Estabelece direitos e garantias dos portadores de
órteses, próteses e materiais implantáveis de uso
médico ou odontológico, dispõe sobre mecanismos
de controle e monitoramento desses produtos,
determina a notificação compulsória em caso de
defeitos detectados e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei estabelece direitos e garantias dos portadores de
órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico,
dispõe sobre mecanismos de controle e monitoramento desses produtos,
determina a notificação compulsória em caso de defeitos detectados e dá
outras providências.
Art. 2º São direitos e garantias dos portadores de órteses,
próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico:
I – atendimento digno e de qualidade pelos profissionais e
estabelecimentos de saúde, incluindo serviços e instalações adequados à
execução dos procedimentos médicos e odontológicos;
II – segurança de que a fabricação das órteses, próteses e
materiais implantáveis segue, rigorosamente, as normas técnicas e boas
práticas de fabricação, e de que os materiais utilizados são biocompatíveis,
biofuncionais, bioinertes, atóxicos e, quando for o caso, mecanicamente
adequados para substituírem tecidos e órgãos humanos;
III – acesso a informações sobre os produtos e suas
características essenciais, incluindo especificações técnicas e riscos que
possam apresentar à saúde, em linguagem acessível;2
IV – substituição gratuita de produtos implantados defeituosos ou
que não estejam em conformidade com as especificações técnicas constantes
de seu registro oficial, tenham sido eles implantados, originalmente, com
finalidade estética ou reparadora;
V – acompanhamento médico ou odontológico para pessoas
portadoras de órteses, próteses ou materiais implantáveis que estejam sob
investigação sanitária;
VI – acesso facilitado às esferas administrativas e judiciais
competentes, para assegurar o cumprimento no disposto nesta Lei.
§ 1º Serão estabelecidos protocolos clínicos e diretrizes
terapêuticas, com a participação das entidades da área de especialização, para
fins de avaliação, diagnóstico, conduta e acompanhamento médico ou
odontológico dos casos a que se referem os incisos IV e V do caput.
§ 2º Para efeitos do inciso IV do caput, o acompanhamento
clínico, os exames complementares, o procedimento médico ou odontológico
de substituição e o produto substituto serão oferecidos pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) e pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde,
conforme o procedimento cirúrgico originário tenha sido realizado pelo SUS
ou pela rede privada suplementar.
§ 3º O disposto no inciso IV do caput se aplica no caso de
produtos que forem comprovados como nocivos à saúde pela autoridade
sanitária, mesmo que fossem considerados seguros à época do procedimento.
Art. 3º O implante cirúrgico de órteses, próteses e materiais
implantáveis de uso médico ou odontológico só poderá ser realizado por
estabelecimento de saúde, público ou privado, e por profissionais previamente
autorizados por órgão de direção do Sistema Único de Saúde.
Parágrafo único. As instituições referidas no caput manterão
registros dos implantes cirúrgicos realizados, contendo o nome do paciente e
seu prontuário médico ou odontológico, número de registro e código
identificador do produto implantado, data da cirurgia, nome e assinatura do
cirurgião responsável.3
Art. 4º O registro de órteses, próteses e materiais implantáveis de
uso médico ou odontológico, para fins de produção, importação,
comercialização ou distribuição fica condicionado à aprovação do produto em
procedimentos de análise de qualidade, à emissão de certificado de
cumprimento de boas práticas de fabricação e à existência de mecanismo de
rastreabilidade, definidos na forma do regulamento.
§ 1º Não serão registrados produtos que tenham, em sua
composição, materiais que não sejam reconhecidamente biocompatíveis,
biofuncionais, bioinertes, atóxicos e, quando for o caso, mecanicamente
adequados para substituírem tecidos e partes do organismo humano.
§ 2º Aplicam-se ao registro de órteses, próteses e materiais
implantáveis de uso médico ou odontológico, as disposições contidas nos
artigos 12 a 15 da Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976.
Art. 5º As informações a que se refere o inciso III do art. 2º
deverão constar de documento que acompanhará a importação, a distribuição,
a comercialização e a utilização final dos produtos, emitido conforme o
regulamento.
Art. 6º Fica instituído o Cadastro Nacional de Implantes
Cirúrgicos, que agregará informações sobre unidades de saúde autorizadas,
produtos, casos e notificações de defeitos, além de outras informações
pertinentes, na forma do regulamento.
Art. 7º Os casos de defeito detectado por profissionais ou
serviços de saúde em órtese, prótese ou material implantável de uso médico
ou odontológico são de notificação compulsória às autoridades sanitárias.
§ 1º Recebida a notificação, a autoridade sanitária é obrigada a
proceder à investigação pertinente para verificar a conformidade do produto
às suas especificações técnicas e identificar as causas do defeito.
§ 2º O portador do produto com defeito tem o direito de conhecer
os resultados conclusivos da investigação técnica procedida pela autoridade
sanitária.
Art. 8º Em casos determinados, a autoridade sanitária poderá
estabelecer procedimentos específicos de retirada e análise do produto 4
implantado, a fim de obter informações que possam subsidiar a investigação
das causas do defeito.
Art. 9º A responsabilidade do fabricante e do produtor, nacional
ou estrangeiro, do importador e do comerciante de órteses, próteses ou
materiais implantáveis de uso médico ou odontológico, pela reparação dos
danos causados à saúde, por produto defeituoso, não depende da existência de
culpa, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de
Defesa do Consumidor.
Art. 10. A inobservância das disposições desta Lei constitui
infração sanitária punível nos termos da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de
1977, sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis.
Art. 11. Esta Lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta
dias de sua publicação oficial.
JUSTIFICAÇÃO
Os implantes de próteses e outros materiais de uso médico ou
odontológico, assim como a utilização de órteses, têm contribuído, de forma
crescente, com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, especialmente
com o desenvolvimento de novos materiais e o avanço da tecnologia. O
mercado internacional de implantes cirúrgicos mobiliza bilhões de dólares na
comercialização desses produtos. No Brasil, uma grande parte desse mercado
é movimentada pelo Sistema Único de Saúde. O País, no entanto, ainda não
possui legislação que regule de forma específica os direitos dos portadores e
que estabeleça mecanismos próprios de controle de qualidade e
monitoramento da utilização desses produtos.
Na medida em que o uso de órteses, prótese e outros materiais
implantáveis torna-se mais comum no país, faz-se necessário o Estado exercer
um controle mais severo e contínuo sobre esses produtos. Não é raro a
autoridade sanitária – Anvisa – identificar produtos com problemas técnicos
que podem ocasionar graves prejuízos à saúde dos portadores que deles se
utilizam. Em 30 de dezembro de 2011, as próteses mamárias importadas das
marcas PIP (Poli Implant Prothese) e Rofil tiveram seu registro cancelado
pela Anvisa. O caso recebeu grande atenção dos meios de comunicação. Em 5
26 de janeiro de 2012, a Anvisa suspendeu 156 lotes de implantes ortopédicos
(próteses de fêmur, tíbia, cabeça do fêmur e outros materiais) fabricados por
uma empresa nacional.
O cancelamento do registro ou a suspensão de produtos de uso
médico ou odontológico, pela autoridade sanitária, em razão de riscos que
apresentem à saúde, deixa os portadores de órteses, próteses e materiais
implantáveis apreensivos quanto ao risco a que possam estar submetidos e
inseguros quanto às possibilidades de tratamento a que terão acesso. Daí a
importância de se prever, em lei, expressamente, os direitos dos portadores
desses produtos, entre os quais o de segurança quanto à adoção das melhores
práticas de fabricação e quanto ao uso de materiais adequados na composição
dos produtos, assim como o de acesso a informações sobre os produtos,
incluindo suas características essenciais e riscos que possam apresentar à
saúde.
O projeto assegura, ainda, o direito de substituição de produtos
implantados defeituosos ou que não estejam em conformidade com as
especificações técnicas constantes de seu registro oficial. É o caso da fraude
ocorrida com as próteses mamárias importadas das marcas PIP (Poli Implant
Prothese) e Rofil. Nessas situações, não importa se o implante originário teve
finalidade estética ou reparadora, a cirurgia de substituição, assim como a
nova prótese, deve ser oferecida pelo SUS ou pelo plano privado de
assistência à saúde, conforme o caso. Caso ainda não haja certeza do risco que
o produto possa causar à saúde, os portadores passam a ter direito a um
acompanhamento médico específico, tudo de acordo com protocolos clínicos
e diretrizes terapêuticas elaboradas com a participação das entidades médicas
e odontológicas da área de especialização.
O aprimoramento dos mecanismos de controle de qualidade das
órteses, próteses e materiais implantáveis passa pelo condicionamento do
registro desses produtos à realização de testes de qualidade e à emissão de
certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação. O projeto veda o
registro de produtos compostos por materiais que não sejam,
reconhecidamente, biocompatíveis, biofuncionais, bioinertes, atóxicos e,
quando for o caso, mecanicamente adequados para substituírem tecidos e
partes do organismo humano.
O controle de qualidade também é exercido pelo consumidor, ao
exercer seu poder de compra, na medida em que tenha acesso a informações
claras e completas sobre o produto, inclusive especificações técnicas e riscos 6
que possam apresentar à saúde. Por esse motivo, o projeto prevê que um
documento que contenha tais informações acompanhe a vida útil do produto,
desde sua fabricação até seu consumo final.
As inovações propostas para aprimorar os mecanismos de
monitoramento incluem a criação do Cadastro Nacional de Implantes
Cirúrgicos e a obrigação de os estabelecimentos de saúde manterem registro
dos implantes cirúrgicos realizados, incluindo nome do paciente e seu
prontuário, número de registro e código identificador do produto implantado,
data da cirurgia, nome e assinatura do cirurgião responsável. Esses
instrumentos buscam viabilizar o rastreamento dos produtos utilizados, o que
permite tornar mais ágil a resposta do poder público, sempre que forem
identificados casos de produtos defeituosos, e facilita a vida dos usuários que
precisam resgatar informações de seu interesse.
As falhas em produtos implantados podem ser desencadeadas por
vários fatores, como erros de projeto, de fabricação do produto, de seleção de
material ou no procedimento cirúrgico; falhas na reparação do osso; uso
impróprio; ou, ainda, pela combinação desses fatores. Durante a cirurgia de
substituição do componente defeituoso, podem ser obtidas muitas
informações úteis à elucidação das causas do defeito do implante. Para isso, é
preciso que alguns procedimentos investigativos sejam observados. De acordo
com Cesar R. de Farias Azevedoe Eduardo Hippert Jr.,
“... existe nos países desenvolvidos uma legislação sanitária adequada,
mecanismos reguladores e normas técnicas específicas, como por exemplo
da ASTM (American Society for Testing and Materials) e da ISO
(International Organization for Standartization), para guiar os
procedimentos de retirada, notificação e análise dos implantes que falharam.
Estudos realizados na década de 60, nos Estados Unidos, apontavam um
índice de falha em implantes metálicos de aproximadamente 5% (Martz,
1967, apud Dumblenton & Miller, 1975), e outra estimativa americana da
década de 70, apontava um índice inferior a 1% para os implantes mais
comuns (Black, 1976). Dados atuais apontam, por exemplo, índice de falha
em implantes de quadril em torno de 0,01%. Nesse caso, um aumento do
índice de falhas para 0,03% motivou o recall das peças pelas agências
reguladoras dos Estados Unidos e Europa (FDA, 2001; MDA, 2001).” (Cad.
Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1347-1358, set-out, 2002)
A melhoria nos indicadores de falhas nos implantes metálicos
verificada nos Estados Unidos está diretamente associada à observação de
procedimentos de retirada, notificação e análise. As normas internacionais da
ASTM (American Society for Testing and Materials), por exemplo, 7
“recomendam que, durante a reoperação, a equipe médica deva fotografar o
local antes e depois da retirada do implante; obter amostras para exames
microbiológicos e histológicos; retirar cuidadosamente o implante,
preservando as superfícies danificadas e de fratura; identificar todos os
componentes e promover a esterilização das peças”, entre outras medidas e
procedimentos. Entre estes está a análise do material por uma equipe
multidisciplinar e a alimentação de um banco de dados gerido pelo Instituto
Nacional de Saúde dos Estados Unidos (National Institute of Health), em
apoio a um programa de melhoria aos implantes médicos. (C. R. Azevedo e E.
Hippert Jr, idem)
É nesse sentido que o projeto prevê a notificação compulsória de
casos de defeitos detectados, além da possibilidade de se estabelecerem
procedimentos específicos de retirada e análise do produto implantado, se
úteis para a obtenção de informações que ajudem a esclarecer as causas do
defeito. O objetivo dessas propostas não é apenas o de propiciar uma resposta
ao caso individual, para apuração de responsabilidades e apuração das
sanções cabíveis, mas, fundamentalmente, o de viabilizar estudos estatísticos
que apontem para as principais causas, os índices de falhas, os custos , entre
outras informações que possam subsidiar a definição de medidas preventivas
e de ações setoriais.
Finalmente, cumpre observar que a proteção mais efetiva à saúde
dos portadores de órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico e
odontológico evitará despesas públicas com a substituição precoce de
implantes e materiais inadequados ao uso humano. Afinal, evitar um custo
extra para o SUS é, em última análise, evitar um custo extra para toda a
sociedade que o financia.
Ante o exposto, considerando importância do tema e sua
relevância crescente no âmbito da saúde, solicito o apoio dos nobres
Parlamentares para a aprovação do presente Projeto de Lei.
Sala das Sessões,
Senador ANTONIO CARLOS VALADARES