Em meio a um cenário de alta volatilidade e incerteza, é essencial que as organizações de saúde parem e reflitam sobre seus avanços, retrocessos e aprendizados, bem como sobre o funcionamento do sistema de saúde em geral. As questões que se impõem são: estamos no caminho certo? Devemos ajustar nossa estratégia dada a realidade atual? É possível pensar em modelos sustentáveis?
Passados quase vinte anos do uso do conceito de medicina de valor por Michael Porter e Elizabeth Teisberg, conceito já incorporado por diversas empresas e organizações pelo mundo, um artigo recente do The New England Journal of Medicine (NEJM)1 propõe uma agenda global de medicina de valor para a próxima década.
Em um contexto de aceleração deste movimento, em parte estimulado pelas demandas urgentes criadas pela pandemia da Covid-19, a conjuntura atual apresenta três crises: de valor, de evidência e de propósito. A primeira, de valor, diz respeito ao desequilíbrio entre desfecho e custo; a crise de evidência aponta para a perda da conexão entre a pesquisa e a prática clínica; enquanto a crise de propósito, segundo os autores, percebe-se um sentimento corrosivo de desvalia dos profissionais de saúde.
Estaríamos, portanto, diante de um ponto crítico de inflexão para implementar uma nova agenda, e nosso principal desafio – mas também oportunidade – é usar os princípios de cuidados de saúde baseados em valor para transformar sistemas de saúde regionais e nacionais inteiros, como um princípio organizador transformacional. Uma agenda que envolva não apenas organizações, mas empresas, colaboradores e todos os stakeholders do setor. Incluindo os médicos, que detém a arte de promover a saúde e o bem-estar dos pacientes.
Como discutido amplamente nos últimos anos, a abordagem de cuidados de saúde baseados em valor procura otimizar a relação entre a qualidade dos cuidados de saúde e os custos envolvidos em seu fornecimento. Essa abordagem pode ajudar a reduzir o desperdício, a ineficiência e a variação desnecessária nos cuidados, e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade assistencial. A medição sistemática dos resultados de saúde é uma parte crítica dessa abordagem, pois permite aos provedores avaliar seu desempenho e identificar oportunidades de melhoria.
A institucionalização das medidas de desfecho é uma parte importante da agenda de valor, pois ajuda a garantir que os pacientes recebam um cuidado adequado, eficiente e centrado em suas necessidades. O alinhamento de sistemas de pagamento também é crucial para que se certifique que os prestadores de serviços sejam recompensados por oferecer o melhor cuidado possível aos pacientes. Por último, mas não menos importante, os investimentos em infraestrutura robusta para expansão da saúde digital são essenciais para assegurar que os pacientes tenham acesso aos melhores cuidados de saúde possíveis, independentemente de sua localização geográfica.
A adoção e implementação dessa tríade de iniciativas demanda, evidentemente, uma coordenação em nível nacional, composta pelos responsáveis coletivos pela agenda de valor – um “system leadership” – cujas decisões devem ser compartilhadas e discutidas com todos os principais atores do setor. Trata-se de uma agenda ampla e ousada, mas se bem realizada resultará em um novo paradigma para o sistema.
Países como Singapura, Holanda e País de Gales – que já se movimentaram nessa direção – são as vitrines que deveríamos observar e aprender com suas experiências. Suas iniciativas demonstram, desde já, a importância de líderes em saúde assumirem a responsabilidade coletiva pela agenda de valor e liderarem o caminho para sua implementação efetiva.
No Brasil, já existem empresas que conduzem suas operações com maior uso de dados, aprofundamento da capacidade analítica utilizando modelos de inteligência artificial e procurando ampliar a interoperabilidade entre sistemas. A integração da rede, que é gerida a partir de uma profunda transformação digital, nos leva a uma medicina mais preventiva e personalizada, ao mesmo tempo que elimina desperdícios, fortalecendo todo o sistema.
Deixo essa reflexão para todos nós, líderes deste setor, responsáveis pela entrega de uma saúde eficiente, segura e centrada naquele que deve, sempre, estar no centro do cuidado: o paciente de todos os “sistemas” de saúde. Esta agenda de valor virá do nosso esforço colaborativo, com transparência, confiança e foco num sistema mais sustentável.