Cientistas de diversos grupos de pesquisas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP estão trabalhando no projeto de um biodetector bacteriano capaz de diagnosticar a Doença Renal Crônica (DRC) de forma precoce. A DRC é caracterizada por alterações nas funções e na estrutura dos rins, e afeta milhões de pessoas no mundo, sendo que grande parte delas não tem consciência disso.
No teste de diagnóstico realizado atualmente, por intermédio da quantificação de Creatinina no sangue, as variações nas taxas desse biomarcador só são perceptíveis em estágios mais avançados da doença. “Se conseguirmos detectar a Doença Renal Crônica em seus primeiros estágios, poderemos oferecer uma qualidade de vida melhor aos pacientes e um tratamento mais simples”, explica Laís Ribovski, aluna de mestrado do IFSC.
Laís integra o grupo de pesquisadores que conta com cientistas do Grupo de Cristalografia, Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CEPOF), Grupo de Biofísica Molecular “Sérgio Mascarenhas”, e do Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia, juntamente com pesquisadores de outras unidades da USP, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). O projeto rendeu ao grupo a medalha de bronze no International Genetically Engineered Machine – iGEM 2014, uma competição internacional focada na área de biologia sintética que reuniu 245 equipes formadas por estudantes de graduação e pós-graduação oriundos de diversos países, na cidade de Boston, Massachusetts, EUA.
Para detectar os primeiros estágios da doença, os pesquisadores propõem unir diversas partes de um DNA — cada parte com uma função —, programando a bactéria Bacilus subtilis para identificar alterações no nível de Cistatina C no sangue. Este outro biomarcador trata-se de uma proteína que, assim como a Creatinina, está ligada a taxa de filtração glomerular e, por isso, também permite detectar alterações na estrutura e funções dos rins. Contudo, o aumento nas concentrações de Cistatina C já é evidente em estágios menos avançados.
O próximo passo dos cientistas é finalizar a ligação de todos os “pedaços” de DNA. Com isso feito, o circuito será calibrado para as faixas de Cistatina C que eles pretendem distinguir no sangue: “Já temos o módulo e detecção deste biomarcador montado em uma membrana da Bacilus subtilis, bem como o processo de montagem do circuito interno. Além disso, estabelecemos a barreira de expressão do nosso circuito e conseguimos provar que ele funciona, mas agora precisamos reunir todos os módulos para finalizá-lo”, explica Laís.
De acordo com Danilo Keiji Zampronio, aluno de graduação do IFSC, e que também integra o grupo, o projeto ainda renderá bastante pesquisa e estudo até que possa ser uma solução disponível no mercado, uma vez que os pesquisadores precisam terminar seu circuito, patenteá-lo, caracterizá-lo e padronizá-lo por meio de diversos testes. “Acredito que esse nosso projeto deverá ser comercializado daqui a três ou quatro anos”, estima.
iGEM 2014
Para Zampronio, a importância da premiação no iGEM 2014 foi compreender que os alunos têm todas as ferramentas para desenvolver esse ramo da ciência no Brasil e que o IFSC pode oferecer a infraestrutura e conhecimento para isso. “Percebi que, com tudo aquilo que aprendemos no instituto, temos a capacidade de trabalhar com biologia sintética sem limitação alguma. Saímos do evento com a vontade de mudar o mundo”, diz ele. O estudante conta ainda que, além de ter seu trabalho reconhecido e prestigiado em âmbito internacional, uma das grandes vantagens de participar de premiações como esta é a bagagem de novos conhecimentos e experiências que os estudantes adquirem durante os estudos de seus projetos.
Para Bruno Ono, outro jovem pesquisador da equipe, a premiação ajudou bastante alguns de seus colegas da Biofísica. “Muitas pessoas desistem do curso por não terem perspectiva de onde trabalharão ou o que farão futuramente. Agora, quando chegam no iGEM, eles se descobrem quando percebem que tudo o que aprenderam no curso faz muito sentido para quem quer trabalhar com biologia sintética e com outros campos que dela se ramificam”, completa. Zampronio antecipa que no próximo ano a equipe levará um projeto para conquistar a medalha de ouro. Para tanto, a equipe já começou a marcar reuniões para, inclusive, trazer novos integrantes ao grupo, já que haverá muito trabalho pela frente para conquistar a medalha de ouro.
Colaborações
Para os três pesquisadores, o iGEM é muito mais do que uma competição onde os participantes têm que criar circuitos, o evento é também uma oportunidade de se relacionar com alunos dos quatro cantos do planeta e firmar novas colaborações. “Eu acho que a pesquisa deveria sempre ser feita em parcerias e focada no impacto social, tornando a ciência acessível à sociedade”, diz Zampronio.
Além da parceria que os alunos do IFSC criaram dentro da própria USP, já que esse grupo inclui estudantes de outras unidades da Universidade de São Paulo, os jovens contam que tiveram a oportunidade de conhecer equipes de outras instituições brasileiras —UFAM, UFMG e UFPE — e, inclusive, de outros países, como Holanda, França, Reino Unido e Noruega, já tendo colaborado com alguns grupos destes países trocando experiências, discutindo trabalhos, traduzindo cada trabalho para diversos idiomas e estabelecendo uma rede de comunicação que se estenderá em outros projetos e futuras edições do iGEM.
No final do iGEM 2014, a equipe uspiana participou de uma reunião com outros grupos da América Latina, onde foi ressaltada a importância de serem criadas relações profissionais entre os grupos dos países latino-americanos. Estas parcerias permitem um intercâmbio de tarefas. Por exemplo, se uma universidade não tem um determinado equipamento, e nós temos, eles podem nos enviar os materiais para fazermos as medidas aqui. O interessante, também, é que essas cooperações entre universidades estão se tornando comuns no iGEM, fortalecendo as pesquisas e atraindo mais estudantes, finaliza Laís.