Construção de empresas de alta confiabilidade: reflexões para o sistema de saúde
22/01/2024 - por Leonardo Vedolin

Com avanço da Medicina 5.0, aliada a novidades disruptivas aplicadas à saúde, como Inteligência Artificial generativa, medicina robótica e análise de dados, seria fácil para os líderes de negócios confiarem apenas à tecnologia a segurança e as melhorias operacionais de hospitais, laboratórios e unidades assistenciais.

Sem dúvida, essas inovações estão mudando o jogo para a Medicina no Brasil e no mundo, e são essenciais para diagnósticos e desfechos clínicos cada vez mais seguros e assertivos, além da melhoria da experiência do paciente. Entretanto, antes de quaisquer avanços que a tecnologia possa proporcionar, empresas de saúde precisam de medidas para ser tornarem seguras e confiáveis. É essa a premissa do que, atualmente, chamamos de organizações de alta confiabilidade (OACs): companhias que operam em ambientes de alta complexidade e colocam a segurança em primeiro lugar.

A confiabilidade começou a ganhar força no mundo corporativo entre as décadas de 1970 e 1980, quando sucessivos acidentes em grandes organizações viraram notícia e chocaram o mundo. Um deles, foi o desastre aéreo em Tenerife, na Espanha, que resultou em 583 mortos e se provou evitável com medidas de segurança e processos mais rígidos. Outras tragédias, como a da usina nuclear da Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA), o mais significativo da história de geração comercial de energia nuclear norte-americana; e o vazamento químico de Bopal, na Índia, no qual meio milhão de pessoas foram expostas ao gás isocianato de metila (MIC), também motivaram um grupo de pesquisadores da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, a estudarem a gestão de organizações nas quais os erros podem ter graves consequências.

Capitaneado pela pesquisadora Karlene Roberts, que cunhou o termo OAC, o desenvolvimento desse estudo se contrapôs à teoria anterior, que pregava que alguns acidentes eram inevitáveis. A pesquisa mostrou também que, ainda que as condições sejam complexas e adversas, uma gestão de processos estruturada e rigorosa permite as empresas terem sucesso em evitar catástrofes.

No livro “Managing the unexpected: assuring high performance in an age of complexity”¹, os teóricos organizacionais norte-americanos Karl Weick e Kathleen Sutcliffe identificaram cinco características que as OACs têm em comum:

  1. Preocupação com o erro: OACs tratam as falhas como um sintoma de que algo está errado com o sistema, e não isoladamente. Qualquer erro, ainda que pequeno, é reportado imediatamente.
  2. Refutam interpretações simples: em qualquer situação problemática, o ambiente de trabalho também é analisado. OACs sabem que as organizações são complexas e diversas áreas são ouvidas para determinar o padrão e a raiz do problema.
  3. Sensibilidade a operações: qualquer alteração de condições ou de colaboradores são captadas pela OACs com um monitoramento constante que aciona sistemas de segurança e barreiras.
  4. Comprometimento com a resiliência: organizações de alta confiabilidade detectam, contêm e se recuperam de erros. Os erros podem acontecer, mas as empresas não são paralisadas por eles.
  5. Respeito a profissionais altamente qualificados: durante as operações de rotina, a hierarquia é respeitada. Entretanto, em uma situação adversa, a autoridade está com o colaborador que sabe resolver o problema, não importando em qual lugar ele está na cadeia de comando.

Amy Edmondson, professora de liderança e gestão na Harvard Business School², explica que colocar a segurança como prioridade e assegurar um ambiente confiável para que os colaboradores reportem eventuais falhas, erros e não conformidades, são as principais premissas para a segurança psicológica e, consequentemente, para empresas menos vulneráveis.

Apesar de ainda ser difícil comprovar o efeito estatístico da teoria seguida pelas OACs na redução de acidentes³, líderes na área da saúde têm a responsabilidade de ir além das normas tradicionais de segurança ao criar um ambiente que propicie a antecipação de eventos. O monitoramento de excelência operacional, de modo consistente e sistemático gera um histórico valioso sobre práticas e entregas, que impactam na governança e ajudam a aprimorar a lógica assistencial. Nessa seara, a tecnologia é uma grande aliada na obtenção de dados mais precisos – mas não pode ser o único anteparo para a prevenção de erros.

Organizações de saúde operam em ambiente de risco constante. Por isso, é imperativo promover uma boa liderança, assim como engajamento genuíno dos colaboradores com as melhores práticas. Identificar as armadilhas que acentuam o erro humano, aplicar análise de causa-raiz para os “quase erros” ou erros detectados e incentivar a comunicação efetiva da cultura justa também são premissas fundamentais.

Saber com qual frequência um hospital, laboratório ou unidade de saúde tem um evento adverso grave, infecções, reinternações e necessidade de recoleta de exames, para citar alguns exemplos, cria um cenário preciso do atendimento e oferece a oportunidade contínua de aprimoramento clínico, melhoria da fluidez da jornada e facilitação no enfrentamento de problemas futuros. Nenhuma falha deve ser ignorada, pois qualquer desvio pode desencadear um evento adverso futuro.

Empresas confiáveis aceitam e trabalham em complexidade, em ações coordenadas entre talento e tecnologias, que elevam o patamar dos seus serviços e aprimoram o cuidado com os usuários. No centro dessa cultura deve estar a vida dos pacientes. E somos nós, executivos, médicos, técnicos, enfermeiros e atendentes, de uma ponta a outra, que criamos as condições para preservá-la.





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