Em debates sobre a integração entre saúde e tecnologia, uma mesma ponderação quase sempre é feita: o setor tem uma abordagem muito mais tradicional do que outros segmentos do mercado quando o assunto é adoção de novas soluções tecnológicas. Apesar de ser verdade, não podemos ignorar as movimentações importantes que têm acontecido no sentido oposto, que ganharam tração especialmente nos últimos três anos. Nesse contexto, é possível olhar para desafios do passado e do futuro da saúde sem relacioná-los com a tecnologia? Já adianto que a minha resposta para essa pergunta é: não. Não podemos mais pensar em nenhum segmento da sociedade que não será impactado por avanços tecnológicos. Porém, recentemente li algumas notícias sobre variados desafios na área que me levaram a refletir sobre o papel da tecnologia para a solução – ou, pelo menos, redução – de problemas antigos e também de desafios futuros para a saúde no Brasil e no mundo.
Distribuição de médicos é desafio antigo em país com proporções continentais – telemedicina pode aproximar quem está longe
Começo essa reflexão falando sobre como o uso de tecnologias para mitigar especificamente um desafio antigo na área da saúde, na verdade: a má distribuição de médicos no Brasil. De acordo com um levantamento feito pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela USP, mesmo que o número de médicos tenha aumentado nos últimos anos, ainda há uma grande desigualdade na distribuição dos médicos pelos estados brasileiros. Enquanto a taxa nacional de é de 2,6 profissionais por mil habitantes, as regiões Norte e Nordeste possuem, respectivamente, densidades de 1,45 e 1,93. Das 27 unidades federativas, 16 têm densidade de médicos abaixo da taxa nacional.
A solução para esse problema, claro, envolve uma série de fatores. Porém, uma das conquistas recentes para o setor, após muitos anos de discussão, foi a aprovação da prática da telessaúde no país. Solução emergencial adotada durante a pandemia, a telessaúde pode ser uma estratégia importante para qualificar a atenção primária, conscientizar a população sobre cuidados com a saúde, reduzir e organizar filas de atendimento. Esse último aspecto já se relaciona com a próxima parte do texto, a respeito dos problemas futuros. Afinal, nos últimos três anos, diversas demandas de saúde foram represadas. Como esse fluxo será organizado a partir de agora?
Demandas reprimidas por causa da pandemia de Covid-19 vão demandar agilidade na tomada de decisões por parte dos gestores de instituições de saúde
Um estudo da Americas Health Foundation realizado com o apoio da Roche mostrou que o atraso causado pela pandemia de Covid-19 no diagnóstico e tratamento do câncer será responsável por 62,3 mil mortes evitáveis no Brasil. A expectativa é que 284,1 mil brasileiros sejam afetados por uma mudança no estágio da doença.
Como na saúde cada minuto é precioso, o índice é muito preocupante, já que o diagnóstico precoce é um dos aliados no tratamento de doenças como câncer. Porém, além desse fator, outra questão preocupa: os hospitais estão preparados para dar conta das demandas reprimidas da pandemia? Saberão indicar onde estão os principais gargalos de atendimento, propor melhorias e automatizar um grande fluxo de pacientes, contribuindo assim para uma jornada mais adequada?
O avanço da transformação digital na área da saúde é bem-vindo em muitos aspectos – seja com robôs capazes de auxiliar em procedimentos cirúrgicos, em consultas remotas ou no trabalho de gestão do dia a dia. Mais do que importante, já está claro que a transformação digital é inevitável – e só vai se tornar mais complexa (o ChatGPT nos mostrou isso no último mês, e deve continuar rendendo assunto para o ano todo). Com esse amplo leque de opções, gestores precisarão ter olhar estratégico para definir quais são as melhores soluções para lidar com problemas já conhecidos do setor e quais são a chave para os desafios que estão por vir.
*Felipe Clemente é CEO da Pixeon.