O modelo de Unidade de Cirurgia Ambulatorial – UCA, tornou-se opção preferencial para a realização de procedimentos cirúrgicos em diversos países, a exemplo dos EUA, Canadá, Inglaterra, Espanha, Portugal, dentre outros e tende a seguir esta mesma trajetória no Brasil.
A mudança do modelo hospitalocêntrico para o de ambulatorização, oferece vários benefícios, incluindo maior controle do médico sobre a experiência do paciente, redução de custos evitáveis e desnecessários, redução do risco de infecção hospitalar e maior conforto para os pacientes. A pandemia do COVID-19 acelerou essa tendência, pois médicos e pacientes buscaram opções mais seguras e convenientes para suas necessidades em saúde, já que os hospitais ficaram mais dedicados aos pacientes em estado grave de saúde.
Neste artigo vamos explorar o impacto dessa mudança, ainda nos seus estágios embrionários no Brasil, e como este movimento poderá impactar positivamente médicos, pacientes, operadoras de planos de saúde e os sistemas público e privado de saúde do país.
O primeiro benefício das Unidades Cirúrgicas Ambulatoriais é o maior controle que os médicos têm sobre a experiência do paciente. Os pacientes tendem a se sentir mais confortáveis em instalações menores, seguras e planejadas para o atendimento da demanda cirúrgica. A UCA também oferece maior flexibilidade de agendamento cirúrgico, tempo de espera mais curto e melhor comunicação entre médicos e equipe assistencial. Esses fatores contribuem para uma melhor experiência geral do paciente, o que leva a uma maior satisfação e lealdade destes, quando se acostumam com a experiência em uma unidade ambulatorial.
O segundo benefício da UCA é a redução de custos para os pacientes particulares. Essas instalações geralmente são mais acessíveis do que as configurações hospitalares tradicionais, devido aos custos diretos e indiretos mais baixos. Os pacientes também tendem a pagar menos do próprio bolso, porque as cirurgias realizadas em uma UCA são tipicamente menos dispendiosas, quando comparadas àquelas realizadas em hospitais. Este fator de redução de custos é especialmente importante, para pacientes sem planos e seguros saúde, ou que tenham limitações de coberturas, pois os custos mais baixos podem permitir que eles prossigam com o tratamento médico necessário.
O terceiro benefício é que, do ponto de vista financeiro, as vantagens apresentadas acima, também se estendem às operadoras de planos de saúde. As UCAs oferecem economia significativa em relação aos hospitais, reduzindo as despesas com instalações, pessoal e suprimentos. Além disso, com a possibilidade de se especializar em determinados procedimentos, as UCAs podem oferecer atendimento mais eficiente e personalizado, reduzindo os riscos associados às infecções hospitalares. Entender mais a fundo a operação deste tipo de unidade hospitalar, suas amplas capacidades de atendimento cirúrgico e como estabelecer uma relação de ganhos e benefícios conjuntos, é uma missão importante para gestores em saúde, que pretendem beneficiar-se dos impactos positivos, da tendência de migração para unidades ambulatoriais, que está apenas começando no Brasil. Esta proposta apresenta um grande potencial de se tornar uma estratégia vencedora, para todas as partes envolvidas, pois amplia o acesso dos pacientes para a assistência à saúde, reduz as filas cirúrgicas, elimina custos desnecessários e evitáveis e contribui com a sustentabilidade dos sistemas público e privado de saúde. Em especial, para o setor público, haveria um ganho significativo na oferta de serviços com menores investimentos e custos.
Em locais onde o desenvolvimento da cirurgia ambulatorial já está consolidado, diversos estudos comprovam a melhor relação custo-benefício das Unidades Ambulatoriais. A exemplo disto, o UnitedHealth Group realizou uma extensa análise de casos cirúrgicos durante o período de 12 meses, encerrado em fevereiro de 2020, nos Estados Unidos. Essa análise determinou os locais e preços (com base nos valores pré-aprovados) desses procedimentos. Para aqueles pacientes que não necessitavam do procedimento em um hospital geral e tinham acesso a uma UCA, a uma distância razoável de sua casa, foi calculada a diferença de custos entre o hospital geral e uma UCA. Uma taxa combinada para custos diretos do consumidor, com base nos clientes totalmente segurados e autofinanciados da UnitedHealthcare, foi aplicada à diferença de custos entre os locais, para estimar a economia potencial para os pacientes. Os resultados desta análise estão incluídos no relatório do UnitedHealth Group, “Cost Savings Opportunities Through Site of Service Shifting”. Além disso, a análise revelou que certas áreas geográficas e tipos de procedimentos tinham maior potencial de economia quando os procedimentos eram transferidos dos hospitais gerais para as UCAs. Essas áreas e procedimentos foram identificados no relatório para que empresas, formuladores de políticas e prestadores de serviços de saúde pudessem concentrar esforços para maximizar o potencial de economia para os pacientes.
De acordo com os resultados obtidos, a conclusão da análise mostrou que os procedimentos com potencial de realização em regime ambulatorial são uma forma incrivelmente comum de assistência médica cirúrgica, com mais de seis milhões de procedimentos ocorrendo nos hospitais gerais todos os anos. Destes, apenas 10% são para casos complexos, como os que envolvem obesidade mórbida ou doença renal crônica, enquanto 35% são para pacientes que não têm acesso a uma unidade cirúrgica ambulatorial próxima. Os 56% restantes são para indivíduos não complexos, segurados comercialmente (saúde privada) e podem ser realizados em UCAs, que oferecem uma alternativa de custo muito mais baixo, e uma economia média de 59% por procedimento analisado1.
Os autores seguem as considerações dizendo que “É claro que mudar esses procedimentos comuns para UCAs não apenas reduziria os custos, mas também ofereceria o benefício da conveniência para muitos pacientes. Além disso, existem outros benefícios potenciais, como melhor qualidade do atendimento e maior satisfação do paciente, devido à melhor comunicação com os médicos e menor tempo de espera. Para aproveitar ao máximo essas economias de custos e benefícios de conveniência, é importante que os pagadores tenham uma compreensão clara de quando e onde os procedimentos devem ser realizados, a fim de garantir que os pacientes recebam o melhor atendimento possível com a taxa mais econômica.”
Em última análise, a transferência de procedimentos ambulatoriais comuns para pacientes não complexos para centros de cirurgia ambulatorial pode reduzir custos para pagadores e consumidores, garantindo que os pacientes recebam atendimento de qualidade em um ambiente conveniente. É fundamental que tanto os pagadores quanto os provedores tenham as informações necessárias para tomar as melhores decisões sobre onde os procedimentos devem ser realizados. Outro ponto a ser considerado refere-se ao investimento necessário para se montar uma unidade, que é menor para a implantação de uma UCA, sendo que esta unidade é capaz de realizar um número maior de cirurgias que um hospital geral, em média, devido à natureza de sua operação e mix de casos.
O impacto do COVID-19 no interesse e percepção de valor relacionado às Unidades Cirúrgicas Ambulatoriais foi enorme. A pandemia fez com que muitos médicos e pacientes repensassem suas opções tradicionais de atendimento cirúrgico e buscassem alternativas mais seguras e convenientes. Sem alas ou atendimento direcionado à pacientes infectocontagiosos, as UCAs existentes viram sua demanda aumentar consideravelmente, como única alternativa viável à hospitais completamente dedicados ao tratamento da COVID-19 ou com atendimento cirúrgico eletivo interrompido. Neste sentido, a existência e disponibilidade de UCAs facilitou o acesso dos pacientes a cuidados cirúrgicos nesses ambientes. Os médicos também responderam assumindo um papel mais ativo na experiência do paciente, com muitos optando por realizar cirurgias em UCAs em vez de hospitais gerais.
No Brasil a percepção do movimento em direção à cirurgia ambulatorial ainda é reduzida, mesmo sendo uma realidade crescente no país. Em locais onde o tema já é consolidado e bastante desenvolvido, como nos EUA, as empresas de dispositivos, grandes grupos de private equity e grupos hospitalares médicos já se adaptaram a essa mudança em direção à cirurgia ambulatorial. Para apoiar médicos e novas unidades, algumas empresas estão oferecendo programas de capital, consultoria e soluções personalizadas. Esses serviços ajudam médicos e UCAs a navegar no complexo mundo da compra de dispositivos médicos e garantir que eles tenham os equipamentos e suprimentos necessários para fornecer o melhor atendimento possível.
Iniciativas importantes como o surgimento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial, a inauguração de novas unidades pelo país, o lançamento da certificação em serviços de cirurgia ambulatorial e o crescente interesse sobre o tema, dão suporte a uma trajetória de crescimento e expansão da cirurgia ambulatorial no Brasil. Como cita Newton Quadros, coordenador e coautor do livro, Hospital Dia – Um modelo sustentável (2013), "os benefícios são tantos, que a tendência é que grupos internacionais invistam no modelo de UCA no Brasil, já que a visão e ações de grupos nacionais ainda são muito tímidas".
Exemplo disto, é a recente parceria entre Siemens Healthineers e a SOBRACAM, reforçando a importância da cirurgia ambulatorial no Brasil e a avenida de oportunidades existentes neste segmento. Primeiro grande nome da indústria multinacional de equipamentos e serviços para o setor da saúde, com sede na Alemanha, a manifestar seu apoio e visão de futuro sobre a cirurgia ambulatorial, a Siemens Healthineers fortalece sua participação, de forma precursora, na expansão da cirurgia ambulatorial no Brasil, disponibilizando aos clientes locais uma ampla linha de dispositivos médicos e serviços de apoio, para o planejamento, financiamento, estruturação e operação de unidades ambulatoriais no país. No Brasil estamos vendo uma evolução em duas frentes: centros ambulatoriais dentro do próprio hospital ou estabelecimentos totalmente independentes e, que com isso, acabam contribuindo com a capilaridade e acesso à saúde “Ampliar a saúde de qualidade, contribuindo para que mais pessoas tenham acesso a exames preventivos e tratamento adequado, reduzindo e otimizando os custos da cadeia é um dos nossos principais desafios como companhia. Por isso, essa parceria com a SOBRACAM tem um valor grandioso para todos nós.” afirma Antônio Carlos Ribeiro, Diretor da Área de Terapias Avançadas para a América Latina da Siemens Healthineers.
A exemplo deste movimento, diversas outras gigantes do setor da saúde já possuem, em outros países, divisões específicas, com foco exclusivo no mercado de cirurgia ambulatorial e deverão, muito em breve, perceber o potencial existente e apoiar este movimento no Brasil.
Em suma, analisando o cenário da saúde no país, apoiado por uma grande quantidade de interações, como diretor de mercado da SOBRACAM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial) e investidor no segmento de UCAs, acredito que em um futuro não muito distante, empresas de dispositivos médicos, private equity e grupos hospitalares, estarão mais conscientes das oportunidades existentes, participando de forma mais ativa na construção deste ecossistema, fundamental para sustentabilidade dos sistemas de saúde e do crescimento da oferta sustentável de serviços cirúrgicos no país.