Em 7% dos lares brasileiros, 11 milhões de pessoas comprometem mais de 20% do seu poder de compra com saúde. A OMS alerta para o gasto global no item saúde, 9,8% do PIB mundial, pouco mais ou menos o que gastamos no Brasil, 9,6% em 2019, segundo o Ministério da Saúde. O imenso gasto, que segundo a OMS duplicou entre 2000 e 2019, tem privilegiado o tratamento de doenças e não o diagnóstico e a prevenção, muitíssimo mais baratos.
Enquanto diagnóstico e prevenção não interferem na qualidade de vida do paciente, o tratamento prejudica seu bem estar, pressupõe dias de cama, quando não hospitalização, isto é, sempre significa algum grau de sofrimento e perda de renda quando impossibilita temporariamente o trabalho. Já passou da hora de investir mais no diagnóstico e prevenção do que na cura, aproveitando a grande evolução propiciada principalmente pelo diagnóstico precoce. O diagnóstico com os recursos modernos leva também a um tratamento mais assertivo, geralmente mais curto, menos penoso e com menos chance de complicações e sequelas.
Mesmo para a população em geral é fácil entender a discrepância entre custo do diagnóstico e da prevenção de uma doença e do tratamento, quando a doença já está em curso. Um eletrocardiograma ou teste ergométrico podem alertar sobre o risco de infarto e levar a medidas preventivas, enquanto se o infarto ocorrer o custo do hospital e da implantação de um stent é mais de cem vezes o do exame preventivo. O Brasil registra cerca de 300 mil infartos anuais.
Nas estatísticas, cada infarto representa apenas um número, mas para o doente e sua família a ocorrência gera um alto nível de sofrimento, a expectativa na dúvida sobre a sobrevivência, ansiedade a respeito do futuro e a necessária mudança de hábitos, para reduzir o risco de novo evento cardiovascular. Outro exemplo, o diabetes, controlável se diagnosticado precocemente, levou a 282 mil amputações de membros inferiores – pernas e pés no Brasil entre 2012 e 2023. A maioria dos amputados comprova a incapacidade para o trabalho e se aposenta, mas sua qualidade de vida e a queda da autoestima não compensam a segurança da pensão mensal que passam a receber.
Exemplo marcante é o da infecção por HPV – papilomavirus humano, cuja presença é rapidamente identificada pelo diagnóstico molecular. A imensa maioria dos 10 milhões de contaminados que se estima existam no Brasil, ignora, porém, que estão contaminados. A universalização do diagnóstico molecular permitiria identificar os portadores do HPV 16 e 18, responsáveis por 70% dos casos de câncer do colo de útero – 6.627 mortes em 2020 - e de lesões pré-cancerosas, além dos casos de câncer anal – 1.101 óbitos em 2021, vulva, vagina, pênis e orofaringe, frequentemente decorrentes da infecção por HPV. É incontável o número de vidas e o sofrimento que o Brasil evitaria com o diagnóstico e a prevenção nesses casos.
O Ministério da Saúde estima que até 2025 mais 17 mil brasileiros serão infectados pelo HPV. É vital que sejam identificados e acompanhados e os testes atuais medem até a carga viral e o estágio da infecção. Em um exemplo mais recente sobre a diferença entre prevenção e tratamento, na recente pandemia de COVID, 75% dos idosos que morreram no Brasil devido à doença não tinham recebido a vacina, leia-se ‘prevenção’ que, embora com atraso, estava amplamente disponível.
A mudança de foco do tratamento das doenças para a prevenção tornou-se possível com a universalização do diagnóstico molecular, curiosamente efeito colateral da pandemia que levou à capacitação de dezenas de laboratórios de análises clínicas em todos os Estados brasileiros. A pandemia fez com que os laboratórios se equipassem e absorvessem tanto a tecnologia de análise dos exames PCR, como também treinassem equipes hoje aptas para trabalhar com os programas de identificação extremamente rápida não só das doenças, como também do agente causador.
Com os laboratórios devidamente equipados, não há mais desculpa para termos diagnóstico tardio das principais doenças epidêmicas: dengue, febre amarela, esquistossomose, leishmaniose, leptospirose, hanseníase e doença de Chagas, bem como a já citada incidência de HPV. A prevenção, que certamente reduzirá em muito o gasto do país com a saúde, eliminando também dezenas de milhares de dias de trabalho perdidos em virtude das doenças, depende da valorização das vacinas e da recuperação da cobertura vacinal, o que pressupõe campanhas de esclarecimento e a universlização do diagnóstico e da prevenção, com o uso adequado dos recursos oferecidos pelas modernas ferramentas de diagnóstico molecular.
O Brasil precisa mudar de rota e finalmente introjetar que o caminho para termos uma população saudável passa necessariamente pelo investimento em prevenção e não apenas em tratamento.
Guilherme Ambar é biólogo e CEO da Seegene do Brasil