Referência pelos estudos e levantamentos ricos em dados, bem como pela atuação como representante das instituições referência em assistência privada brasileiras, a Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados) deu o pontapé de seu Fórum Internacional Horizontes de forma bem prática. Um curso sobre os grandes desafios da implantação dos princípios de governança clínica nos hospitais brasileiros para os próprios hospitais brasileiros.
A ideia, segundo Fernando Torelly, conselheiro da Anahp e mediador dos debates da manhã desta quarta-feira (3), é disseminar a governança clínica no País, perpetuando o que chamou de um “grande movimento de proteção ao paciente em busca das melhores práticas”. Para tanto, foram convidados gestores de alguns dos mais reconhecidos hospitais brasileiros, que apresentaram as sete dimensões da governança clínica.
Acompanhe abaixo cada um deles, com as experiências dos hospitais e observações dos respectivos porta-vozes escolhidos pela Anahp.
1. Auditoria clínica
Por Sandro Chaves, diretor técnico do Hospital Mater Dei (MG)
Mais que fiscalizar, a auditoria clínica tem como função primordial, através de uma visão multidisciplinar na execução e na avaliação, imprimir um processo de qualidade e melhoria continua da assistência, explica Chaves. “Não basta auditar, a gente tem que auditar com a intenção de melhorar.”
Conforme explica o gestor, a maior parte das referências a respeito do processo vem do Reino Unido e seu NHS – sistema de assistência de saúde universal e inspirador do brasileiro SUS. Lá, a implantação foi uma tentativa de restabelecer a confiança no sistema, abalado por uma série de escândalos relativos a resultados negativos. Compulsória desde 2002, o processo de auditoria clínica faz parte do contrato de trabalho dos profissionais de saúde do NHS, obrigados a aceitarem a avaliação constante em seus cotidianos.
“No nosso hospital [o Mater Dei] não existe um contrato formal, mas há um acordo tácito que obriga a aceitação de ser auditado. (...) É uma coisa do dia a dia”, conta o gestor do hospital mineiro. Uma medida simples implantada pediu aos médicos e enfermeiros que mostrassem as mãos lavadas para os pacientes. Resultado: a aderência à prática de lavar às mãos aumentou drasticamente (e rendeu um prêmio da OPAS).
Chaves ressaltou ainda outros aspectos: a auditoria clínica exige uma equipe dedicada e tecnologia para o tratamento dos dados e informações coletadas; indicadores adequados, com suporte em evidências, e que façam sentido para a equipe; após medir o desempenho, ter uma visão de melhoria contínua e comunicar os resultados para todos os envolvidos.
“A liderança tem que abraçar essa causa. Logicamente pode ser sugerida pelas bases, mas se a alta direção não topa e seguir esse caminho, nada feito”, ponderou.
2. Gerenciamento de risco
Por Paola Andreoli, gerente de risco do Hospital Israelita Albert Einstein (SP)
Um sistema capaz de genericamente identificar, analisar e corrigir inadequações, a fim de minimizar ou eliminar riscos no alcance dos objetivos da organização. Esse é o conceito rápido em duas linhas. A prática no entanto é bem mais complexa e passa por uma série de medidas. No Einstein, inclusive, o gerenciamento de risco foi incluído no plano estratégico.
“Não existe gerenciamento de risco sem transparência”, sentencia Paola. “Sem responsabilização das pessoas e particularmente da liderança. (...) Sem uma liderança com participação ativa.”
Segundo ela, é preciso que os profissionais atuem com relação ao gerenciamento de risco. É preciso desenvolver, diz, uma cultura justa, que reconhece dentro do sistema fatores humanos que interferem nos atos e resultados. “A gente diz que trabalha como equipe, e de fato vem aprendendo que existe uma oportunidade de melhoria muito grande, principalmente no que diz respeito ao compartilhamento de informações e redução de hierarquia dentro do sistema.”
3. Efetividade e eficiência clínica
Por Helidéa de Oliveira Lima, diretora de qualidade assistencial da Rede D’Or São Luiz (RJ)
A Rede D’Or São Luiz é um gigante. São 26 hospitais em quatro estados (SP, RJ, DF e PE), sendo a maioria deles acreditados pela ONA e JCI. Embora os grupos e perfis de profissionais sejam bastante diferentes entre si, a direção do grupo optou por implantar um padrão de assistência, sem dúvida um desafio em termos de indicadores, dado o tamanho da organização.
“A gente consegue avaliar eficiência, mas para a efetividade ainda precisamos andar muito”, ponderou Helidéa, que divide os conceitos de eficácia (melhorias na saúde e no bem estar do paciente), eficiência (relação entre o benefício oferecido e o custo) e efetividade (resultado do trabalho) de forma bastante didática.
A rede D’Or São Luiz, no momento, busca medir os resultados de efetividade em suas UTIs em um estudo chamado Orchestra, que deve ser publicado em breve, e que toma como base os dados coletados pelo sistema Epimed. “Cabe a nós profissionais da saúde nos qualificarmos em gestão para promover essa mudança que já passou da hora de fazer.”
4. Comunicação assistencial
Por Vânia Rohsig, superintendente assistencial do Hospital Moinhos de Vento (RS)
No hospital gaúcho foi formado um time (o STEPPS) apenas para aprimorar a comunicação entre os profissionais de assistência e, assim, incrementar o trabalho em equipe. “A gente quer que o trabalho seja o de uma orquestra”, metaforiza Vânia. “O primeiro desafio é mudar os treinamentos, de forma que nos enxerguemos como uma verdadeira equipe assistencial.”
Uma série de ferramentas foram adotadas pelo hospital com o objetivo de melhorar a comunicação entre os profissionais, considerando inclusive o preceito de “minimizar a questão da hierarquia”. Segundo a gestora, o objetivo é atingir uma “confiança mútua entre o time, que vai melhorar a comunicação e, por consequência, a qualidade da assistência.”
5. Responsabilidade e transparência
Por Paulo Zimmer, gerente médico do programa de cirurgia do Hospital Israelita Albert Einstein (SP)
A medicina está mudando junto com o mundo. Com o crescimento das tecnologias e do conhecimento disponível na internet (inclusive clínico), a responsabilidade e a transparência do trabalho dos profissionais e instituições de saúde muda radicalmente. Trata-se da emersão de “sistema de saúde 3.0”, e os “médicos digitais vão mudar muito o ambiente de trabalho”.
“Vai acontecer uma profunda inversão: ao invés do médico ser o centro da prestação de serviço, vai ser o paciente”, pondera Zimmer. Isso significa que os próprios pacientes vão assumir um papel cada vez mais ativo no seu próprio processo de cuidado, enquanto o médico terá que assumir um papel de perpetuador do conhecimento.
Um exemplo da tendência são os sites, feitos e direcionados para pacientes dos EUA, em que os médicos são avaliados com notas. O sistema de ranqueamento é bem próximo do visto em sites que vendem produtos convencionais. O próprio governo dos EUA tem um serviço parecido, o Hospital Compare, do MedCare, que serve para avaliar e comparar hospitais que prestam serviço para o seguro subsidiado pelo governo.
“As associações têm que preparar os médicos para as mudanças que tem acontecido”, pondera Zimmer.
No Einstein, os médicos passam por um ciclo anual de avaliação de desempenho. Um boletim é gerado e entregue para todos os médicos, sendo possível inclusive fazer comparações com outros profissionais do hospital da mesma especialidade. “Médicos são altamente suscetíveis à competição”, diz o gestor. O trabalho em equipe é outro dos itens avaliados, inclusive considerando as impressões da equipe multidisciplinar com que o médico trabalha.
6. Gestão de pessoas
Por Fábio Patrus, superintendente de gestão de pessoas e qualidade do Hospital Sírio-Libanês (SP)
Trata-se de responder três grandes questões: Como potencializar a aprendizagem dos profissionais do hospital? Como promover a segurança permanente? Como potencializar esta aprendizagem? E a resposta é uma só: mudar a cultura.
“Se a gente não entrar, entender e discutir de maneira séria a cultura das nossas instituições, vamos avançar superficialmente”, pondera Patrus. “Se não colocarmos essa conversa dentro de quem faz, vamos avançar pontualmente.”
O gestor, no entanto, reconhece que o desafio da integração entre as diversas áreas em um hospital não é das mais fáceis. A visão cartesiana e a alta especialização não favorecem uma compreensão sistêmica dos papeis de cada profissional, isso sem contar as diferentes culturas e formações e a própria indefinição do modelo assistencial.
7. Pesquisa operacional
Por Otávio Berwanger, diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital do Coração (SP)
Trata-se de um termo novo, mas a pesquisa operacional é autoexplicativa: a partir da coleta estruturada de dados gerados na assistência – tal qual as medições das atividades fins de outras indústrias, como aviação e marketing – é possível gerar ferramentas ativas que auxiliem na tomada de decisões dentro do hospital. “A governança clínica e a mudança de comportamento do médico é o principal legado”, explicou Berwanger. “E não posso me furtar da necessidade de manter o legado de Adib Jatene, nosso eterno diretor, a fazer o melhor pelo paciente, que é o nosso dever.”
O gestor explica que o processo é apelidado de pesquisa ao estilo Nelson Rodrigues, ou seja, aquela que tem o papel de “mostrar a vida como ela é”. “Quando medimos de forma independente a parte clínica de acordo com determinados indicadores, existe um gap entre o que as diretrizes recomendam e a realidade.”
Dessa diferença, uma vez identificada, é que surgem as medidas de melhoria. O HCor tomou parte em um trabalho de pesquisa operacional chamado Bridge (ou “ponte”, na língua inglesa), que começou com uma parceria com o Ministério da Saúde para o tratamento de Síndrome Coronariana Aguda (SCA). O projeto comparou os indicadores de instituições de mesmas características. Resultado: com a participação de 34 hospitais, houve redução de 20% da mortalidade por infarto.