Compra de parte da Rede D'Or é uma das negociações já em andamento
Entrada de capital de fora do país no setor hospitalar, até então proibida, foi liberada por medida provisória
CLÁUDIA COLLUCCI
Hospitais privados têm sido procurados por investidores estrangeiros interessados em fechar negócios em um setor que agrega 3.979 instituições e movimenta em torno de R$ 100 bilhões ao ano.
A Folha apurou que uma das negociações já em andamento é a compra de parte da Rede D'Or pelo fundo americano Carlyle. Procurada, a Rede D'Or não quis comentar o assunto.
Controlada pelo BTG Pactual, ela é a maior operadora independente do país --tem 27 hospitais próprios.
Na segunda-feira (19), a presidente Dilma Rousseff sancionou artigo de medida provisória que libera a entrada de capital estrangeiro em hospitais (inclusive os filantrópicos), clínicas e outros.
Até então, o ingresso de investimentos estrangeiros no setor era vetado pelo artigo 199 da Constituição Federal.
Em 1998, a lei que regulamentou o setor de planos de saúde abriu uma brecha para os planos de saúde.
A Amil foi comprada pela empresa UnitedHealth, e a Intermédica, vendida para o grupo de investimentos americanos Bain Capital.
Segundo Francisco Balestrin, presidente da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), emissários de corporações internacionais ou nacionais com conexões fora do país estão visitando executivos do setor.
"Eles querem entender a situação e as alternativas. A perspectiva é muito positiva. Temos hoje 51 milhões brasileiros que podem desfrutar da medicina privada", diz.
"Os hospitais privados estão dando pulos de alegria. É injeção de dinheiro novo", diz Ana Maria Malik, coordenadora do núcleo de saúde da Fundação Getulio Vargas.
Para Balestrin, a entrada de capital estrangeiro poderá trazer também mais qualidade ao setor. "Os investidores são muito organizados do ponto de vista estrutural, trazem padrões de governança corporativa, de processos e de compliance [mecanismos para prevenção de ilícitos]."
SISTEMA ÚNICO
Na opinião de Claudio Lottemberg, presidente do Hospital Albert Einstein, a abertura é bem-vinda desde que não tenha objetivo especulativo, para beneficiar grupos econômicos. "Temos um Sistema Único de Saúde no país. O sistema privado é para complementar o público."
A medida foi bastante criticada por entidades de saúde pública, que alegam que ela fere a Constituição e que representa mais um passo rumo à privatização da saúde no país e desmonte do SUS.
As entidades devem entrar com uma ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal).
Na avaliação de Malik, o interesse dos investidores de fora do país será mais em participações em negócios já existentes do que na abertura de novos hospitais.
Para Walter Cintra Ferreira Júnior, especialista em administração hospitalar, os estrangeiros virão atrás do mesmo filão de que os investidores do país disputam --áreas como neurocirurgia, ortopedia, cardiologia e oncologia.
"São áreas lucrativas, em que hospitais ganham vendendo remédio, prótese e outros materiais", diz. Ele não vê perspectiva de investimentos onde há carência assistencial, como maternidades, tidas como pouco rentáveis.