Durante uma palestra de um cirurgião buco-maxilo-facial havia uma única pessoa na plateia que não era médica. Mas talvez justamente ela fosse a que tivesse o olhar mais abrangente sobre o processo assistencial.
Depois de assistir uma criança que nasceu com os olhos completamente assimétricos ser transformada pelas mãos de uma equipe cirúrgica, o superintendente executivo do Sistema de Saúde Mãe de Deus (RS), Alceu Alves, fez um pedido ao médico palestrante: você pode fazer essa apresentação para a administração do hospital? O pedido de Alves, que na época era gestor do Hospital e Clínicas de Porto Alegre, foi aceito com certo estranhamento. “Para a administração?”.
Os resultados da iniciativa não deixaram dúvidas. Ao término da apresentação para o time administrativo, a sensação da sala era de alegria e um dos colaboradores dirigiu-se ao cirurgião e disse: “aquela placa de titânio nunca mais vai faltar. Trabalho aqui há cinco anos comprando placas como essa e não sabia para que elas serviam”.
O exemplo ilustra um pouco do que seria a governança integrativa – quando todas as áreas – tanto as administrativas quanto assistenciais – estão integradas em função do cuidado ao paciente, que é o real propósito de qualquer instituição de saúde.
“O cuidado é como em uma banda, cada um exerce o seu papel, mas o resultado final é um só, integrativo. E a plateia participa ativamente”, diz o diretor técnico hospitalar do Hospital Nossa Senhora das Graças (PR), Luiz Sallim Emed, fazendo analogia com a necessidade do paciente também se envolver neste processo.
O princípio da integração é o paciente e, segundo Alceu, para alcançá-la dois aspectos devem estar alinhados e serem trabalhados juntos: o econômico e o assistencial. Entretanto, muitos médicos ainda dizem “eu não tenho nada a ver com a questão econômica”. “Este é um dos grandes problemas que temos. Alguém que produz serviços de saúde e se coloca de fora, e é por isso que muitas vezes não tem o recurso necessário para seu trabalho”, ilustra o Superintendente do Mãe de Deus.
Para o superintendente corporativo do Hospital Samaritano (SP), Luiz De Luca, o processo de governança deve ser desmistificado, podendo ser incorporado em qualquer instituição, independente do perfil e tamanho. No caso da saúde, “o processo da assistência tem que estar impregnado inclusive no governo. O desafio é sair do discurso para a implementação”, afirma.
Dentro da chamada governança integrativa - termo utilizado pelos debatedores para ilustrar a interdependência entre os atores envolvidos direta ou indiretamente com a assistência -, está a
governança clínica – retrato do envolvimento de todos os profissionais especializados em saúde.
“Com isso, o médico perde a soberania, não a liderança, mas a soberania”, enfatiza Alves. Com o avanço da medicina, o médico já não tem o domínio do conhecimento, mas, segundo ele, continua protagonizando as prescrições medicamentosas, nutricionais, entre muitas outras.
“Uma prescrição médica revisada por um farmacêutico agrega segurança ao paciente e para o próprio médico”, exemplifica. Na visão do superintendente, os odontólogos, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, entre muitos outros, “não conseguem dar a contribuição ideal” neste modelo ainda vigente em que o médico centraliza o trabalho.
Quatro pontos de atenção foram descritos por Alves para o caminho da governança integrativa:
1°: Entender que existem dois modelos que vivem juntos. Quando um paciente fica mais tempo do que precisa, por exemplo, o problema é assistencial e econômico.
2°: Entender a função de cada um dentro de um processo integrativo, e o papel do líder é importante nesse contexto.
3°: É preciso romper com conceitos velhos que ainda cultivamos. Por que a prescrição da alimentação não é feita por um nutricionista clínico? Por que não existem odontólogos dentro dos CTIs?
Se tais discussões e questionamentos já estão sendo feitos, o momento atual aponta para mudanças. De acordo com De Luca, o médico está passando por um processo de entendimento de gestão e correlação de seu papel com os custos, apesar das resistências de querer fazer realmente parte disso. Para o superintendente do Samaritano, é preciso comunicar e desenvolver o tema, realizar treinamentos, avaliar o corpo clínico por desempenho e estimular suas competências. “É complexo. Não é rápido, mas tem que começar”.
*Ary Ribeiro, superintendente comercial e de serviços ambulatoriais do Hospital do Coração (HCor) (SP) foi o mediador do talk show Governança Corporativa durante Fórum Horizontes Anahp, que aconteceu entre os dias 3 e 4 de dezembro, em São Paulo