Investir em tecnologia de informação e qualificar a força de trabalho é um dos caminhos para melhorar o atendimento de saúde no Brasil, afirma o economista André Medici, que trabalhou na área da saúde do Banco Mundial.
Para ele, é necessário otimizar as informações obtidas de pacientes, por exemplo, para fortalecer o sistema de saúde pública melhor e a saúde suplementar.
Em entrevista ao JOTA, o economista fala sobre como tratar os dados relacionados ao setor de saúde, os aprendizados da pandemia de Covid-19 e como evitar desperdícios.
Esta entrevista faz parte de um grande projeto patrocinado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) para colher propostas para a saúde do Brasil, de olho no ano eleitoral. Entrevistamos 53 pessoas da área para falar de diferentes temas relevantes para saúde como estímulo à inovação, SUS, saúde suplementar e formação de profissionais.
As 53 entrevistas serão transformadas em um ebook, que compilará as principais propostas, em 50 vídeos para as redes sociais e também serão realizados 3 webinars com alguns desses entrevistados para discutir os pontos mais relevantes.
O primeiro webinar, sobre ‘Como melhorar o sistema como um todo: SUS + Saúde Suplementar’ será realizado em 2 de agosto, a partir das 10h.
Para este primeiro encontro, estão confirmadas as presenças de Arthur Aguillar, diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); Eugênio Vilaça, consultor do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) e Ligia Bahia, professora e pesquisadora de saúde pública na UFRJ.
Como conectar as informações e os dados de saúde que existem hoje espalhados pelo Brasil em um único sistema?
A primeira questão é que o Brasil produz muitas informações de saúde, mas todas elas de uma forma muito desconexa. Não existe uma articulação entre as informações que são produzidas e, muitas delas, são baseadas em registos administrativos e não são utilizados pelas instituições para o planejamento, para que se possa utilizar especificamente esses dados como uma forma de planejar melhor o futuro do setor saúde e administrar mais o melhor o dia a dia do próprio setor.
O setor saúde é um dos setores onde teve, a nível internacional, um dos maiores crescimentos em termos de volume de dados, de volume de informações, porque isso melhora especificamente não só a eficiência do setor, como também as perspectivas de ter uma melhor qualidade e um melhor resultado para o paciente. Então essas duas coisas são muito importantes.
O que é importante, nesse caso é, primeiro, selecionar aqueles indicadores que são mais importantes para que se possa atingir aquilo que nós chamamos do triângulo, da saúde baseada em valor. Ou seja, a melhor experiência do paciente, a saúde populacional, e a eficiência entendida como melhores resultados em relação a menores custos. Esses são os três grandes pilares que nós podemos na verdade ter no sistema de saúde.
Mas não basta somente produzir informações. É necessário que se tenha o que a gente chama de business intelligence atrás disso, uma inteligência de negócios. É necessário que essas informações sejam basicamente otimizadas, elas sejam utilizadas no dia a dia e possam estar especificamente online para melhoria dessas três funções que nós colocamos especificamente aí.
O que falta no Brasil, do meu ponto de vista, são instituições que possam dar assessoria necessária para que se possa fazer e também formas de onde se possam agregar essas informações para que se tenha uma interoperabilidade de todos esses dados.
O senhor acredita que a questão tecnológica é um entrave, e a questão do investimento nesse setor, de como o senhor falou, né, de hierarquizar e de centralizar essas informações, deveria também ser uma das prioridades de investimento do Brasil?
Certamente que sim. O investimento na área de tecnologia de informação é o melhor investimento que você pode fazer em saúde hoje em dia no Brasil. Eu tenho certeza disso.
Agora, investir em tecnologia de informação não é somente investir em software ou em produção de dados, é também investir em pessoas. Nós temos que qualificar a nossa força de trabalho em todos os níveis, inclusive no nível clínico, no nível administrativo, no nível financeiro que trabalha no setor saúde, para que eles possam utilizar essas plataformas de dado, para que se possa ter uma interoperabilidade das informações que sejam produzidas, e para que se possa efetivamente fazer com que esses investimentos tenham o retorno necessário.
É lógico que investir em informação é uma coisa que basicamente requer grandes recursos. Mas ela se paga e se paga especificamente pelo fato de que os retornos não são somente retornos financeiros, mas são retornos para o paciente, são retornos em melhoria da expectativa de vida, são melhorias na qualidade de vida que as pessoas vão ter, enfim. Viver mais, com mais qualidade, e com menos gastos no futuro.
Como utilizar essas informações para fazer com que o sistema de saúde seja mais eficiente?
A principal questão para aumentar a eficiência é ter uma informação clara a respeito dos processos de formação de custos. Uma das questões que, por exemplo, não se sabe especificamente no Brasil são informações que estão relacionadas basicamente a protocolos clínicos, como é que esses protocolos clínicos são operados, quais são os resultados associados, o que eles implicam em termos da qualidade de vida do paciente.
Se nós temos informações adequadas a respeito de resultados, não só resultados finais, mas resultados em cada nível do processo, e os custos que nós estamos incorrendo, nós podemos de alguma forma eliminar aquelas etapas e aqueles processos, analisando o processo como um todo, que são ineficientes que são desperdícios.
Qualidade pode ser definida também como é aquilo que se tem em termos de benefícios em relação a desperdícios. Se a gente elimina os desperdícios e maximiza os benefícios, nós estamos aumentando muito o processo específico de qualidade do setor saúde. E essa é uma questão que a gente só pode fazer analisando os processos.
O senhor acredita que a pandemia vai servir como um aprendizado e que a gente vai ganhar um legado com análise de dados das instituições
A pandemia já foi um aprendizado. O que nós tivemos de grandes avanços na questão da pandemia foram basicamente os primeiros processos de organização do serviço de saúde dos hospitais. Eles são muito mais seguros, evitam muito mais as infecções, ou seja, se avançou muito na questão de evitar até mesmo determinadas questões que antigamente eram muito graves, as chamadas infecções hospitalares. Eu tenho certeza que com os processos que nós aprendemos nesse momento com tratamento da pandemia, os níveis de infecção hospitalares em função da melhoria da segurança pandêmica dos hospitais devem ter melhorado muito.
Em segundo lugar, o uso da tecnologia de informação foi um grande avanço. Nós tínhamos, antes da pandemia, as ferramentas necessárias para utilizar, por exemplo, telemedicina, mas isso deu um salto enorme ao longo da pandemia, porque foi necessário utilizar esse tipo de processo. E com isso se tem um acompanhamento mais constante dos pacientes sem ser necessário que eles estejam presentes no serviço de saúde.
Avançamos muito nesses processos todos e também avançamos no registro de informações. Hoje em dia a utilização de registro de informações de saúde é uma coisa muito mais rápida e permite com que se tenha um crescimento muito grande nas chamadas health techs, que são empresas de tecnologias de saúde que vão avançando muito e que vão cada vez mais produzindo determinados tipos de aspectos essenciais e acessórios do setor saúde, que permitem fazer com que se possa ter melhor resultados com menores cursos também.
A LGPD tem uma influência nesse cenário. O senhor acredita que as instituições brasileiras estão maduras o suficiente para conseguir trabalhar com os dados e respeitar a regulação totalmente hoje?
Acredito que isso é um aprendizado. Nós vamos aprendendo progressivamente. E se aprende dos dois lados. Se aprende não somente com as instituições de saúde a não utilizar as informações que são críticas, efetivamente para proteção da seguridade do paciente, como também pelas instituições reguladoras, que vão começando a fazer regulações para aquelas áreas que são especificamente importantes no sentido de garantir esse tipo de segurança.
No caso específico do Brasil, o que não se pode fazer é justamente o que algumas pessoas têm dito ‘não, utilizar dados do serviço de saúde pode prejudicar a segurança do paciente. Então não vamos utilizar’. Não, não é isso. Isso é totalmente equivocado. O que nós temos que fazer é efetivamente ter a utilização desses dados, mas aprender com os processos de dar segurança aos pacientes e evitar efetivamente que se tenha a utilização errada dessas informações como uma forma específica de se garantir a melhoria dos canais de utilização da informação, em prol de eficiência da segurança do paciente.
Se tivesse que citar uma única proposta para um eventual novo governo, qual seria a sugestão que o senhor daria?
Eu talvez eu avançasse um pouco nessa questão de ter um processo de criar registros eletrônicos de pacientes, um prontuário eletrônico, tanto para o SUS, quanto para a saúde suplementar. Porque esse processo, tendo as informações detalhadas, já traria uma grande vantagem, não só para os operadores de plano de saúde, mas para os próprios gestores do SUS, em administrar melhor a informação que têm e conseguir ter melhor eficiência, não só na utilização dos recursos de ambos os setores, mas também na melhoria dos resultados para os pacientes.
A gente tem no Brasil pessoas que têm que voltar várias vezes ao serviço de saúde, várias vezes aos hospitais, têm que enfrentar filas, porque não têm meios de marcar eletronicamente as suas consultas. Tudo isso é uma falta de organização provocada pelo fato de não se ter um sistema de registro eletrônico estruturado. Essas questões podem ser resolvidas. Eu acho que nós temos que investir nisso e formar pessoas para que se possa fazer esse tipo de questão, né.
Infelizmente, o Brasil é um país está muito atrasado em relação a esse processo quando comparado, por exemplo, com os países desenvolvidos, com os países europeus, da América do Norte, e assim por diante.
É possível fazer, mas exige política pública, né?
Exige vontade política, fundamentalmente isso. E exige também que a gente tenha um pouco de disciplina. Ou seja, que basicamente, do ponto de vista do setor público, se possa efetivamente ter uma disciplina de trabalho para que eventualmente determinados erros, como vão aparecer, a gente vai ter muito mais erros, muito mais coisas sendo mostrada, possam de alguma forma, ter algum processo para evitar que esses erros sejam repetidos no futuro, até mesmo de alguma forma disciplinando a força do trabalho para não errar mais.