Saúde e a carga de trabalho
05/11/2014 - por Por Olímpio Bittar

Muitos seguimentos de negócios prestam serviços 24 horas, sete dias por semana, mas nenhum oferece um produto tão especial como a saúde da população. Produzir saúde implica atender muitas vezes em situação de emergência/urgência, com risco de morte. Mesmo nos atendimentos de rotina existe a expectativa por parte do cidadão que o problema seja resolvido rápida e satisfatoriamente, o que em qualquer circunstância resulta em pressão sobre os profissionais e a organização dos serviços.

O foco das discussões sobre a questão da (falta de) saúde é colocado frequentemente no déficit de médicos e leitos, visão reducionista do problema que incorre em erro de diagnóstico da situação.

Produzir saúde com qualidade significa aprimoramento constante em assistência, pesquisa e ensino, agregando modernas técnicas administrativas e de outras ciências sociais e exatas, o que requer qualidade e quantidade de recursos humanos, conhecimento técnico específico de cada especialidade e também conhecimento interdisciplinar.

É preciso quebrar atitudes cristalizadas há décadas, na sociedade, nas instituições e nos profissionais

A boa gestão de saúde exige considerar todas as variáveis que interferem na produção, permitindo oportunidade de análise e síntese das questões que envolvem o sistema como um todo, facilitando a tomada de decisões.

As variáveis carga horária e modelo de contratação são determinantes para a qualidade, produtividade e o financiamento do setor.

Para operar ininterruptamente, o setor agrega diferentes regimes e horários de trabalho, (comercial, plantões ou turnos), de acordo com a legislação de cada modalidade. Além dos profissionais da saúde propriamente ditos, que têm contato direto com os pacientes, são necessários os que produzem as atividades de infraestrutura, (logística, manutenção, recepção, segurança). Parte destes profissionais também têm jornadas de trabalho diferenciadas (plantões administrativos e manutenção).

Os profissionais de saúde em contato direto com os pacientes distribuem-se no ambulatório, emergência, serviços complementares de diagnóstico e tratamento e internação clínico-cirúrgica legalmente contratados por 44, 40, 36, 30, 24, 20 ou 12 horas semanais, com variações no setor público ou privado, ou influenciada por regras sindicais. Em alguns hospitais, visando agilizar o atendimento, evitar filas de espera e aumentar a produtividade dos equipamentos, a rotina é realizada em horários noturnos.

Essas diferenças trazem consequências para as instituições, pela dificuldade de administrá-las, como a elaboração de escalas, o relacionamento entre os membros de equipes e treinamento.

Esta interferência na capacitação e treinamento periódico se dá por dificuldades de encontrar horários adequados, pelo custo da fragmentação dos treinamentos, aumentando número de horas de líderes e consultores.

As relações trabalhistas não são fáceis nem no setor público, com o Estatuto do Funcionário Público, nem no setor privado, com a CLT, necessitando de áreas jurídicas competentes e atuantes na defesa das instituições. Estas dificuldades são extensivas aos profissionais terceirizados.

 
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Existem ainda outras formas de relacionamento entre instituições e prestadores de serviços, como manutenção de equipamentos de alta tecnologia, e com os profissionais autônomos, como os médicos, estes sem carga horária fixa.

As 14 categorias profissionais de saúde de nível universitário, com mais de 340 especialidades, interferem na busca por economia de escala quando a demanda por determinadas especialidades não alcança volumes expressivos.

Diferentes jornadas de trabalho, inclusive as que comportam horários reduzidos, permitem que os profissionais de saúde tenham mais de um vínculo empregatício (regidos pela CLT ou mesmo os estatutários no serviço público); prática que é fonte de desgaste físico e mental pelo desdobramento em árduas rotinas diárias acrescidas muitas vezes de plantões, não raro em locais sem condições de trabalho ou conforto, tempo perdido em deslocamentos (alto custo socioeconômico) e com salários que não condizem com a responsabilidade. À medida que o profissional envelhece há também um limite físico na capacidade de trabalhar em regime de plantão.

Entre os médicos observa-se a preferência pela realização indiscriminada de plantões (em diferentes instituições) substituindo a jornada diária, impedindo o acompanhamento dos pacientes, afetando a relação médico- paciente, acarretando prejuízo pela perda de oportunidade de aprendizado que o seguimento a cada caso oferece, como a confirmação do diagnóstico elaborado, da terapêutica prescrita e do aprendizado com as intercorrências possíveis.

Isto também se traduz num baixo índice de resolubilidade dos casos, fazendo com que pacientes se matriculem em diversos serviços, formando uma fila virtual que é expressa pelo absenteísmo nas consultas em unidades de saúde.

Empresas e profissionais de sucesso em outros segmentos do mercado contam com seus cargos executivos e equipes especializadas no seu negócio em período integral, resultando em maior comprometimento e melhores resultados.

Um sistema de remuneração condizente com o cargo/responsabilidade, plano de carreira e condições de trabalho adequadas é o princípio básico para atrair um novo perfil de profissional da saúde, mais comprometido, que perceba que desenvolver suas atividades em uma mesma instituição em período integral (não dedicação exclusiva), sem prejuízo em seus rendimentos, pode ser positivo e agregar maior qualidade de vida.

Todas as variáveis que interferem na produção assistencial de saúde devem ser levadas em conta. Para que políticas, programas e serviços apresentem melhores resultados serão necessárias mudanças culturais que tragam novos comportamentos a curto, médio e longo prazos, quebrando atitudes cristalizadas há décadas, incrustadas nas instituições, nos profissionais e na sociedade. A área da saúde requer planejamento cuidadoso, modernização e inovação, trabalhadas continuamente.

Olímpio J. Nogueira V. Bittar é médico especialista em Saúde Pública.


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