O exagero na hora de pedir exames pode estar causando mais males do que benefícios para os pacientes. O alerta é dado por especialistas que já cunharam um termo para esse cenário – é o overdiagnosis. O conceito foi traduzido ao pé da letra para o português. Aqui, ganhou o nome de superdiagnóstico. Mas para os críticos, de super ele só tem o excesso.
“A situação é preocupante, pessoas estão ficando doentes e até morrendo enquanto profissionais médicos se orgulham de ter descoberto uma doença precocemente e iniciado o tratamento a todo custo”, alerta o professor do Dartmouth Institute for Health Policy e autor do livro “Overdiagnosed: Making People Sick in the Pursuit of Health, H. Gilbert Welch. “O título da obra é o resumo da situação verificada por ele. Pacientes estão adoecendo enquanto, no pleno exercício da atividade médica, busca-se a saúde.
Para Welch, há um cenário complexo com vários culpados. Alguns médicos têm receio de sofrerem processos e preferem pedir mais exames e iniciar o tratamento o quanto antes, do que esperar a evolução do quadro clínico. Por outro lado, muitas empresas do setor de saúde vendem o diagnóstico como algo milagroso e não informam que é preciso que um bom profissional faça cruzamentos de informações e cálculos probabilísticos. “Além disso a mídia exalta equipamentos e técnicas de forma espetaculosa e algumas pessoas simplesmente se envolvem em toda essa situação sem muitas informações sobre sua doença e tratamento”, comenta Welch.
O superdiagnóstico tem ganhado eco nos Estados Unidos. Vários tipos de câncer são enquadrados na situação de superdiagnóstico. A mamografia é um exemplo, segundo os críticos, as mulheres estão sendo levadas a um clima de pânico ao menor ponto mostrado no exame. Com isso, são tratadas de maneira urgente quando deveriam gastar mais tempo analisando o nódulo e todas as probabilidades e informações disponíveis para a certeza do que fazer e quando. Outros são submetidos à radiação, cirurgias complicadas e remédios com graves efeitos colaterais antes mesmo de terem um sintoma da doença. kk“Alguns tipos de câncer, quando diagnosticados e tratados de forma precoce, podem comprometer a própria recuperação do paciente”, diz a presidente e fundadora da Sociedade Brasileira de Ultrassonografia e da Federação Internacional das Sociedades de Ultrassonografia da America Latina, Lucy Kerr. Para ela, é um contrassenso que a busca da solução traga mais problemas para os pacientes. kkCâncer de tireóide, de próstata e melanoma também caem nesse quadro de exagero precoce e prejudicial ao paciente. O mais recente alvo de quem alerta para o superdiagnóstico é o déficit de atenção (DDAH). Um estudo da University of British Columbia, com crianças em idade escolar, trouxe à tona dados que podem mostrar que há confusão entre comportamento imaturo e doença.
A pesquisa comparou alunos nascidos em dezembro e janeiro do mesmo ano na mesma fase escolar. O resultado mostrou que os mais novos têm 39% de chances a mais de serem diagnosticados com déficit de atenção do que os por meses mais velhos. E 48% daquele grupo será provavelmente tratado com medicamentos que, usados de forma exagerada e incorreta, podem trazer problemas futuros para quem está no estágio inicial da vida.
“O superdiagnóstico existe e o quadro é grave , embora seja algo que ainda não se tem certeza do tamanho do problema no Brasil . A discussão sobre isso é necessária”, aponta o professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Denizar Vianna Araujo. Para ele, o deslumbramento com novidades e tecnologias da indústria não está agregando saúde ao paciente. “Para reverter essa situação, muita coisa precisaria mudar”, diz.
No entanto, o professor está longe de ser pessimista quanto ao futuro do superdiagnóstico. “O Brasil tem o mercado de saúde privada muito próximo dos Estados Unidos, seus exageros e formatos comerciais. No entanto, o lado público é bem focado nos aspectos gerais de saúde e podemos até dar exemplos para o mundo”, diz.
A reportagem da FH procurou diversos laboratórios para que dessem suas visões sobre o assunto. Algumas dessas empresas se comprometeram a falar, mas não fizeram contato até o término da reportagem. Outras informaram por meio de suas assessorias de imprensa que não iriam entrar em assunto tão polêmico. Mas os especialistas ouvidos foram enfáticos sobre a inevitabilidade da discussão e acreditam que o tema deve começar a unir já nos próximos meses médicos, profissionais de laboratórios, empresas de vários ramos, acadêmicos e órgãos reguladores governamentais.
Todos estarão em busca de uma cura para esse quadro de exagero de diagnóstico que parece endêmico. Os caminhos traçados provavelmente serão os que apontam para o bom aproveitamento da evolução das técnicas e tecnologias de diagnóstico. E, claro, para a saúde do paciente.