Uso da inteligência artificial na saúde: resultados e desafios
09/11/2023

inteligência artificial combina dados, algoritmos e capacidade computacional. Na área da saúde, seu uso é vasto. Pode ser uma aliada para melhorar a velocidade, a precisão do diagnóstico e a triagem de doenças. Também já pode auxiliar no atendimento clínico, fortalecer a pesquisa em saúde e o desenvolvimento de medicamentos, além de apoiar diversas intervenções na saúde pública, como vigilância de doenças e gestão de sistemas de saúde.

Para compreender o grau de maturidade das instituições de saúde em relação ao uso da inteligência artificial, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) realizou, em parceria com a Associação Brasileira de Startups de Saúde (ABSS) e com o patrocínio da Bionexo, uma pesquisa junto aos associados durante os meses de julho, agosto e setembro. Dentre os dados apresentados, destacam-se:

  • Dos 45 respondentes, 59,2% disseram não utilizar a inteligência artificial como ferramenta para a resolução de problemas core para a sua instituição, enquanto 38,8% afirmaram que sim, fazem uso da IA com esse objetivo;
  • As principais aplicações se destinam a: chatbots de atendimento (12%), segurança da informação (10%), apoio à decisão clínica (10%) e análise de imagens médicas (8%);
  • Entre os desafios que as empresas encontram para avançar na área estão a falta de interoperalidade sistêmica (17%), o custo elevado de implantação (16%), dificuldade em engajar o corpo clínico quanto às novas tecnologias (16%), privacidade e segurança dos dados (11%) e falta de padrão à jornada do paciente (9%);
  • Para 51% dos entrevistados, os investimentos realizados em inteligência artificial trouxeram resultados práticos e 23% disseram que ainda não identificaram benefícios.

Uso da inteligência artificial ainda é tímido

Felipe Cabral, coordenador do GT Tecnologia e Inovação em Saúde da Anahp, destaca que a inteligência artificial tem sido vista como importante ferramenta para melhorar a eficiência, a precisão e a qualidade dos serviços de saúde. Porém, a forma como vem sendo utilizada ainda foca mais nas situações administrativas, tendo um campo bastante amplo para expansão nas atividades clínicas.

Segundo Chao Lung Wen, chefe da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms), a inteligência artificial tem sido utilizada para fins específicos, como pré-identificação de imagens radiológicas (apoio na emissão de laudos), identificação de lesões suspeitas de câncer de pele, identificação de fundo de olho, lesões dermatológicas, em manejos clínicos e na prevenção de situações, como sepse. Também é utilizada na análise de grandes quantidades de dados para fins de avaliações preditivas, entre outras finalidades.

Desafios e perspectivas futuras

Chao pontua, dentre os principais desafios para o uso da inteligência artificial, a necessidade de aumentar a capacidade de acerto, de precisão e exatidão; de ampliar a base de dados utilizados em análise; de aprimoramento dos algoritmos; a inclusão de algoritmos em dispositivos de apoio a diagnóstico e exame físico; e a inclusão, nas respostas, dos fatores de confiabilidade fornecidos pelos algoritmos.

O engajamento do corpo clínico ainda representa uma barreira para uso da ferramenta, e muitos médicos e gestores ainda resistem ao uso das tecnologias e precisam entender melhor como elas podem ajudar na gestão hospitalar. “É preciso educar mais sobre o uso da inteligência artificial, seus limites, riscos e benefícios. É preciso educar para evitar expectativas irreais demasiadas. A IA tem como principal função agilizar a organização de processos, a mineração de dados para fins de análise preditiva e para criar um sistema mais amigável de interação com a equipe da instituição e usuários”, diz Wen.

Experiências 

O Hospital Moinhos de Vento começou a fazer uso da inteligência artificial em saúde inicialmente usando algoritmos que facilitavam o reconhecimento de padrões em imagens médicas, principalmente para exames como tomografia e ressonâncias, além de soluções para as áreas administrativas.

Cabral, da Anahp, que também é gerente médico de Saúde Digital do hospital, conta que a instituição testou – e pretende implementar – uma solução que usa a inteligência artificial generativa, uma tendência apontada na pesquisa da Anahp, que é capaz de entender uma consulta médica com o paciente, transcrever a anamnese, dar sugestões de acordo com o diagnóstico provável e, no final da consulta médica, resumir tudo o que havia foi conversado, registrar no prontuário e fornecer sugestões de diagnóstico e de tratamento.
 

“Isso é um facilitador para o médico durante a consulta, porque evita que ele perca tempo com ações burocráticas, como o preenchimento de formulários, permitindo que ele foque na conversa com o paciente, além de sugerir perguntas para melhor condução do caso.”

Nessa jornada da aplicação da IA, o primeiro grande desafio, do ponto de vista institucional e de saúde, é ter dados organizados de maneira facilmente acessível para aplicar a inteligência artificial nessas informações e trazer algum resultado significativo. “Hoje, as instituições podem ter um prontuário eletrônico principal e pelo menos 20 sistemas que circundam esse prontuário. Esses sistemas não conversam entre si. Quando eles não se conversam, ou se não se interoperam, não temos dados concentrados no mesmo lugar", afirma Cabral.

Esse é o segundo desafio – ter os dados concentrados em um mesmo lugar.  “Tendo isso, passamos para o segundo movimento, que é o de investir na IA mais adequada, ou seja, qual será sua utilização: radiologia, anamnese, prevenção para diagnóstico precoce? Por fim, temos o terceiro desafio, que é atacar áreas específicas do conhecimento e utilizar da melhor maneira possível a inteligência artificial para gerar resultados.”

No Hospital Moinhos de Vento, o resultado advindo da IA deve, inicialmente, ter como foco melhorar a qualidade e a segurança no atendimento ao paciente. Depois disso, busca-se uma melhoria na gestão operacional e administrativa, o que faz com que essa melhoria clínica e na segurança do paciente traga sustentabilidade financeira para a instituição.

“Em um processo de utilização da IA, temos de passar por um processo anterior de estruturação, governança, organização e interoperabilidade de dados. Todo esse caminho facilita a tomada de decisão do gestor, porque o acesso aos dados já está facilitado. Com a inteligência artificial, esse apoio ainda é maior, especialmente na área da prevenção. Por exemplo, a partir dos dados, o hospital consegue prever que, em alguns dias, a emergência estará com superlotação, facilitando a gestão clínica para um melhor controle de atendimento.”

Outra experiência de uso da inteligência artificial vem da Dasa, rede de hospitais e laboratórios, onde a IA é aplicada em diversas áreas, incluindo em diagnósticos, hospitais e oncologia. “Entendemos a inteligência artificial como uma ferramenta muito pragmática e aplicável: em qualquer projeto, fazemos testes e mensurações para checar o que pode ser utilizado em escala em todo o Brasil, gerando mais eficiência. Desde 2015, a Dasa incrementou investimentos em pesquisa e tecnologia”, conta Felipe Kitamura, diretor de Inovação Aplicada e IA na Dasa.

Kitamura cita alguns cases de uso da inteligência artificial na Dasa, como o uso de algoritmos de NLP (Processamento de Linguagem Natural) para identificar pacientes que estão em gap de cuidados e acionar o médico responsável, alertando para a necessidade de retomada de exames e procedimentos.  

“Quando um paciente que passou pela Dasa com um achado identificado por meio de NLP é alertado pelo seu médico, ele consegue dar o próximo passo no tratamento, em média, depois de sete dias. Quando ele não é alertado, o tempo é de 17 dias. Isso faz toda diferença na eficácia e melhor desfecho clínico.”

Outro projeto é o ACE, de aceleração de exames de ressonância magnética, que faz uso de um algoritmo de aprendizagem profunda (deep learning) para reduzir os ruídos de imagem nos exames de ressonância magnética. Com a inovação, houve diminuição em 40% no tempo de realização dos exames, gerando melhor experiência e conforto aos pacientes (menos tempo dentro do aparelho e mais fácil agendamento), o que possibilitou um melhor atendimento de uma demanda reprimida sem a necessidade de aquisição de mais aparelhos, o que contribui para a redução de custo e sustentabilidade do setor de saúde. Hoje, esse algoritmo roda em 80 máquinas de ressonância magnética na rede Dasa.

Mas existem desafios, principalmente quando se fala na área da saúde, para o uso da IA. “Um deles é garantir que o algoritmo utilizado em diversas áreas não perca a acurácia ao longo do tempo, já que seu bom funcionamento depende da qualidade dos dados utilizados”, comenta Kitamura.

Outro desafio é a mudança de cultura de toda a cadeia, que precisa incorporar processos para que a IA opere em favor do paciente. “Por último, cito a necessidade de proteção integral dos dados fornecidos pelos pacientes.”

Como acelerar a aplicação da inteligência artificial

Para acelerar a introdução da inteligência artificial na área da saúde, Cabral comenta que as instituições estão se conectando com startups. “Temos alguns projetos com a HUNA, que trabalha com prevenção de doenças hematológicas, e com a Laudite, software de laudo online que se propõe a facilitar o trabalho do médico na elaboração de laudos radiológicos.”

Essa, aliás, é uma realidade retratada na pesquisa da Anahp - que aponta que 38% dos entrevistados acreditam que as startups possam contribuir com novas abordagens para os desafios da IA - e compartilhada também pela Dasa.

“A IA funciona como uma ferramenta importante de gestão, governança e otimização de recursos. Temos cases de parcerias com startups que exemplificam como a inteligência artificial contribui com a eficiência da gestão. Um deles é com a Upflux, que utiliza algoritmos para a otimização do tempo de entrega dos resultados diagnósticos para diversos clientes, por meio da tecnologia conhecida por Process Mining”, conclui Kitamura.





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