Aprovação da Lei 13.097, que permite investimento de capital estrangeiro na saúde, abre oportunidades de crescimento para o sistema brasileiro; resta saber se o mercado está preparado
Fim de janeiro. Aprovada via medida provisória (MP 656/2014), que entre outros itens discorria sobre imposto de renda, dívidas de time futebol e regulamentação tributária para geradores aeroespaciais, a Lei 13.097 sancionada pela presidente, Dilma Rousseff, alterou as “regras do jogo” para os investimentos no setor de saúde.
A nova lei modificou a Lei Orgânica da Saúde (8.080/1990) e autorizou a participação e até o controle do capital estrangeiro nos serviços de saúde, incluindo hospitais, clínicas e entidades filantrópicas. Na prática, a mudança corrigi uma distorção de mercado, pois desde de 1998, grupos de medicina diagnóstica e operadoras de saúde podiam captar estes investimentos e distribui-los em sua rede própria de hospitais.
“A lei vem corrigir uma assimetria e dar aos hospitais a possibilidade de receber os investimentos externos”, afirmou o assessor de Relações Parlamentares da Anahp, Luiz Felipe Costamilan. De acordo com o ele, a necessidade de investimento pode ser facilmente exemplificada ao analisar um setor que cresceu 4% de 2007 a 2012 e, ao mesmo tempo, apresentou déficit de 12% para os leitos com fins lucrativos.
Para se ter uma ideia, a quantidade de leitos indicada Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 3 a 5 para cada mil habitantes e no Brasil este número é 2,4 para cada mil pessoas. Outros fatores como envelhecimento da população, perfil demográfico e novos beneficiários na saúde suplementar também caracterizam o cenário de desafios e oportunidades para os novos investidores.
De olho nos números do mercado está o americano Curtis Lane, fundador da MTS Health Partner, consultoria e fundo de private equity. “A classe C cresceu de forma consistente e se tornou um mercado significante para a saúde”, disse ele, em visita ao Brasil no último mês de fevereiro, acrescentando que “ a assistência à saúde se tornou um desejo das pessoas”.
Lane analisou o mercado do Brasil e dos Estados Unidos e identificou pontos em comum como a entrada de novas pessoas a cada ano e o envelhecimento da população. “Nos Estados Unidos pessoas com mais 65 anos usam quatro vezes mais a assistência à saúde do que pessoas abaixo desta idade”, acrescentou.
FICOU PRA TRÁS
Com passagem pelo Hospital São Luiz, antes da aquisição pela Rede D’ Or, o sócio–fundador da Logika Consultoria, André Staffa, conta que quando estava no comando do hospital enfrentou barreiras para viabilizar negociações com um fundo imobiliário. “Enfrentei dificuldades em conseguir investidores para fazer uma parceria neste modelo, pois a lei não permite despejar hospitais”, relembrou ele, que na época acabou conseguindo parceria com um fundo imobiliário para a construção da unidade Anália Franco.
Essa era a realidade antes da aprovação da lei: poucas alternativas para quem precisava crescer o negócio. Obviamente se utilizava capital próprio, empréstimos de bancos de varejo ou do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas fora isso se entrava em universo restrito. Tanto é que um dos casos emblemáticos do setor foi o do filantrópico Hospital Sírio-Libanês, em 2012, quando a instituição fez empréstimo com três bancos internacionais para viabilizar a construção de um novo prédio.
Outro exemplo é a Rede D’Or, que via operação de debêntures conversíveis com o BTG Pactual, recebeu recursos e expandiu a rede chegando a 27 hospitais.
Até o fechamento desta edição (final de março de 2015), os rumores do mercado apontavam que a primeira operação após lei seria justamente a venda de parte do capital do grupo para o fundo de private equity americano Carlyle. Procurada, a Rede D’Or não quis se manifestar sobre o assunto.
A assimetria de direitos, ressaltada pelos executivos, é exemplificada pela Amilpar, que enquanto teve seu capital negociado na bolsa de valores, investia em sua rede própria de hospitais e se tornou a maior operadora do Brasil. Foi via bolsa de valores também que ocorreu a operação bilionária de compra da operadora pela americana UnitedHealth, um dos maiores grupos de saúde do mundo.
NOVO PRESENTE
Com a abertura para investimento estrangeiro, os fundos têm mais oportunidades no mercado brasileiro. “No caso da minha consultoria há três fundos de investimento querendo mapear o mercado brasileiro para investimentos em saúde”, diz Staffa acrescentando que não se trata apenas de hospitais.
De acordo com ele, os investidores estão olhando os mercados do Brasil, Índia, Coréia do Sul, entre outros países. “Temos a Rede D›Or consolidando o setor hospitalar. Acredito que existam oportunidades para outros players investindo no setor como uma forma de ganhar escala”.
A atenção dos investidores também está voltada aos negócios singulares e menores. Essa é opinião de Lane. “Tanto hospitais individuais quanto grandes grupos serão beneficiados”, conta. “Será construído um espaço ativo de fusões e aquisições no mercado brasileiro”, prevê.
RISCOS E DESAFIOS
Muito aguardada por alguns setores da sociedade, principalmente pelo segmento privado, a nova lei causou polêmica para alguns grupos ligados ao movimento da Reforma Sanitária, entre eles a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Para eles, “ o domínio pelo capital estrangeiro na saúde brasileira inviabiliza o projeto de um Sistema Único de Saúde e consequentemente o direito à saúde, tornando a saúde um bem comerciável, ao qual somente quem tem dinheiro tem acesso”.
Para Costamilan, da Anahp, não há espaço para a discussão de uma mudança de lei. “Acho pouco provável que prospere uma possibilidade de alteração da lei que permitiu o capital, até porque os argumentos são fracos”, afirma.
A mesma posição é compartilhada por Staffa. “É remota a probabilidade de mudança, até porque há um paradigma com a possibilidade de entrada de capital em operadoras e medicina diagnostica”.
Os desafios estão muito mais relacionados às características do mercado brasileiro do que aos possíveis riscos jurídicos com a nova lei. São hospitais de pequeno porte, sem escala, sem tecnologia da informação, desempenho financeiro duvidoso, sistemas entidades e a configuração do mercado atual. “Existe uma preocupação dos investidores em relação à concentração de operadoras de saúde em algumas cidades no Brasil porque isso dificulta a negociação de tabelas”, destaca Staffa.
FILANTRÓPICOS
A legislação aprovada possibilita o investimento inclusive em instituições filantrópicas, o que é alvo de dúvidas, pois a característica básica dessas entidades é ser sem fim lucrativos. “Hospitais filantrópicos não podem distribuir lucros”, afirma Costamillan, ressaltando que as entidades podem receber recursos, o impeditivo neste caso, é resgatas os lucros obtidos.
Staffa conta o que existe hoje são “diversas entidades filantrópicas estudando a possibilidade de deixar de ser filantrópicos para tornarem-se com fins lucrativos”.
*Curtis Lane, da MTS Health Partners, Luiz Felipe Costamilan, da Anahp, e André Staffa, da Logika Consultoria, participaram do Saúde Business Debate no dia 26 de fevereiro.
Entenda:
O QUE É A LEI?
A Lei 13.097 foi sancionada pela presidente, Dilma Roussef, no dia 19/01/2015, via medida provisória (MP 656), que abordava diferentes assuntos. O capitulo XVII, artigo 142 da nova lei, altera a Lei orgânica da Saúde (8.080/1990) permitindo: “participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde”. Os casos especificados no artigo são de doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos. Ele também faz menção às “pessoas jurídicas destinadas a instalar, operacionalizar ou explorar: hospital geral, inclusive filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada e ações e pesquisas de planejamento familiar.
QUEM É A FAVOR?
De maneira geral, o setor de saúde recebeu a notícia como positiva para o crescimento e a profissionalização do setor de saúde. Além disso, a lei corrige uma assimetria, pois antes dela, as operadoras podiam captar recursos e investir em sua rede própria. Mesmo a favor da lei, alguns representantes ressaltam a necessidade de não deixar o lucro se sobressair à principal atividade fim dos hospitais que é cuidar da saúde e salvar vidas.
QUEM É CONTRA?
Por outro lado, entidades ligadas ao Movimento da Reforma Sanitária, entre ele a Abrasco, acreditam que a lei é prejudicial ao Sistema Único de Saúde (SUS). Após a aprovação, a lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), no mês de fevereiro.
LADO BOM E LADO RUIM
Perfil demográfico, incidência de doenças crônicas e envelhecimento populacional somado à carência de leitos e crescimento do mercado suplementar são fatores que tornam o País atrativo. Por outro lado, carência de gestão, marco regulatório, judicialização podem se tornar empecilhos.
O QUE VEM POR AÍ
Até o fechamento desta edição (final do mês de março), rumores do mercado apontavam para a compra de parte da Rede D’Or, pelo fundo americano Carlyle, o que seria a primeira operação após a aprovação da lei.
*Reportagem retirada da 1° edição do ano da revista Saúde Business, que contempla o estudo Melhores Empresas para Trabalhar em Saúde (GPTW)
Nota do editor: Após o fechamento da edição, a operação entre Rede D’Or e fundo de investimento Carlyle foi aprovada. Leia mais.