Estive na Feira Hospitalar, encontro que reúne grandes empresas e todo o ecossistema de saúde para troca, aprendizado e networking. Especialistas de vários segmentos discutiram as principais soluções digitais e inovações para o setor, apontando a importância e relevância da gestão de dados para o bom funcionamento da máquina de saúde e experiência e jornada do paciente - ele sempre em primeiro lugar na escala.
O debate sobre o uso de novas tecnologias e cenários de vanguarda foi amplamente apresentado durante três dias, encontro que serviu também para apontar dois fatos vinculados: boa parte das empresas de saúde utiliza uma ou mais das tecnologias de vanguarda, com menor ou maior grau no nível de aprendizado e uso.
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Contudo, a maioria das empresas reconhece que essas tecnologias trazem também desafios que crescem de maneira progressiva com o avanço digital no setor. Como ocorre em outros setores, o da saúde atravessa um processo de transformação digital que agrega empresas que estão no início da fase de digitalização e organizações que conseguem direcionar tendências de inovação para todo o mercado.
No meio desses dois pólos, empresas incorporam, de modo gradual, cinco tecnologias essenciais para o futuro da saúde: a inteligência artificial; softwares e analytics de dados; interoperabilidade; computação em nuvem, robótica e equipamentos inteligentes. Dentro desse movimento inquieto, as cinco principais tecnologias que descreverei a seguir ditarão e já estão ditando as regras no futuro e no agora.
Se o conceito de IA é tão amplo e diversificado quanto seu uso, imagine a aplicação desta tecnologia no setor de saúde? Se hoje os recursos de machine e deep learning são imperativos para a sustentabilidade do setor, não são todas as empresas que ainda utilizam IA para melhorar prognósticos, identificar doenças e reduzir gastos operacionais, por exemplo.
Como dito, o uso de IA é plural, mas a tendência é olhar para essa tecnologia como um ativo de predição. Esse tema vem sendo discutido há anos não só no setor de saúde, e embora haja organizações que conseguem utilizar a tecnologia para antever soluções e problemas, a maioria das empresas ainda engatinha em predição digital, por um motivo: a falta do uso de dados.
De forma objetiva, sem dados, não existe IA, computação em nuvem, automatização de processos e diagnósticos precisos, entre outras tecnologias e soluções inovadoras. Assim, para que as empresas e os profissionais de saúde sejam inseridos neste amplo e diversos movimentos de inovação, o investimento na chamada datificação é primordial. Na prática, a captura de dados ocorre em diversos canais, como redes sociais, prontuários e prescrições digitais, agendamentos online de consultas presenciais e de telemedicina, ou seja, de consulta online. É com a troca de informação na interação interna (dentro dos hospitais, laboratórios, clínicas etc.) e externa, no relacionamento presencial ou virtual com os pacientes, que a datificação ocorre em seu início.
Capturar, armazenar, catalogar, refinar e analisar os dados. Essa é a ordem para dar sustentabilidade no uso de outras tecnologias, como a IA. Após a captura, o investimento em datificação passa pelo uso de data lake. Neste sentido, pelo armazenamento de dados em repositórios locais, chamados de on premise, ou em nuvem (cloud storage). Seguindo, desse modo, pela estruturação de parte ou de todas as informações até o uso de analytics.
As empresas demonstram uma atenção cada vez maior pelas fontes de informações e integração dos dados. Contudo, o Hospitalar 2023 mostrou que o foco deve ser na usabilidade desse conteúdo e na sua descentralização, sem nos esquecermos do investimento voltado ao melhor custo-benefício e na segurança de toda a cadeia de informações, uma vez que saúde de qualidade para as empresas, investidores, representantes e, sobretudo, para o paciente, se traduz na confiabilidade.
O tópico do intercâmbio de dados pode ser lido como um complemento do uso de softwares e analytics de dados, mas a interoperabilidade está atrelada à datificação no setor. Esse tipo de solução, embora tenha uma roupagem avançada em tecnologia, também pode ser praticado por pequenas e médias empresas, desde que tenham dados para se fazer a interoperabilidade dentro do setor. Sem dúvida, um dos principais influenciadores da interoperabilidade no setor de saúde é o mercado financeiro, que está num estágio mais inovador e determinador de tendências. Mas a saúde tem suas particularidades, dentre elas a da criação de clusters que, em TI, significa agrupar em áreas geográficas, por nichos e microssegmentos.
Isso, sem dúvida nenhuma, incentiva a competitividade no setor, além de gerar e integrar silos de dados. Pensemos em uma operadora de saúde, que normalmente tem dados digitalizados de seus beneficiários. Esses estão presentes em documentos e planilhas, chegam por redes sociais, são capturados por meio do site, são coletados por meio de sensores em espaços físicos e protocolados em canais de atendimento e autoatendimento, para citar, apenas, alguns exemplos.
Esse é o banco de dados da operadora, contudo, decidem atribuir uma série de finalidades aos dados, a fim de gerar análises e insights sobre como os pacientes estão sendo atendidos pela rede, a recorrência de consultas, quais as especialidades mais procuradas e exames feitos, ou mesmo mensurar os custos operacionais gerados na rede. Uma tarefa gigante dependendo da operadora e do volume de dados extraídos.
Para atingir essa meta e com o uso de analytics, a operadora de saúde precisa, entretanto, passar por dois estágios: processamento de dados e, primeiramente, o armazenamento de dados em repositórios, que podem ser locais (on premise) ou em nuvem (cloud storage).
O desafio desse processo é custoso, pois demanda um fluxo de obtenção de dados para os principais sistemas de produção. Além disso, é necessário aplicar unificação de cadastros, limpeza, filtros e dicionários para interpretar e analisar os dados. O objetivo é sempre o de gerar eficiência e estratégia de valor. Desse modo, cada elo desse ecossistema precisa ser feito primeiro dentro de casa.
Quanto mais expressivo o volume e a interoperabilidade de dados, maior será o investimento em computação em nuvem. A integração de diferentes APIs (Interface de Programação de Aplicação) traz mais simplicidade na troca de dados entre diferentes empresas do setor, aumentando a prática do uso de softwares para a melhoria dos serviços internos (para sustentabilidade das empresas) e externos (para atender melhor os pacientes).
Ninguém é bom em tudo, mas a integração via APIs possibilita a criação de sistemas especializados: posso criar o meu processo e o diferencial da minha instituição oferecendo a melhor experiência interna e externa. No entanto, deve-se ficar atento a gestão dessas integrações que podem ser bem caóticas se não forem bem organizadas se tornando verdadeiros “espaguetes” onde você muda uma coisa aqui e traz impacto em outra área. Por isso como já dito a necessidade de fazer isso através de soluções de API management e data lakes.
Como se espera de um evento de inovação, empresas apresentaram equipamentos, ferramentas e aparelhos tecnológicos que estão se mostrando como fundamentais para o presente e o futuro da saúde. Um exemplo disso é o Cirq Robotic. A funcionalidade é um braço robótico voltado às cirurgias de coluna, sendo minimamente invasivo para os pacientes. O aparelho é interessante ainda pela leveza, portabilidade no uso e integração com navegadores. Outra tecnologia foi o Mistra, equipamento para videolaparoscopia, que auxilia em cirurgias minimamente invasivas nas especialidades de ginecologia e urologia.
O Kardia 6L, por sua vez, é um ECG de bolso capaz de gravar em 30 segundos o ritmo cardíaco dos pacientes, registrando o traçado eletrocardiográfico em seis variações em alta precisão. Somando com soluções de IA, o software do Kardia 6L detecta automaticamente, variação que possa indicar fibrilação atrial, taquicardia sinusal, bradicardia sinusal e ritmo sinusal.
Por fim, o Artery Check, um oxímetro com triagem para aterosclerose, chama a atenção pelo componente preditivo que apresenta. Por meio da análise de marcadores de rigidez arterial, o equipamento pode identificar, de maneira precoce, possíveis complicações cardiovasculares, hepáticas e renais de pacientes. Somado ao seu software, Artery Check consegue fazer esse procedimento de maneira não invasiva.
Essas ferramentas, em sua maioria, trabalham na operabilidade preditiva, à distância, seguindo as tendências do telediagnóstico e da telecirurgia. Com tecnologia e gestão inteligente de dados evoluímos, caminhamos e chegamos a algum lugar de interesse coletivo - pelo menos assim deveria ser, mas, sem elas, toda a cadeia perde seu valor e o paciente deixa de colher e ter uma melhor experiência em sua jornada de saúde e autocuidado.
Avante!
*Laís Fonseca é CEO e cofundadora da tech health QBem, que usa engenharia e inteligência de dados para gerar melhorias para o sistema de saúde.