De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 13 milhões de brasileiros convivem com uma das mais de 8 mil doenças raras descritas. Para 95% dessas doenças, não existe terapia específica disponível[2], sendo o diagnóstico precoce essencial para contribuir com a qualidade de vida destes pacientes e seus familiares. Um cuidado multidisciplinar e acesso ao arsenal terapêutico adequado, em tempo oportuno, são capazes de minimizar complicações, sintomas ou até mesmo evitar a evolução do quadro. Na lipofuscinose ceroide neuronal tipo 2 (CLN2, sigla em inglês), doença neurodegenerativa hereditária ultrarrara, também conhecida como doença de Batten, a falta de tratamento adequado pode levar à morte nos primeiros dez anos de vida. A CLN2 é capaz de afetar o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, causando crises epiléticas, atraso na linguagem, perda dos movimentos e da visão[3].
Ainda que a evolução da doença seja rápida, pelo menos 19 famílias brasileiras convivem com a condição e têm esperança em conseguir pelo Sistema Único de Saúde (SUS) o tratamento capaz de desacelerar a progressão da doença. De alto custo e difícil acesso, a terapia consta no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) específico para a lipofuscinose ceroide neuronal do tipo 2, aprovado em dezembro de 2022 pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Para que o documento entre em vigor e a terapia chegue ao SUS, é necessário que a Secretaria de Atenção-Especializada à Saúde do Ministério da Saúde (SAES/MS) realize a publicação do PCDT no Diário Oficial da União (DOU), seguido do Relatório da Conitec aprovando a versão final do protocolo.
Apesar de ainda não estar na lista de medicamentos e tratamentos fornecidos pelo SUS, é possível consegui-lo por judicialização. É o caso do paciente F.M., 7 anos, filho de Joline Patricia Trindade e Bruno Marinho. “Até conseguirmos acesso ao tratamento, a doença teve um avanço considerável na vida de nosso filho. Antes de iniciar com a medicação, ele já não andava, falava pouquíssimas palavras e com muita dificuldade. Após a primeira dose, ele já conseguiu passar da posição de deitado para sentado sozinho, melhorou o controle do pescoço, teve uma leve melhora da fala e diminuição do número de crises. Na segunda dose, com auxílio, já conseguiu ficar de pé e dar alguns passos, mesmo que com bastante dificuldade. Também começou a ingerir alguns alimentos e voltou a beber água”, conta o pai.
Agora na quadragésima dose da medicação, F. se encontra estável clinicamente. “Estamos intensificando a reabilitação para que ele continue evoluindo. Nossa maior luta é evitar internações por pneumonias, que normalmente atrapalham o tratamento.”
A jornada da família Marinho até o diagnóstico e a batalha na justiça para conseguir a medicação foi longa. Em 2019, F. teve a primeira convulsão, com 3 anos de idade, e em dezembro de 2020, devido a uma virose, teve uma febre alta e outra convulsão, que foi associada à infecção. Um mês depois, ele teve a terceira crise e, então, uma neuropediatra foi procurada. “A especialista acreditou que fosse epilepsia e prescreveu uma medicação para controlar. Porém, meu filho começou a apresentar quedas frequentes, perda de tônus e déficit na fala. Retornamos à neuropediatra, ela aumentou a dose da medicação, que hoje sabemos que não é indicada para a doença de Batten, e F. piorou muito rápido. Em cerca de 3 dias, ele não conseguia mais andar sem cair”, revela o pai.
Após a piora, Marinho conta que a medicação foi trocada e solicitado um teste genético para saber se as crises de epilepsia eram relacionadas a uma síndrome genética. “O resultado do painel genético saiu em agosto de 2020 com um resultado sugestivo para CLN2, mas inconclusivo, pois a mutação apresentada no gene nunca havia sido catalogada no mundo.”
Com incidência de aproximadamente 1 para cada 100 mil nascidos vivos1, a doença de Batten, é um dos 14 tipos conhecidos de lipofuscinose ceroide neuronal. “Trata-se de um grupo de doenças raras hereditárias causadas por alterações em diferentes genes, fazendo com que sejam incapazes de produzir as proteínas necessárias envolvidas no metabolismo de moléculas cerebrais, resultando em danos progressivos nas células cerebrais (neurônios), o que leva ao desenvolvimento de sintomas de acordo com cada faixa de idade do paciente, sendo o atraso da fala e crises epilépticas, seguidos por incoordenação (ataxia), perda de habilidades motoras e intelectuais já adquiridas, as primeiras manifestações clínicas da CLN2” esclarece a médica geneticista Dra. Bibiana Mello de Oliveira.
O diagnóstico precoce é a chave para a oportunidade de tratamento e assim aumentar as chances de uma vida plena para os pacientes com doença de Batten. De acordo com Dra. Bibiana, é uma corrida contra o tempo: “Os sinais vão evoluindo rapidamente conforme a idade da criança avança. O diagnóstico precoce é crítico para garantir que os pacientes possam se beneficiar do tratamento específico e de um melhor tratamento multidisciplinar dos sintomas. Desde a primeira crise convulsiva até o diagnóstico, um paciente em geral leva mais de um ano até ter uma confirmação diagnóstica, se iniciando um processo de regressão de marcos de desenvolvimento, fazendo com que ele perca a capacidade de falar e caminhar, evoluindo para um quadro de epilepsia resistente ao tratamento, quando já temos o avanço da doença neurológica.”
A esperança de Marinho é que a partir da publicação do PCDT outras famílias possam se beneficiar do tratamento adequado para uma melhor qualidade de vida. “Isso dará à nossa comunidade a garantia e segurança do fornecimento da medicação e, com isso, desejo que outras crianças diagnosticadas com Batten e seus cuidadores não precisem passar por tudo que passamos”, finaliza.