Nos últimos anos, segundo dados do Observatório Anahp 2023, a participação das operadoras de planos de saúde nas receitas dos hospitais, embora ainda predominante, vem caindo. Dados mostram que ela diminuiu de 91% para 83%, em um movimento acompanhado por aumento nos prazos de pagamento – que, de 2021 para 2022, passou de 68,5 para 73,5 dias – e das glosas – que subiram de 3,7% para 4,5% da receita líquida.
Para 2024, as expectativas para o setor são pouco otimistas. “Nós vemos com preocupação o ano de 2024, tendo em vista as dificuldades que o setor de saúde suplementar viveu em 2023 e que não dão sinais de estarem resolvidas em 2024. Como se sabe, as operadoras, pressionadas em suas margens pelo aumento das despesas e dificuldade das receitas, passaram a estabelecer cortes nos pagamentos habituais e devidos, de forma que elas possam ajustar seu fluxo de caixa, o que prejudicou planos e investimentos”, diz o presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto.
Britto não acredita que o próximo ano será marcado por grandes investimentos no setor. “No ano de 2023, as consequências do chamado piso salarial básico para a enfermagem e um ambiente de extrema restrição financeira, a partir de decisões que foram tomadas pelas operadoras de planos de saúde, contribuiu para reduzir em muito a capacidade de investimento nos hospitais, e esse cenário de restrição para investimentos se manterá, infelizmente, para 2024.”
Deixando de lado os impactos econômicos, que refletem na própria sustentabilidade do setor, há outros temas que já estão em alta agora e que deverão continuar ao longo do ano de 2024. Na opinião de Adelvânio Francisco Morato, presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), tópicos como proteção de dados e a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - considerando a acelerada transformação digital nos serviços de saúde; o advento de tecnologias disruptivas, como a utilização da inteligência artificial, e os debates sobre governança ambiental e social nos serviços de saúde (ESG) ganharão mais visibilidade.
Britto acredita que, do ponto de vista de demanda, todas as doenças que acompanham o envelhecimento da população devem continuar gerando maior demanda aos hospitais, como as oncológicas e neurológicas. Morato aposta também em outras frentes que estão ganhando destaque, como medicina diagnóstica, cirurgia robótica e genética.
Esse cenário tem levado a movimentos das redes hospitalares para que possam atender a essas novas necessidades. “Quem observa de forma mais ampla o setor hospitalar vê que existem hoje três movimentos que são simultâneos: o movimento de verticalização, em alguns casos; a formação de redes; e hospitais independentes que, de forma crescente, passam a buscar parcerias, intercâmbios e outras formas de trabalho conjunto com outros hospitais independentes. As três tendências ocorrem ao mesmo tempo e nós trabalhamos com a perspectiva de que elas vão continuar ocorrendo no mercado hospitalar brasileiro de forma simultânea”, analisa Britto.
Depois de viver um boom de aquisições até 2021, o setor teve um 2023 mais tímido. Apesar de 2024, segundo os especialistas, não prometer ser um ano em que fusões e aquisições devem retomar o ritmo anterior, elas são esperadas.
“Nós trabalhamos com o cenário de que a concentração de hospitais no Brasil é um fenômeno que ainda não se esgotou. Pelo contrário, tem um enorme campo para crescer. Houve uma paralisação decorrente da pandemia, mas nós entendemos que, olhando para o longo e médio prazo, a tendência será sempre de uma retomada de fusões e incorporações tão logo passe esse momento mais complexo que está sendo vivido pelo setor”, avalia Britto.
Para ele, a incorporação de hospitais de médio ou grande porte por grandes grupos deverá ser uma realidade no futuro. “Os pequenos hospitais, de pequenas cidades e com pequenos mercados, estão fora desse processo.”
Atualmente, cerca de 70% dos hospitais privados existentes no Brasil são considerados de pequeno e médio porte, ou seja, possuem até 100 leitos. “A sustentabilidade financeira desses estabelecimentos é uma preocupação prioritária, haja visto que mais da metade dos hospitais (56,5%) realizam atendimento à população pela rede pública, como prestadores de serviços. O futuro e a sustentabilidade financeira da nossa rede são pautas urgentes, que precisam de um olhar mais atencioso e estratégico de nossos gestores públicos e parlamentares”, comenta Morato.
Mesmo diante de um cenário que continuará desafiador em 2024, os investimentos em educação, pesquisa e inovação, e em atendimento de alta complexidade, serão o foco do Hospital Moinhos de Vento. “Estamos com a abertura iminente de novos cursos de pós-graduação e de um programa de mestrado e doutorado. Estamos entre os três maiores hospitais do Brasil em ensaios clínicos e temos testemunhado um crescimento substancial em protocolos, pacientes e receita. O Atrion, nosso Centro de Inovação, atualmente conectado com mais de 400 startups no país, ampliará ainda mais os programas de incubação, aceleração e contratação de startups. Na alta complexidade, estamos em obras para entrega de novos leitos de terapia intensiva e novas salas cirúrgicas, o que demandou um investimento de R$ 150 milhões”, diz Mohamed Parrini, CEO do Hospital Moinhos de Vento.
Outros R$ 24 milhões estão sendo investidos em um centro cirúrgico no Pontal Shopping, em Porto Alegre. O espaço deve ser inaugurado em 2024 e será destinado a procedimentos de baixa e média complexidade, ocupando mais de 600 m², com quatro salas cirúrgicas de última geração. “Além disso, investimos mais de R$ 2,5 milhões na ampliação do Instituto de Pesquisa, que recebeu novas salas que possibilitam aumentar o recrutamento de participantes de estudos clínicos.”
Em relação às especialidades que devem ganhar destaque em 2024, Parrini conta que o hospital manterá o foco nas atuais especialidades já atendidas, além de ampliar os esforços nas áreas de cardiologia, oncologia, neurologia, pacientes críticos e atendimento materno-infantil. A telemedicina, a genética e a alta complexidade receberão investimentos, juntamente com os procedimentos robóticos.
A partir de uma conectividade ampliada do 5G, algumas aplicações são previstas para ocorrer até 2024, como o monitoramento remoto de pacientes, desenvolvendo sistemas e devices de monitoramento para acompanhar pacientes com doenças crônicas, em tratamento ou no pós-alta em tempo real; a cirurgia assistida por realidade virtual e aumentada, aproveitando a tecnologia para cirurgias de alta precisão; a integração de dados e big data, unificando ainda mais os dados de pacientes de várias fontes para diagnósticos mais rápidos e precisos.
Entre os desafios a serem superados está a interoperabilidade. “Esse tema ainda é um grande desafio dos hospitais como um todo, e não só no Brasil. No nosso hospital, não é diferente. Essa desconexão faz com que os planos de saúde precisem de informações cruciais dos pacientes e isso atrasa a colaboração médica. É preciso melhorar a conectividade, a inteligência e as perspectivas centradas no paciente”, complementa Parrini.
Assim como o Hospital Moinhos de Vento, quem também pretende investir na ampliação de infraestrutura para um melhor atendimento é a Rede D’Or, que, em seu plano diretor, prevê a entrada em operação em 2024 de projetos como as novas torres dos hospitais Memorial São José, em Recife, e Aliança, em Salvador, que introduzirão o conceito Star nessas regiões, além da expansão do Vila Nova Star, em São Paulo, e da inauguração do novo hospital Macaé D'Or.
O plano diretor menciona ainda outros projetos com previsão de conclusão de suas obras no próximo ano, como os novos hospitais da Rede D'Or em Alphaville, Guarulhos e no Rio de Janeiro (Barra da Tijuca), e a ampliação em andamento do Hospital Assunção, em São Bernardo do Campo, que passará a se chamar São Luiz São Bernardo.
Em 2024, a Rede Mater Dei está prevendo investimentos robustos na área da tecnologia. O foco é aumentar a eficiência em processos, incrementar o modelo de parceria com as operadoras e também aprimorar a experiência dos pacientes, o que inclui digitalização de processos. “Investiremos também em equipamentos médicos, em pesquisa, na melhoria de processos e na formação médica de nossas equipes para que nosso corpo clínico seja cada vez mais referência”, destaca José Henrique Dias Salvador, CEO da Rede Mater Dei de Saúde.
Outro ponto destacado por Salvador para o próximo ano é a integração das diversas unidades. “Em 2024, vamos avançar, trazer novas receitas para as unidades, gerar crescimento em relação ao volume de pacientes, oferecer serviços diferenciados que façam com que elas, efetivamente, sejam cada vez mais as referências em suas cidades e estados.”
Em termos de especialidades, a Rede tem investido em hospitais gerais, oferecendo um mix de especialidades robusto, mas sem deixar de lado aquelas que têm um foco especial, como a linha materno-infantil, atendendo inclusive pacientes de alta complexidade e gestantes de alto risco.
“Temos também investido em especialidades de alta complexidade, como oncologia, cardiologia, neurologia, neurocirurgia e transplantes, que é uma linha de atuação que tem tomado bastante força na Rede Mater Dei nos últimos meses e que estará muito forte na Rede em 2024.”
Na Kora Saúde, o ano de 2024 deverá ser dedicado a três frentes: aumento da rentabilidade, com foco na eficiência de procedimentos de alta complexidade e com maior rentabilidade; geração de caixa e melhoria do capital de giro por meio de negociação da redução de prazo de recebimento e glosas com as operadoras, aumento de prazo de pagamento com fornecedores e melhor gestão de estoque; e gestão da estrutura de capital, com a geração de caixa operacional e a venda dos ativos imobiliários.
Esse cenário deve contribuir para que especialidades como a oncologia continuem sendo olhadas com ainda mais atenção. Como exemplos, Elias Leal, CFO da Kora Saúde, cita a inauguração, este ano, de um setor de radioterapia no Hospital Meridional Vitória, no Espírito Santo. “Além disso, apostamos no crescimento ainda maior da oncologia no Hospital Anchieta, e no ramp-up da recém-inaugurada oncologia em Fortaleza, em parceria com o Centro Regional Integrado de Oncologia (Crio).”
Fusões e aquisições não estão no radar da Kora, que segue tendo como desafio para 2024 aumentar receita, mantendo a rentabilidade e a geração de caixa, enquanto o setor se recupera. “Sabemos que em 2024 o setor ainda continuará sob pressão, pois embora as operadoras de saúde já comecem a ver melhoras a partir desse ano, ainda existem obstáculos que podem aparecer, como a necessidade de outro ciclo de aumento de preços para a recuperação total dos níveis de sinistralidade”, finaliza Leal.