Recentemente, entrou em vigor a RDC n. 777/2023, que, em conjunto com a RDC n. 751/2022, atualiza as regras para regularização de dispositivos médicos no Brasil. As resoluções revogam a RDC n. 185/2001, principal marco regulatório sobre o registro de produtos médicos perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A atualização vem responder aos desafios que as novas tecnologias representavam para a agência, especialmente pelo fato de a norma anterior ter sido elaborada há quase 20 anos e estar desalinhada quanto às atuais demandas do setor. Além disso, existia a necessidade de compatibilizar as regras internacionalmente.
“Muitas mudanças aconteceram no setor de saúde e no desenvolvimento tecnológico nos últimos anos. Isso tem um impacto muito maior quando falamos de produtos para a saúde”, ressalta Teresa de Souza Dias Gutierrez, advogada atuante na área de regulação da saúde.
A nova regra consolida as normas dos procedimentos de notificação e registro, estabelece classificações de risco e ainda altera a nomenclatura de “produto médico” para “dispositivo médico”. Embora esteja relacionada a produtos de saúde de maneira geral, houve a inclusão de novas definições, como, por exemplo, software como dispositivo médico (software as a medical device - SaMD) e nanomaterial, bem como aperfeiçoamento de definições anteriores. Convém ressaltar que a definição de SaMD, na RDC 751/2022, é bem mais detalhada do que aquela apresentada na RDC 657/2022, que dispõe sobre a regularização de SaMD.
Segundo a resolução atual, SaMD é produto ou aplicação destinados a uma ou mais finalidades indicadas na definição de dispositivo médico, que desempenha suas funções sem fazer parte do hardware de um dispositivo médico. Ele pode ser executado em uma plataforma computacional de propósito geral (finalidade não médica); incluindo recursos de hardware e software (sistema operacional, hardware de processamento, armazenamento, banco de dados, dispositivos de visualização, dispositivos de entrada, linguagem de programação, etc.).
Além disso, um software não é considerado SaMD se seu objetivo é controlar o hardware de um dispositivo médico. Ele, ainda, pode interagir ou ser usado em combinação (por exemplo, como módulo) com outros produtos, incluindo outros dispositivos médicos. Importante também ressaltar que os aplicativos móveis (apps) que atendem à definição são considerados SaMD.
As regras e as classificações de risco têm como base a classificação de risco proposta na Comunidade Europeia, apontada na Regulação (EU) MDR 2017/745. Desta forma, outra novidade importante trazida pela RDC 751/2022 é a orientação específica apontada na Regra 11. Antes, os softwares tinham que seguir as regras mais gerais (9 e 10), relacionadas aos chamados produtos ativos que precisavam de alguma fonte de energia para funcionar.
Para Luiz Gustavo Henrique Augusto, advogado que também atua no setor de regulação em saúde, “Esse enquadramento não considerava as particularidades do software no momento de seu registro e acabava por criar uma dificuldade grande, pois havia as exigências de envio de documentação. A classificação específica de risco, embora mais detalhada, de certa forma simplifica a regularização de um produto que está nas classes I ou II”.
Com as mudanças, qualquer SaMD pertence à classe I, exceto nos casos em que, por exemplo, se destina a prestar informações utilizadas para a tomada de decisões com fins terapêuticos ou de diagnóstico, passando a ser classe II. Já quando tais decisões causem a morte ou deterioração irreversível do estado de saúde de uma pessoa, o software é classe IV. Também são exceções os recursos destinados a monitorar os processos fisiológicos. Indo mais além, quando fazem monitoramento de parâmetros fisiológicos vitais, que resultem em perigo imediato para o paciente, entram na classificação de risco III.
“Desde 1º de março de 2023, quando a nova RDC entrou em vigor, os detentores de registro ou notificação de dispositivos médicos deverão passar a observar as disposições dessa nova norma, o que significa dizer que devem ser verificadas possíveis alterações na classificação de risco”, complementa Douglas Campanha, advogado que também atua na área de regulação em saúde.
Essa verificação, mediante o protocolo de reenquadramento sanitário, deve se dar no prazo de 365 dias, contados da data de início de vigência da norma. A depender do novo enquadramento de risco conferido ao software, é possível que o regime de notificação mude para registro ou vice-versa.
“Esse alinhamento às normas internacionais posiciona de forma favorável o Brasil em relação aos outros países. Fica mais fácil, por exemplo, registrar no exterior um produto desenvolvido aqui ou vice-versa. Todo esse processo traz clareza e segurança tanto para quem desenvolve soluções como para os pacientes”, finaliza Campanha.