Uma pesquisa da Escola de Enfermagem (EE) da USP levantou dados sobre encaminhamento cirúrgico, qualidade de vida e tempo de espera para cirurgias de colecistectomia (retirada da vesícula biliar), varizes e correção de hérnia, procedimentos com as maiores filas de espera no Brasil. O estudo constatou que o impacto negativo da demora, que muitas vezes acontece por falta de diagnóstico específico e entraves no encaminhamento, se apresentou em dificuldades tanto no trabalho quanto em outras atividades diárias.
“Viemos para pensar na realidade do Brasil, que tem uma lista cirúrgica gigantesca. Quando pensamos nesse trabalho, em 2019, havia uma lista de espera que passava de mais de 900 mil procedimentos, segundo dados do Conselho Federal de Medicina”, diz Cassiane de Santana Lemos, que realizou o pós-doutorado na Escola de Enfermagem da USP.
Os meses de espera
A pesquisa buscou estudar quais os fatores das dificuldades ao acesso às cirurgias e como isso se refletiu na população estudada. Para isso, coletou dados de 250 pacientes adultos, de três hospitais universitários das regiões Sul, Sudeste e Norte. A coleta aconteceu entre 2020 e 2022 e a média de idade dos participantes era de 52 anos.
O tempo de espera entre diagnóstico e cirurgia foi de 26 meses no hospital do Sul, 21,1 meses no Sudeste e 20,7 meses no Norte. Já o número de serviços de saúde procurados pelos usuários para que então recebessem encaminhamento para cirurgia eletiva foi maior no Norte, com média de 2,6 serviços, seguido pelo Sudeste, com 2,4. No Sul os pacientes passaram, em média, por 1,9 serviços.
De acordo com Cassiane Lemos, que é docente de Enfermagem na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), os moradores do Sul esperaram mais tempo para fazer o procedimento, mas tiveram diagnóstico e encaminhamento para cirurgia mais rápido. Outro aspecto que chama a atenção é que essas pessoas na amostra são mais idosas. “Assim há um problema, porque um paciente idoso que vai se tornando debilitado às vezes é muito mais difícil para recuperar que um paciente jovem ou de meia-idade”, diz ela ao Jornal da USP. Devido a essa diferença de perfil, a pesquisadora destaca a importância de classificar o risco individual e coletivo das comorbidades da população eleita às cirurgias.
Além disso, a pesquisa apontou fragilidades no sistema de saúde relacionadas ao diagnóstico, em que 77% dos pacientes procuraram atendimento nos primeiros sintomas mas nem todos receberam o diagnóstico ou encaminhamento para cirurgia. Esse fator não apenas aumentou o tempo para uma cirurgia que poderia ser mais precoce, como também fez com que os pacientes procurassem outros serviços de saúde.
Medindo a qualidade de vida
Para medir a qualidade de vida pré e pós-cirúrgica, o estudo utilizou o instrumento WHOQOL-Bref, questionário criado pela Organização Mundial da Saúde que avalia os domínios físico, psicológico, social e meio ambiente para determinar a qualidade de vida dos indivíduos.
Dentro da amostra do estudo, os principais aspectos que apresentaram diferenças foram os físicos e psicológicos. “Quando avaliamos como um todo, antes da cirurgia esse paciente poderia ter alguma limitação para o trabalho e para suas atividades de rotina diária”, explica Cassiane Lemos. “‘Eu parei de ir a festas de aniversário’, ‘eu parei de sair para comer com os meus amigos’, ‘toda vez que eu comia, eu passava mal’. Então, de alguma forma, isso influenciou a condição diária desses pacientes.”
A colecistectomia, varizes e correção de hérnia são “cirurgias que, teoricamente, são menos complexas, mas que têm um impacto na qualidade de vida do paciente importante. São coisas que atrapalham no dia a dia da vida deles, apesar de serem problemas bastante simples de ser resolvidos”, aponta Vanessa de Brito Poveda, professora associada da EE da USP e orientadora do estudo. Por isso, as pesquisadoras apontam que a qualidade de vida foi proporcional ao tempo de espera cirúrgico: quanto mais tempo a pessoa levou para fazer o procedimento, maior o efeito em relação a sua qualidade de vida após a cirurgia.
Cassiane destaca a importância do estudo devido à falta de acesso aos dados sobre o tempo das filas de espera cirúrgicas. “Ao ter a estimativa de quanto tempo os pacientes esperam e também os fatores que influenciam essa espera, os gestores dos serviços de saúde podem pensar em estratégias para conseguir atender a essa demanda represada.”
Entre os fatores que influenciam a espera, a pesquisadora cita a falta de encaminhamento e de classificação das comorbidades dos pacientes, além da escassez de profissionais.
O estudo foi divulgado no IV Encontro Internacional de Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP e aguarda publicação do manuscrito. (Com informações do Jornal da USP / Por Julia Custódio)