Gestão do lixo hospitalar no Brasil é "bem precária"
Valor Econômico
05/02/2013

Gestão do lixo hospitalar no Brasil é "bem precária"

 
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Ribeiro, do Projeto Hospitais Saudáveis: "Há no Brasil enorme dívida ambiental"

 

O arquiteto Vital Ribeiro colocou o diploma na gaveta para se dedicar a uma causa maior, a saúde dos hospitais. Em 2010, ele fundou o Projeto Hospitais Saudáveis, associação sem fins lucrativos. A proposta é transformar o setor, sob diversos aspectos, em particular no que se refere ao tratamento do lixo hospitalar e ao banimento do uso do mercúrio nos hospitais. Ele falou ao Valor sobre o problema do lixo. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual é o volume de lixo hospitalar produzido no Brasil diariamente? E em São Paulo?

Vital Ribeiro: O Brasil gera cerca de 200 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos por dia e os resíduos de serviços de saúde (lixo hospitalar) são, via de regra, entre 1% e 1,5% dos resíduos gerados por uma cidade ou comunidade. Desse total de 2 mil toneladas dia, 15% são biológicos (ou infectantes) e apenas cerca de 2 a 4% são químicos perigosos. Os radioativos são uma quantidade mínima, gerados apenas por hospitais especializados. Esse lixo exige cuidados especiais na coleta e na destinação.

Valor: O que pode ser considerado lixo hospitalar? Aquele que é produzido nos hospitais? Tem algum tipo de classificação?

Ribeiro: Os lixos são os perigosos e os não perigosos. Os não perigosos são comparados aos resíduos domiciliares, mas, mesmo assim, são capazes de transmitir as doenças comuns, como todo lixo. Os lixos perigosos são perfurocortantes, que têm um risco de transmissão de doenças infecto-contagiosas e que também podem causar doença em razão de algum ferimento. Tem ainda o grupo dos químicos, o mais diversificado e difícil de identificar e gerenciar de todos, principalmente pela diversidade tecnológica dos estabelecimentos de saúde. Os radioativos têm seu tratamento feito sempre dentro do hospital, através do decaimento (armazenagem pelo tempo necessário à redução da radioatividade, cerca de 6 meses a 1 ano).

Valor: Qual o destino desse lixo? Há algum tipo de tratamento especial?

Ribeiro: Cada grupo tem um destino diferente e mesmo dentro do mesmo grupo, também. Os químicos podem ser descontaminados, reciclados, neutralizados e, nos poucos casos em que não reste nenhuma alternativa melhor, são incinerados. Os biológicos podem ser descontaminados em equipamentos especiais como autoclaves ou usando outras formas de calor, como micro-ondas especiais, trituradores e até usando substâncias químicas ou radiação. As tecnologias mais comuns no Brasil são a autoclave e o microondas. A incineração deve ser evitada por ser a mais poluente e, de longe, a mais cara. Também é preciso lembrar que nem todos os resíduos hospitalares biológicos são obrigados a passar por tratamento antes de dispostos em aterros sanitários. A legislação brasileira, assim como a de diversos países e como reconhecido pela organização mundial da saúde e o PNUMA, prevê a disposição direta em aterros de parte desses resíduos que é menos perigosa, apesar de serem os mais frequentes.

Valor: E como é feito o transporte?

Ribeiro: O transporte do lixo hospitalar perigoso exige veículos especiais e uma série de cuidados de acondicionamento, como sempre que se trata de resíduos perigosos, como os industriais. O tratamento desses resíduos pode ser feito na própria unidade geradora ou em instalações centralizadas que prestam esse tipo de serviço (ambas sujeitas a licenciamento ambiental).

Valor: Qual é o país referência para o tratamento de lixo hospitalar? O que é feito lá?

Ribeiro: A maioria dos países desenvolvidos tem um bom nível de coleta e destinação dos resíduos. O mais importante é ter boa infraestrutura urbana e sanitária (algo que no Brasil é precário) como bons sistemas de coleta e aterros sanitários adequados em todo o país, como uma cultura e gestão de sustentabilidade maduras. Países onde a sustentabilidade é levada a sério trabalham na redução da quantidade e da periculosidade dos resíduos gerados, reduzindo o consumo, o que é mais efetivo na preservação ambiental. Além disso, fazem grandes esforços em reciclagem, recuperação e reutilização, tudo isso, observando também a economia de energia e água.

Valor: Mas o senhor tem exemplos?

Ribeiro: Bons exemplos de políticas nacionais para resíduo hospitalar são do Reino Unido, que estabeleceu sistemas para avaliação de geração de gases de efeito estufa em todo o serviço nacional de saúde, com metas e punições para os que não as atingem. Também é interessante o acordo firmado entre a agência federal de meio ambiente dos Estados Unidos, a USEPA, e a associação americana de hospitais, que estabeleceu a meta de redução dos resíduos pela metade em cinco anos, uma política bastante ambiciosa e que foi implementada com grande rigor.

Valor: O Brasil caminha bem nesse sentido?

Ribeiro: Na verdade temos coisas boas, como a participação crescente dos estabelecimentos de saúde na discussão e enfrentamento do problema dos impactos ambientais em geral e da saúde ambiental. Mas a gestão do lixo hospitalar, especialmente os serviços de coleta, tratamento e disposição em aterros, quase sempre realizada pelos serviços municipais, é bem precária, seja nos grandes centros, que teriam a obrigação de ser exemplos, mas acabam apresentando problemas maiores pela sua dimensão, seja em pequenas cidades, nas quais muitas vezes predomina a falta de infraestrutura sanitária, incluindo a falta de aterros sanitários, assim como coleta e tratamento de esgotos sanitários.

Valor: Qual a solução?

Ribeiro: Existe no Brasil uma enorme "dívida ambiental", em grande parte resultante da falta de investimentos adequados e de gestão responsável dos nossos governos. A Lei 12.305, da Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê para agosto de 2014 o fim dos lixões no Brasil. O tempo está passando e está cada vez mais difícil acreditar que isso irá realmente se realizar.

Valor: Qual o Estado mais avançado? E quais as iniciativas mais interessantes nesse sentido.

Ribeiro: Podemos dizer que o Estado mais avançado é São Paulo, talvez por ser a maior economia nacional, mas também é a maior população e tem os problemas em maior escala. Existem bons exemplos em diversas regiões do Brasil, mas não há como falar em uma superioridade de determinada região ou estado. As regiões Norte e Nordeste têm apresentado a maior defasagem nas questões de saúde e saneamento. Existem municípios com bons sistemas de gestão dos resíduo, assim como hospitais com iniciativas interessante e que se destacam nos seus estados. Nem sempre esses esforços são devidamente reconhecidos. Seria importante que tivéssemos mais capacidade de avaliar e depois divulgar as iniciativas, ações e tecnologias desenvolvidas por hospitais, empresas e serviços públicos das mais variadas regiões e diferentes contextos para que sejam mais divulgados, discutidos e copiados. É para isso que criamos o Projeto Hospitais Saudáveis que, entre outras iniciativas, trabalha na pesquisa nacional e internacional de práticas e soluções e na construção de um acervo de alternativas, bem como na mobilização do setor da saúde. (CM)

 

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