Restaurar a visão dos cegos tem sido um desafio particularmente difícil para os cientistas, mas uma nova tecnologia, que combina um implante ocular e óculos com câmera de vídeo, pode estar disponível em breve nos Estados Unidos.
Há décadas os pesquisadores buscam desenvolver esse olho biônico, e em alguns casos já gastaram centenas de milhões de dólares para enfrentar os problemas de engenharia. Um dispositivo que ajuda as pessoas com uma doença ocular rara aguarda aprovação regulatória nos Estados Unidos. Chama-se Argus II, fabricado pela Second Sight Medical Products, de Sylmar, Califórnia. Outros pesquisadores, inclusive do Instituto de Tecnologia de Massachusetts - o MIT - e da Universidade de Stanford, continuam a trabalhar em versões que eles julgam mais sofisticadas.
O produto da Second Sight é a chamada prótese de retina, que contorna as células mortas ou danificadas no olho, necessárias para detectar a luz. Em vez de utilizá-las, o dispositivo redireciona os dados visuais, através do implante, para partes do olho que ainda funcionam. Tal como outros dispositivos semelhantes em desenvolvimento, ele usa uma câmera de vídeo embutida num par de óculos para coletar os dados visuais sob a forma de luz e transmiti-los para o implante como sinais elétricos.
Dispositivo tem aplicação direcionada a cerca de 100 mil pacientes com degeneração visual
Se o Argus II for aprovado pela Food and Drug Administration, a agência americana que regulamenta os remédios e alimentos, será a primeira prótese de retina a chegar ao mercado nos EUA. O dispositivo já está disponível na Europa.
Os pacientes com maior probabilidade de se beneficiar desses dispositivos são os que sofrem de retinite pigmentosa, uma doença rara que danifica e mata as células na retina, uma camada de tecido situada na parte de trás do olho e que processa a luz. As pessoas que têm a doença ficam com a visão cada vez mais embaçada, até que não conseguem enxergar mais nada. Cerca de 100 mil pacientes nos EUA têm essa doença.
Outro grupo de pacientes que podem se beneficiar dessa tecnologia, segundo os cientistas, é o dos que têm degeneração macular grave. Essa doença, relacionada ao envelhecimento, danifica a parte do olho que percebe detalhes finos, de acordo com o Instituto Nacional de Oftalmologia dos Estados Unidos. As diversas próteses em desenvolvimento usam câmeras de vídeo que enviam informações luminosas para um chip implantado. A maioria utiliza os dados para acionar eletrodos no chip que estimulam pixels de luz na retina, os quais são então processados normalmente pelo cérebro como imagens.
A tecnologia testada até agora permite enxergar basicamente em preto e branco. É mais útil para ver contrastes nítidos, tais como as faixas brancas de um cruzamento numa rua escura. Mas os cientistas esperam melhorar os detalhes até conseguir visão a cores.
Barbara Campbell, de 59 anos, conselheira de reabilitação vocacional, tem visão praticamente zero desde seus 40 anos. Ela implantou o Argus II no olho esquerdo em 2009, depois que soube do dispositivo por meio do seu trabalho na Comissão do Estado de Nova York para os Cegos e Deficientes Visuais.
Mesmo informada de que o dispositivo era experimental, Campbell julgou que "qualquer coisa que eu ganhar será uma vantagem", disse ela.
Campbell passou por uma cirurgia de cinco horas no Hospital Presbiteriano de Nova York e dois meses mais tarde recebeu os óculos com câmera de vídeo. Ao voltar ao seu apartamento, ela percebeu que as luminárias no corredor do prédio eram diferentes do que ela se lembrava.
Embora sua visão ainda se limite a discernir objetos grandes, como móveis, ela disse que agora enxerga seu ponto de ônibus, em vez de precisar localizar pessoas paradas no local. Quando vai ao teatro, consegue acompanhar os atores no palco, embora sem enxergar suas expressões faciais.
"É muito emocionante e muito legal", disse Campbell. "Senti que meu cérebro agora tem que se acostumar a usar a visão outra vez", disse ela.
Cerca de 50 pacientes, incluindo Campbell, receberam implantes do Argus II, e dois terços deles sentiram benefícios. Os pacientes que reagiram melhor conseguem ler letras grandes, com alguns centímetros de altura. Os pacientes relatam que o principal benefício é a melhor orientação e mobilidade, disse Robert Greenberg, diretor-presidente da Second Sight, que também é médico.
Projetar um olho biônico tem se revelado muito mais difícil do que desenvolver outros tipos de aparelhos, tais como o implante coclear para a audição, segundo os cientistas. Para começar, a informação visual é bidimensional - ou seja, é necessário enviar ao cérebro coordenadas horizontais e verticais, enquanto as ondas sonoras necessárias para a audição são unidimensionais.
Outro desafio é proteger o implante no olho, já que ele tem que ficar imerso num líquido orgânico. "É como jogar sua televisão no mar e esperar que ela funcione", disse Greenberg. Os cientistas já gastaram muito tempo para tentar fabricar minúsculas caixas hermeticamente fechadas que possam proteger o implante no olho.
Um grande obstáculo é descobrir como capturar adequadamente e estimular pixels de luz na retina suficientes para produzir uma imagem nítida. A visão normal se baseia em mais de 100 milhões de receptores em cada olho, mas é impossível reunir tantos eletrodos em um dispositivo minúsculo que precisa ficar fixo sobre a retina, disse John Wyatt, professor do departamento de engenharia elétrica no MIT, que vem trabalhando para criar uma prótese de retina desde 1988.
O Argus II da Second Sight contém 60 eletrodos, mas alguns outros cientistas dizem que, para uma prótese de retina ser realmente útil, é necessário haver centenas deles. "Em teoria, gostaríamos de ter mais eletrodos, mas não se isso resultar em um implante que não sobrevive mais que alguns meses", pois o dispositivo é muito volumoso e instável para ficar fixo no olho, disse o Greenberg. "É essa a opção que fizemos."
Em vez disso, a empresa está trabalhando para aperfeiçoar as câmeras de vídeo e o software, que são elementos externos ao olho e fáceis de atualizar, para melhor realçar e interpretar as informações enviadas para o implante, disse ele.
Wyatt e seu grupo no MIT estão desenvolvendo um olho biônico que vai conter entre 256 e 400 eletrodos. Atualmente, eles trabalham na sua quinta versão. Modelos anteriores já foram implantados com sucesso em porcos no México e temporariamente em seis pessoas. O grupo planeja fundar uma empresa para comercializar sua tecnologia.
Na Universidade de Stanford, o grupo do professor de oftalmologia Daniel Palanker vem adotando uma abordagem diferente. Em vez de usar eletrodos, sua equipe desenvolveu fileiras de minúsculos pixels "fotovoltaicos" (como painéis solares), alimentados pelos pulsos de luz dos óculos de vídeo, que são implantados debaixo da retina. Esses implantes convertem a luz em uma corrente elétrica que estimula os neurônios locais da retina, os quais então enviam sinais para o cérebro; assim, não é necessário usar fios para estimular a retina.
Ao utilizar essa tecnologia, Palanker espera poder encaixar um número suficiente de painéis fotoalimentados para estimular 5 mil pixels dentro de um espaço semelhante ao utilizado pelas outras próteses de retina. O dispositivo está sendo testado em ratos, e os testes com seres humanos devem começar dentro de um ano ou dois, disse ele.
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