De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos cem anos, a expectativa de vida do brasileiro aumentou consideravelmente. Em 1920, era de apenas 33 anos de idade, atingindo mais que o dobro em 2021, com uma média de 77 anos. Já o crescimento populacional, nos últimos cem anos, também tem sido bastante significativo. A população brasileira passou de 28 milhões, em 1920, para mais de 208 milhões no ano de 2020, sendo que as pessoas com mais de 65 anos subiram de 4% para 10% entre 1980 e 2020.
O Brasil ainda apresenta uma grande variação de realidades socioeconômicas e geográficas, levando em consideração os 26 estados e a capital federal. Este cenário traz grandes desafios aos líderes e gestores públicos, quanto à gestão da saúde populacional. É de conhecimento geral que os hospitais públicos enfrentam graves questões de acesso, muitas vezes com déficit de profissionais, tecnologia, leitos e salas cirúrgicas.
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Força a população a aguardar longos períodos por atendimento, devido à escassez de oferta e abundância de demanda. Uma pesquisa de 2018 do Conselho Nacional de Medicina e do Datafolha revela que as filas de espera foram apontadas como a principal fonte de insatisfação para os usuários do SUS (Sistema Único de Saúde). Na ocasião, 30% dos participantes relataram ter esperado por algum tipo de atendimento - mais de 12 meses.
A concentração de especialistas e profissionais de saúde em hospitais gerais de grande porte nas áreas urbanas mais desenvolvidas, muitas vezes, impede que o paciente receba os cuidados necessários por dificuldades de locomoção (distância e custo), até o local de atendimento. Isso faz com que o absenteísmo (quando os pacientes faltam aos agendamentos no SUS), seja uma causa importante de desperdício de recursos e prolongamento das filas de espera, uma vez que os recursos, especialmente humanos, alocados para um atendimento não realizado, não materializam o benefício à população, potencializando o problema.
Além disto, há outro fator que contribui para que as cirurgias eletivas sejam postergadas ou não realizadas: a defasagem de 10 anos no ajuste da tabela de pagamentos do SUS. O trecho de uma matéria do CFM (Conselho Federal de Medicina), publicada em novembro de 2022, referente à ausência de reajustes, aponta que: “A maior defasagem, de 17.270%, foi encontrada nos pagamentos feitos pela retirada de cateter de longa permanência semi ou totalmente implantável. Há pelo menos dez anos, o SUS pagou R$ 5,34 por procedimento. (...) se utilizado o valor integral indicado na CBHPM, o médico responsável deveria receber hoje R$ 928.”
A longa fila de espera por cirurgia na rede pública tem impacto negativo na saúde física do paciente, a medida em que sua situação de saúde pode ir se degradando ao longo do tempo. Também impacta negativamente na sua saúde mental, uma vez que afeta psicologicamente aquele que aguarda, indefinidamente, por assistência. Em um artigo do American Journal of Public Health intitulado "The Impact of Long Waits for Surgery on Mental Health Outcomes", os autores relatam que os pacientes que experimentaram tempos de espera mais longos foram associados a níveis aumentados de ansiedade, depressão e estresse.
É cada vez mais urgente a adoção de soluções integradas, que permitam acomodar, de maneira eficiente e custo-efetiva, às necessidades de resposta rápida aos problemas mencionados anteriormente. Neste sentido, a cirurgia ambulatorial tem se mostrado eficaz, como uma alternativa para reduzir as filas de espera, para cirurgias eletivas no Brasil.
Essa modalidade de cirurgia permite a realização de uma grande gama de procedimentos, em um único dia, organizados por meio de fluxos assistenciais específicos, desde a seleção do paciente, até à avaliação de suas condições biopsicossociais, permitindo que ele retorne para casa no mesmo dia.
A cirurgia ambulatorial tem um importante papel na redução do tempo de espera para cirurgias eletivas. Segundo o presidente da SOBRACAM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial), Dr. Fábio Soares, “Criar as condições necessárias para seleção de casos que possam ser operados em unidades ambulatoriais, representa uma retirada expressiva de procedimentos dos hospitais gerais públicos, abrindo espaço para casos mais complexos ou urgentes, permitindo um atendimento mais rápido e a redução da fila dos pacientes que aguardam, em alguns casos, por mais de 2 anos para uma cirurgia simples, como a de catarata, por exemplo.”
Os procedimentos ambulatoriais, em que a maior parte da recuperação ocorre fora do ambiente de um hospital geral, também estão se tornando cada vez mais populares devido às vantagens de custo e segurança. Portugal e Reino Unido são exemplos de utilização em larga escala da cirurgia ambulatorial na saúde pública. Em 2004, Portugal instituiu a inclusão de pacientes cirúrgicos em uma lista unificada e pública, determinando o prazo máximo de 270 dias de espera para realização das cirurgias. No Reino Unido, onde o prazo máximo estabelecido é de 18 semanas, segundo estatísticas do serviço de saúde pública local, este prazo é cumprido em 90% dos casos.
Para o vice-presidente de relacionamento com o mercado da SOBRACAM e autor do livro, Hospital Dia – Um modelo sustentável, o especialista em gestão hospitalar, Newton Quadros, “Seja no modelo de gestão própria, seja no modelo de PPP, o investimento em estruturas direcionadas para a cirurgia ambulatorial deveria estar presente nas agendas dos novos mandatários.
Por duas razões óbvias: redução do custo assistencial e a melhoria da assistência à saúde da população. Os efeitos de uma política nacional, direcionada para a regulamentação da cirurgia ambulatorial, seriam de forte impacto positivo na saúde da população e na economia de recursos financeiros dos estados”.
Unidades cirúrgicas ambulatoriais possuem menor custo de implementação e operação, quando comparadas a hospitais gerais. Ocupam áreas mais compactas e valem-se de fluxos assistenciais de alta eficiência, com menos necessidades de equipamentos e pessoas, sem comprometer a segurança e a qualidade da assistência prestada.
Este atributo permite a instalação de unidades em áreas remotas, proporcionando um atendimento mais próximo da população, contribuindo para queda do absenteísmo citado anteriormente e colaborando para a diminuição das filas e a redução do fluxo de pacientes, até mesmo nos maiores centros urbanos e hospitais gerais. Unidades itinerantes também são uma alternativa viável, podendo ser equipadas e operadas por profissionais específicos, em ações de uma ou múltiplas especialidades cirúrgicas.
Considerando que, ao menos 60% dos procedimentos em fila de espera no SUS, correspondem a casos que poderiam se beneficiar da utilização de centros cirúrgicos ambulatoriais, o impacto desta iniciativa é bastante positivo na equação de melhoria de acesso à saúde pública no Brasil.
Para o professor da escola de saúde pública de Harvard, Julio Frenk, o desafio principal nos sistemas de saúde é formar pessoas que possam desenvolver visão estratégica, conhecimento técnico, habilidades políticas e orientação ética para liderar os complexos processos de formulação e implementação de políticas efetivas. Para Frenk, “Sem líderes, mesmo os sistemas mais bem projetados falharão”.
A política e a gestão pública são pontos fundamentais do funcionamento do sistema de saúde. O surgimento de lideranças políticas que fomentem a implementação da cirurgia ambulatorial, como política de saúde pública, irá gerar capital político legítimo, beneficiando diretamente a população de sua área de abrangência, desempenhando não apenas um papel de manutenção do sistema de saúde atual, mas o protagonismo para possibilitar e sustentar melhorias, que irão elevar a equidade e aumentar o acesso à saúde de qualidade.
Fabricio Galvão é membro fundador, diretor de mercado e presidente eleito para gestão 2024 a 2026 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial (SOBRACAM), delegado brasileiro da International Association for Ambulatory Surgery (IAAS), empresário e investidor na área da saúde.
Referências:
Dobram queixas por tempo de espera. Conselho Federal de Medicina. Datafolha. 2018. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/noticias/pesquisa-cfmdatafolha-dobram-queixas-por-tempo-de-espera/
Defasagem em valores pagos é de até 17 mil %. Conselho Federal de Medicina. 2022. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/noticias/defasagem-em-valores-pagos-e-de-ate-17-mil/
Reichert A, Jacobs R. The impact of waiting time on patient outcomes: Evidence from early intervention in psychosis services in England. Health Econ. 2018 Nov;27(11):1772-1787.
SOBRACAM - Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial – https://www.sobracam.com.br – acesso em 10 de janeiro de 2023.
Sarmento Junior, Krishnamurti Matos de Araujo, Tomita, Shiro e Kos, Arthur Octavio de Avila. O problema da fila de espera para cirurgias otorrinolaringológicas em serviços públicos. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia [online]. 2005, v. 71, n. 3 [Acessado 15 Janeiro 2023], pp. 256-262. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-72992005000300001
Quadros, N., et al. Hospital Dia – Um Modelo Sustentável - Ed. Dulcina, 2013.
Frenk J. The Global Health System: Strengthening National Health Systems as the Next Step for Global Progress, 2010. PLoS Med 7(1).