É praticamente um hábito para a maioria das pessoas: ao menor sinal de algum problema de saúde, elas já entram na internet e dão uma pesquisada rápida no Google e/ou nas redes sociais. Seja como simples curiosidade ou interesse real em busca de uma solução, chegar informações médicas na web não chega a ser novidade entre os brasileiros. A questão é que o avanço da Inteligência Artificial elevou essas possibilidades – para o bem e para o mal. Cabe aos profissionais de saúde orientar e conduzir a utilização dessas ferramentas daqui para frente.
Afinal, com o advento e popularização do ChatGPT e outras plataformas semelhantes, a pessoa pode simplesmente digitar o que está sentindo e receber em troca não apenas informações médicas existentes, como prognósticos e até sugestões de tratamentos para o suposto problema. Uma situação que pode fazer muitas pessoas evitarem consultas médicas, ainda mais se anteriormente já possuírem experiências ruins.
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Hoje, por exemplo, praticamente um quarto dos brasileiros (26%) recorre primeiro ao Google para pesquisar e se informar sobre sintomas e diagnósticos de saúde – o levantamento é da própria plataforma de buscas e foi revelado pelo Estadão. O Brasil é o país que realizou mais pesquisas sobre saúde no último ano e o tema despertou mais interesse do que outras categorias, como cosméticos, diversão, entre outras.
É um panorama que não mudou nem mesmo com a pandemia de covid-19. Mesmo um cenário com grave questão de saúde em todo o mundo, a população brasileira confiou mais no que pesquisava na internet do que nas recomendações médicas. Estudo da Kaspersky, especializada em cibersegurança, 83% das pessoas no país admitiram que adotaram hábitos de saúde por meio de informações que leram em redes sociais.
Como se vê, o “Doutor Internet” já é uma realidade consolidada para a sociedade brasileira.
A questão é que a mesma tecnologia que impulsiona as buscas por conteúdo na internet é a que pode reforçar a importância dos médicos e profissionais de saúde nos diagnósticos e exames. A Inteligência Artificial consegue identificar padrões e trabalhar com um grande volume de dados, justamente uma tarefa cada vez mais comum na medicina. Ou seja, quando bem utilizado representa um recurso adicional para potencializar as consultas e o tratamento dos pacientes.
O debate em torno da Inteligência Artificial em saúde ganhou novos contornos em 2023 graças ao ChatGPT. A ferramenta tornou-se bastante popular porque é capaz de entregar informações e conteúdos com um texto natural e simples a partir do cruzamento de um gigantesco volume de informações disponíveis na web. É bem mais prático do que o motor de busca como conhecemos porque funciona em um formato de perguntas e respostas, quase como uma consulta!
É justamente aí que reside o maior perigo na combinação deste recurso na área médica. Do ponto de vista do usuário, é interessante ter uma plataforma deste tipo que entrega todas as informações que ele deseja. Sim, pode ser bastante útil para fazer compras, pesquisar destinos turísticos, entre outros serviços. Mas quando o assunto são problemas relacionados à saúde, exames e medicamentos, a informação “fácil” pode custar muito caro.
Em suma: na área médica, a Inteligência Artificial deve ser sempre o meio para os profissionais combinarem a informação – e nunca o fim em si mesma, entregando conteúdos por meio de padrões de algoritmos e sem o diagnóstico especializado. A IA, portanto, deve ser encarada como uma ferramenta necessária para médicos e não apenas para pacientes.
Sem a devida orientação ou cuidado, o “Doutor Internet” pode ganhar nova força com ferramentas de Inteligência Artificial. Contudo, isso não significa que a tecnologia será um vilão para a área médica. Os profissionais de saúde podem utilizar o mesmo conceito em seus expedientes. A diferença é que em vez de lidar com as informações disponíveis na web (sujeito a dados falsos e/ou errados), estará restrito ao próprio banco de dados dos médicos.
Nesse cenário, o médico poderá ter em mãos em pouco tempo todas as informações necessárias referentes ao diagnóstico de seu paciente, incluindo dados básicos de saúde da pessoa (como histórico, receitas e exames), acesso a conteúdos clínicos de artigos científicos, entre outras fontes. Com estes recursos em mãos, ele poderá tomar decisões mais embasadas no tratamento das pessoas, podendo se dedicar com mais afinco no atendimento e perdendo menos tempo na busca pelos dados.
É claro que se trata de um cenário perfeito, com as ferramentas de Inteligência Artificial totalmente integradas ao consultório e à rotina do médico. Hoje, nem todos os profissionais dispõem desses recursos ou até mesmo estão familiarizados com soluções digitais. Para chegar a essa possibilidade da IA, é fundamental estruturar toda documentação clínica dos pacientes nos ambientes virtuais. Eliminar o uso do papel nos processos e digitalizar as informações é apenas o primeiro passo para isso.
O prontuário eletrônico, item fundamental em qualquer rotina médica atualmente, exerce uma posição estratégica nesta verdadeira transformação digital dos consultórios. Este equipamento consegue centralizar todas as informações que o médico necessita para fazer seus diagnósticos e realizar os tratamentos. Com algoritmos de Inteligência Artificial, fica mais fácil de organizar esses dados e, claro, automatizar processos e situações, dando condições para que os profissionais possam, enfim, assumir o protagonismo em relação ao “Doutor Internet”.
O avanço de soluções digitais na medicina, como as consultas em vídeo e os algoritmos de inteligência artificial, faz com que muitos pensem em tratamentos sem qualquer intervenção humana. Entretanto, isso jamais vai acontecer. Caso contrário, cada um pode ficar em casa consultando o “Doutor Internet”.
O que faz o trabalho médico ser diferente e essencial é justamente o contato humano, isto é, a capacidade de ouvir, compreender os problemas e identificar os melhores tratamentos para não só curar o problema de saúde, mas também promover maior qualidade de vida. A Inteligência Artificial pode ser mais rápida para juntar dados avulsos sobre uma doença e entregar em uma linguagem natural. Mas saber o que fazer com essas informações e como adequá-las à realidade de cada paciente somente a inteligência humana é capaz de fazer.