Desentendimentos sobre os rumos estratégicos da farmacêutica Aché podem levar um dos maiores laboratórios do país a mudar de mãos. Os acionistas controladores - as famílias Dellape Baptista, Siaulys e Depieri - não falam a mesma língua há muito tempo. Os sócios analisam várias propostas para a venda da farmacêutica.
As diferenças entre as três famílias tornaram-se irreversíveis a ponto de o governo tentar articular uma operação para que a farmacêutica não seja vendida para multinacionais. Grandes grupos globais, entre eles, Novartis, Teva, GSK e Pfizer, analisam os ativos da companhia. Mas a proposta que mais agrada ao governo envolve o BTG Pactual e BNDES, que costuram uma possível união entre o Aché e a Hypermarcas com o argumento de fortalecer o setor.
O BTG está envolvido em dois possíveis desfechos, segundo fontes. Para que qualquer um deles se concretize, porém, é preciso que nenhum estrangeiro apresente apetite suficiente para o preço dos vendedores. No primeiro, a Hypermarcas emitiria ações, que seriam compradas pelo BTG. O BNDES financiaria o resto da operação, promovendo a fusão entre as duas farmacêuticas e os controladores sairiam do negócio. No outro formato, o BTG compraria as partes dos Dellape Baptista e Siualys, tornando-se sócio da família Depieri. O grupo de assessoria financeira Lazard, contratado pelos controladores, está recebendo as propostas. O BNDES não comenta o assunto. O Aché disse que não está à venda.
As negociações, contudo, esbarram no preço do ativo. Os controladores avaliam o Aché entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bilhões, o equivalente a um múltiplo de 25 a 32 vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) de 2012. No ano passado, o indicador alcançou R$ 560 milhões, segundo fontes. Em 2011, ficou em R$ 454 milhões.
Os interessados na companhia têm achado o preço salgado. E há uma equação difícil de equilibrar para garantir que o Aché fique em mãos nacionais. A família Depieri tem o direito de preferência sobre as demais participações e poderia exercê-lo junto com BTG e Hypermarcas. Contudo, para que isso ocorra, significa que o preço terá de ser atrativo para o comprador. Na prática, isso tiraria o interesse das duas demais famílias em vender. Pessoas que acompanham de perto a operação acreditam que a solução mais factível é o laboratório ser comprado (100% do capital) por um grupo estrangeiro.
Para que os Depieri e o BTG consigam comprar a parte dos dois sócios seria necessário levantar no mínimo R$ 10 bilhões. As duas famílias propensas a vender não estão abertas a falar em troca de ativos ou de participações: querem dinheiro vivo.
Uma associação com a Hypermarcas - cujo valor de mercado é de R$ 11,2 bilhões - ou outro grande laboratório nacional - a EMS também estaria avaliando o ativo - é um sonho antigo do governo. O Aché é um dos quatro sócios da Bionovis, junto com EMS, Hypermarcas e União Química, cada um com 25%. O acordo de acionistas dessa companhia, criada em 2012 com a benção do governo, prevê que se uma das sócias transferir seu controle para uma multinacional os acionistas remanescentes têm de comprar a participação do grupo que está saindo.
Criada em 1965, dos três sócios fundadores somente Adalmiro Dellape Baptista está vivo. "Os sócios-fundadores sempre se deram bem, mas a relação começou a degringolar no fim dos anos 90, com a aprovação da Lei do Genéricos. O Aché comprou uma briga com o [então] ministro da Saúde, José Serra", afirmou uma fonte. "O amor entre eles acabou. Agora é o dinheiro que fala mais alto", disse a mesma fonte.
No fim dos anos 90, Adalmiro foi grande opositor da proposta de Serra ao programa de genéricos e ao congelamento de preços aos remédios impostos na época. Mas as rusgas não ficam por aí. Os controladores se envolveram em uma disputa judicial, encerrada em 2001, cujo ponto central da discórdia foi o balanço da Schering-Plough no Brasil, empresa da qual o Aché detinha 42% do capital. Havia suspeita de irregularidades nas contas da companhia.
Além do controle do Aché, os acionistas mantêm importantes negócios. A família Baptista, por exemplo, controla a Partage, empresa de empreendimentos imobiliários. Os Siaulys possuem redes de hotéis de luxo, como o Unique. Os Depieri são investidores do mercado financeiro. As famílias também estão entre os acionistas da BR Pharma, braço de varejo farmacêutico do BTG.
Adquirir uma participação na companhia, portanto, poderia gerar sinergias para os negócios do BTG no setor. O grupo ficaria com um pé na produção e outro na distribuição de medicamentos. As conversas com os acionistas do Aché vêm sendo conduzidas há alguns meses pela equipe da área de "private equity" do banco. O mercado farmacêutico é um dos setores em que o BTG vê ainda potencial de consolidação.
Desde o fim de 2000, quando decidiram profissionalizar a gestão, as famílias controladoras do Aché - que passaram a atuar apenas no conselho de administração - buscam estratégias para manter o grupo entre os maiores. Em 2010, fizeram uma reorganização societária, criando três Fundos de Investimento em Participações (FIP) - um para cada uma das famílias que compartilham o controle da companhia.
O consenso, há três anos, era abrir o capital da empresa. Em 2011, a companhia já estava preparada para ir à bolsa, mas as condicoes adversas de mercado levaram o grupo a adiar esses planos por tempo indeterminado. Outra estratégia da companhia foi negociar uma grande aquisição e o alvo eleito foi o laboratório nacional Mantecorp, adquirido pela Hypermarcas. Há dois anos, o grupo também tentou costurar uma parceria com a inglesa GlaxoSmithKline (GSK) para formar uma joint venture para trabalhar com medicamentos maduros no mercado nacional, que também não deu certo.
No dia 7, a situação voltou a ficar tensa no grupo com a saída do executivo-chefe, José Ricardo Mendes da Silva. A companhia está sendo comandada por um colegiado até a contratação de um novo executivo.
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