A queda de 3,1 milhões de infectados no mundo para 2 milhões em 15 anos levou a ONU a prever que será possível reduzir o total de novos casos para 200 mil até 2030. O Brasil teve aumento, mas o programa anti-Aids foi elogiado. Os bons resultados mundiais no tratamento da Aids nos últimos 15 anos, apresentados ontem, em Adis Abeba, capital da Etiópia, levaram as Nações Unidas a afirmar que é possível ter a epidemia controlada em 2030, quando os novos casos de infecção não ultrapassariam os 200 mil, e 95% das pessoas com HIV teriam carga viral zerada — sem impacto sobre a saúde. A meta está traçada no relatório “Como a Aids mudou tudo”, produzido pela Unaids, o programa da ONU sobre HIV. Segundo o documento, a estimativa de novas infecções diminuiu em 35%: se, em 2001, o número de pessoas infectadas foi de 3,1 milhões, em 2014, esse índice baixou para 2 milhões. “Podemos acabar com a epidemia de Aids, enquanto ameaça à saúde pública, daqui a 15 anos. Esta é uma meta ambiciosa, mas realista”, declarou o secretário-geral da ONU, Ban Kimoon, no relatório.A Unaids destaca que um dos importantes Objetivos do Milênio, estabelecidos pela ONU em 2000, foi atingido antes do prazo, fixado para o final deste ano: a meta de 15 milhões de soropositivos recebendo tratamento adequado foi alcançada em março. Este número corresponde a 41% de todos os adultos vivendo com HIV. O aumento é considerado vertiginoso, uma vez que as pessoas que se beneficiavam da terapia antirretroviral há 15 anos eram menos de 700 mil.
— Nem nós acreditávamos que atingiríamos essa meta a tempo — admite a diretora do Unaids no Brasil, Georgiana Braga-Orillard, que destaca os esforços mundiais para levar as drogas antirretrovirais especialmente à África Subsaariana. — Todos os instrumentos científicos necessários para acabar com a epidemia já existem. Temos os testes para diagnosticar com rapidez e formas de prevenção eficazes. Precisamos agora ampliar o acesso. E, para que isso aconteça, é preciso discutir a discriminação.
Para a médica Maria Letícia Cruz, doutora em Saúde Pública pela Fiocruz, as metas otimistas da Unaids são difíceis de serem alcançadas.
— Esses são objetivos bem audaciosos, talvez além do que seja possível fazer em curto prazo. Não acredito que as novas infecções sejam tão poucas no mundo inteiro até 2030, mas estamos num bom caminho — considera a médica.
Ela lembra que, entre as metas da Unaids, também havia a proposta de eliminar a transmissão vertical do vírus, de mãe para filho, em 2015.
— O ano chegou e ainda nem estamos perto de conquistar isso. Apenas Cuba conseguiu, mas também é preciso avaliar a que preço. No início do combate ao HIV por lá, as pessoas infectadas eram separadas, marginalizadas — pondera Maria Letícia.
Ao todo, o relatório estima que 36,9 milhões vivem com o vírus no mundo. Graças aos esforços conjuntos para prevenção e tratamento, a expectativa de vida de uma pessoa com HIV passou de 36 para 55 anos, desde 2000. O relatório prevê que, em 2030, a expectativa de vida de soropositivos irá se igualar à das outras pessoas.
Aspectos práticos, como o tempo que se leva para receber o diagnóstico ou até mesmo a quantidade de comprimidos que o paciente sob tratamento toma todos os dias, melhoraram significativamente. Hoje, o resultado de uma testagem para HIV demora 30 minutos, em contraste com os três dias que era preciso aguardar há 15 anos. Naquela época, um soropositivo ingeria uma média de oito cápsulas — alguns chegavam a 20 — de medicamentos por dia. Esse número foi reduzido para apenas um remédio diário, e a Unaids espera que, em 2030, o tratamento seja feito com um comprimido a cada três meses, o que significaria um salto na qualidade de vida para os pacientes.
A maior abertura ao diálogo sobre sexualidade é vista pela maioria dos especialistas como a principal arma para alcançar os novos objetivos das Nações Unidas. Segundo a pesquisa mostrada no relatório, a conscientização entre os jovens cresceu apenas de 25% para 35% nos últimos 15 anos. Espera-se, porém, que 90% deles compreendam a gravidade da doença e se previnam em todas as relações sexuais em 2030.
— Especialmente os jovens homens que fazem sexo com outros homens, e estão no grupo mais vulnerável, precisam de ferramentas para entender a sua própria sexualidade sem tabu. Precisamos voltar a falar sobre educação sexual — sentencia Georgiana Braga-Orillard.
A médica Maria Letícia endossa a análise. Para ela, o problema não é a falta de informação sobre a doença, mas estigmas que persistem.
— É um entrave cultural. Se uma menina leva uma camisinha feminina na bolsa, ela é julgada. Já os meninos têm toda a liberdade. Essa desigualdade de gênero ocorre principalmente em países mais pobres. E enquanto ela persistir, a prevenção ficará comprometida — diz a médica.