO MÉRITO. RESOLUÇÃO 67/2007 DA ANVISA QUE PROÍBE A MANIPULAÇÃO DE"COSMÉTICOS"SEM A DEVIDA PRESCRIÇÃO MÉDICA. POSSIBILIDADE, EM VISTA DO PODER REGULAMENTAR DE POLÍCIA POR DELEGAÇÃO LEGAL ATRIBUÍDO ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL E DA LEGALIDADE. PROIBIÇÃO QUE ESTÁ DENTRO DA"RAZOABILIDADE", POIS VISA PROTEGER A SAÚDE DA POPULAÇÃO. 1)- APELAÇÃO CÍVEL DO MUNICÍPIO NÃO CONHECIDA. 2)- SENTENÇA REFORMADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. (a)- As Agências Reguladoras detém poder regulatório de polícia por delegação legal, o que significa dizer que podem, dentro da razoabilidade, proibir determinados procedimentos pelas farmácias que coloquem em risco a saúde da população, sem que isso implique cerceamento da livre iniciativa comercial das empresas. (b)- Assim, a Resolução nº 67/2007 da ANVISA, dispondo sobre a obrigatoriedade de prescrição médica para manipulação de"cosméticos", visa proteger a saúde pública. E o interesse público deve prevalecer sobre o particular. (TJPR - 5ª C.Cível - ACR 738078-3 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Rogério Ribas - Unânime - J. 12.04.2011)" Do voto, vale destacar: "Em verdade, aos correlatos é permitido somente o seu comércio e não a sua manipulação. É que, o fato de a lei não ter enquadrado os"cosméticos"como fórmulas magistrais ou oficinais (necessitam de prescrição), não pode ser interpretada como uma autorização para manipular cosméticos sem a devida prescrição médica. Veja-se, nesse ponto, que a Lei nº 6.360/76, ao dispor sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e os Correlatos, Cosméticos, Saneantes e outros Produtos, trouxe uma série de regras acerca da fabricação dos"cosméticos", verbis:"Art. 26 - Somente serão registrados como cosméticos produtos para higiene pessoal, perfumes e outros de natureza e finalidade semelhantes, os produtos que se destinem a uso externo ou no ambiente, consoante suas finalidades estética, protetora, higiênica ou odorífera, sem causar irritações à pelé nem danos à saúde. Art. 27 - Além de sujeito, às exigências regulamentares próprias, o registro dos cosméticos, dos produtos destinados à higiene pessoal, dos perfumes e demais, de finalidade congênere, dependerá da satisfação das seguintes exigências: I - enquadrar- se na relação de substâncias declaradas inócuas, elaborada pelo órgão competente do Ministério da Saúde e publicada no "Diário Oficial" da União, a qual conterá as especificações pertinentes a cada categoria bem como às drogas, aos insumos, às matérias- primas, aos corantes, aos solventes e aos demais permitidos em sua fabricação; II - não se enquadrando na relação referida no inciso anterior, terem reconhecida a inocuidade das respectivas fórmulas, em pareceres conclusivos, emitidos pelos órgãos competentes, de análise e técnico, do Ministério da Saúde. Parágrafo único. A relação de substâncias a que se refere o inciso I deste artigo poderá ser alterada para exclusão de substâncias que venham a ser julgadas nocivas à saúde, ou para inclusão de outras, que venham a ser aprovadas."Com efeito. Da leitura desses artigos depreende-se claramente que os" cosméticos "estão sujeitos a uma série de exigências, dentre elas a necessidade de registro, a utilização de insumos, matérias- primas e corantes dentro das especificações. Isso sem dúvida demonstra preocupação do legislador em proteger os usuários de possíveis problemas que possam vir a ocorrer caso se utilizem substâncias inadequadas ou nocivas à saúde. Seria ilógico, portanto, as farmácias estarem isentas de fiscalização no que tange à manipulação dos" cosméticos ". Ora, não havendo prévia necessidade de prescrição médica, a farmácia estaria fazendo as vezes de indústria farmacêutica, atividade totalmente distinta a que se propõe o estabelecimento comercial."(sem grifos no original) Vale acrescentar que não se pode olvidar que as Leis Federais n.º 5.991/73 e 6.360/76 são anteriores a Constituição Federal de 1988, a qual, por sua vez, elevou os direitos à saúde e à vida a categoria de direitos fundamentais. Portanto, a r. sentença não pode prevalecer, devendo ser reformada também pela mesma linha de interpretação adotada no parecer da D. Procuradoria Geral de Justiça, (fls. 231/235). Com base no exposto, dou provimento ao recurso de apelação cível para reformar a r. sentença prolatada, diante da inexistência de ilegalidade da Resolução RDC/ANVISA n.º 67/2.007, restando prejudicado o reexame necessário. Custas pela impetrante. Sem condenação em honorários advocatícios. (art. 25 da Lei n.º 12.016/2.009) III DECISÃO : ACORDAM os integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso de apelação cível, reformando a r. sentença prolatada, restando prejudicado o reexame necessário. Presidiu o julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Regina Afonso Portes, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Desembargador Guido Döbeli. Curitiba, 21 de agosto de 2.012. LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET Desembargadora Relatora