Dois anos depois de impor a obrigatoriedade de apresentação de receita médica para a compra de antibióticos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) volta a discutir a ampliação das restrições para a compra de medicamentos. Desta vez, estão na mira da agência os remédios com tarja vermelha, cuja receita é obrigatória por lei, mas na prática não é exigida nas farmácias. O controle é mais rigoroso para os produtos de tarja preta, cuja receita fica retida no estabelecimento.
Essa discussão conta com o apoio de boa parte da indústria farmacêutica do país, mas é vista com reserva pela Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias). "Temos de fazer valer a lei", afirmou Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma).
Para Mussolini, o setor quer aproveitar a ocasião para discutir também quais os medicamentos que podem ou não ser rotulados com tarja vermelha. "Há alguns remédios nessa categoria, por exemplo, que poderiam ser excluídos da obrigatoriedade de apresentação da receita", disse. Mussolini citou o caso de produtos para tratamentos gástricos, que poderiam ser inseridos na lista de medicamentos isento de prescrição (Mip). Os Mips são indicados para tratamento de sintomas e males menores, como dores e resfriados porque seus princípios ativos estão bem abaixo das doses tóxicas, segundo Mussolini, também membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
"A Inglaterra é um caso emblemático por ser um dos países com maior volume de medicamentos isentos de prescrição. Como o sistema de saúde inglês cobre os custos com medicamentos, os pacientes não precisam ir ao médico toda hora para pedir receita para comprar um simples remédio para dor de cabeça", disse Mussolini.
Sérgio Mena Barreto, presidente da Abrafarma, vê com preocupação as medidas de restrição da Anvisa, mas concorda com o Sindusfarma sobre a revisão do que deve ou não ser incluída na categoria tarja vermelha. A Abrafarma discutirá hoje esse tema com os associados. De acordo com Barreto, as vendas de antibóticos em 2011, primeiro ano de exigência da receita, recuaram 17%, de 39 milhões de unidades para 32 milhões, nas grandes redes de farmácia. Em 2012, registrou recuperação de 6%, para 34 milhões de unidades. Nas redes de farmácias independentes, houve ligeiro aumento das vendas no primeiro ano e avançou 14% no segundo, para 64 milhões de unidades. "Ou seja, nas farmácias que cumprem a lei, as vendas caíram."
A Anvisa estendeu até o dia 8 de março o prazo para formar um grupo de trabalho com o setor para propor soluções concretas sobre o tema, como forma de evitar a automedicação. A agência começou a discutir a restrição há alguns meses. Essa medida é um desdobramento da audiência pública realizada em setembro do ano passado, cujas discussões apontaram para a necessidade de reunir diversos setores da sociedade para formular propostas de ações concretas.
De acordo com Mussolini, a automedicação não pode ser vista como uma iniciativa condenável. Segundo ele, essa prática é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), desde que feita com responsabilidade.
Em 2010, a Anvisa foi alvo de protesto das redes varejistas após a implementação da resolução 44, determinando que todos os remédios deveriam ser oferecidos ao consumidor pelo balconista. No ano passado, a agência voltou atrás, após ter sido alvo de mais de 70 processos. A Anvisa defendia a ampliação do controle sanitário, com o argumento de que o uso incorreto pode levar à intoxicação.
Essa tese foi fortemente questionada pelas indústrias. Segundo o Sindusfarma, a principal causa de intoxicação por medicamento no país não está relacionada a nenhum princípio ativo ou grupo de risco, mas pelo consumo abusivo motivado por tentativas de suicídio. Essa razão responde por mais de 40% dos casos registrados no país em 2010 (estatística mais recente). Dos 86.700 casos de intoxicação humana por agentes tóxicos diversos, anotados naquele ano, apenas 655 resultaram de automedicação, ou 0,75% do total.
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