Entre os tantos aprendizados que tivemos com a pandemia de coronavírus, é imprescindível destacar o reconhecimento da importância dos profissionais de saúde e seu trabalho colaborativo, articulado e em equipe. O empenho responsável e afetivo fez com que nosso país enfrentasse melhor essa crise sanitária.
Para diminuir danos, foi preciso repensar diversas práticas, formas de acessar e prover atendimento às pessoas por meio do encontro e traçar formas de cuidar. Para isso, mudanças que já estavam começando a acontecer antes da pandemia precisaram ser aceleradas.
A tecnologia virou uma grande aliada e muitos fatores tiveram que ser repensados: do ponto de vista ético, da humanização, da qualidade, do princípio da inclusão. Foi assim que a telemedicina, revestida de preconceitos, virou ferramenta essencial de trabalho. A saúde digital tornou uma segunda opinião mais próxima, deu acesso e atendimento a pessoas e equipes distantes. Deu a oportunidade de um paciente se comunicar com a família antes de uma intubação ou durante uma internação em isolamento. O Conselho Federal de Medicina autorizou a prática durante a pandemia e em 2022 a regulamentou.
Pesquisas, como a realizada pela Conexa Saúde e o Datafolha, mostraram que pacientes gostaram, e alguns até preferem, o atendimento remoto. Os relatos dizem que os doutores ouvem mais pela telemedicina do que pela consulta presencial. Assim, a escuta do médico é fundamental. De repente, o distanciamento resultou nesse aprofundamento e ressignificação da importância da comunicação no encontro do médico com a pessoa sob seu cuidado.
Médicos no Brasil inteiro hoje trocam experiências, se ajudam e podem recebem orientação de especialistas de qualquer lugar do mundo. Populações ribeirinhas e seus profissionais de saúde, nas regiões mais distantes do país, podem acessar um especialista por meio da telemedicina e receber orientação de um colega num espaço muito curto de tempo garantindo, assim, uma qualidade de cuidado que anteriormente não seria garantida. A telemedicina e bioética digital terão de ser colocadas em todos os currículos das escolas de medicina e outras do campo da saúde. Já é orientada nas melhores escolas de medicina do mundo o desenvolvimento das competências digitais, ou literacia digital de docentes e discentes.
Os prontuários eletrônicos, disponibilizados em nuvens, são um grande avanço. Eles permitem o acesso de outros médicos em casos clínicos para obter uma segunda opinião, seja na atenção primária, especializada e/ou hospitalar. São prontuários protegidos por ferramentas de segurança e pela LGPD que funcionam com portabilidade, em qualquer lugar que o paciente estiver, seja em clínica, hospital ou consultório, os profissionais de saúde podem acessar o prontuário e o histórico de resultados de exames e consultas.
São muitos os avanços já consolidados: imagem médica avançada (tomógrafos e ressonância magnética de última geração) auxiliando nos diagnósticos, a cirurgia robótica, terapias genéticas e personalizadas e a Impressão 3D (próteses personalizadas), mas jamais podemos dizer que as máquinas substituirão os médicos. Existem algumas especialidades em que a interação com os pacientes é muito forte e, nessa interação, a criatividade nas relações prepondera. Por exemplo, o psiquiatra com os seus pacientes. Essa é uma interação insubstituível, nenhum robô consegue fazer. A tecnologia dará mais tempo para que, no encontro entre médico e seu paciente, haja espaço para uma atenção integral, onde vamos encontrar não só o agravo, a necessidade de saúde da pessoa, mas teremos oportunidade de conhecê-la de maneira integral.
Outro exemplo de como a tecnologia na medicina nos apoia é a tomada de decisão baseada em dados. São informações colhidas da população e processados em relatórios analíticos para favorecer decisões de médicos, muito usado na oncologia, por exemplo, para tomada de decisões nos protocolos clínicos de câncer, além de cirurgia geral, cirurgia plástica, ginecologia obstetrícia, cardiologia, entre outros. São áreas que estão muito ligadas a análise de dados. Em algumas especialidades cujo trabalho repetitivo, análise de imagens, a leitura robotizada pode contribuir muito na análise de detalhes e ser bastante assertiva.
É importante falarmos sobre o desenvolvimento da Realidade Virtual e Aumentada, aliadas à área de inteligência artificial, que vem crescendo vertiginosamente em nosso meio. É possível hoje termos pacientes virtuais em ambiente de metaverso que são atendidos por estudantes de medicina, são examinados, auscultam batimentos cardíacos, constroem planos de cuidado. Estas tecnologias precisam estar à serviço da aplicação da prática clínica junto aos estudantes de graduação e pós-graduação em ambientes de simulação de pacientes virtuais no âmbito da aprendizagem sistematizada. Essas práticas garantem maior segurança dos pacientes quando são atendidos por nossos estudantes nos cenários reais de aprendizagem junto ao SUS.
E, por último, e permeando várias das tecnologias já elencadas, não podemos deixar de citar a Inteligência Artificial. O tema é atual, desafiador e é uma grande oportunidade para contarmos nossas vivências, ainda iniciais, mas muito promissoras, nesse campo do conhecimento. O aprendizado acerca das inúmeras aplicações da IA no campo da produção de conhecimento e do cuidado em saúde deverá ser mais uma competência adquirida na graduação. Ao mesmo tempo há que se pensar em políticas públicas inclusivas para que a IA não seja mais uma das tecnologias que reproduzem e aprofundam as diferenças e iniquidades em nossa sociedade.
É nosso papel, como ser humano, destinar a finalidade de todas as tecnologias que serão incorporadas no nosso dia a dia. A aplicação crítica da tecnologia orientada a promoção da qualidade da formação médica, a ampliação da segurança e do acesso das pessoas sob cuidado aos recursos de saúde, conduzem a práticas orientadas na direção da relevância, da responsabilidade social dando espaço/tempo real para o encontro entre cuidador e a pessoa sob seus cuidados.