As criptomoedas, ou moedas digitais, atingiram recentemente o valor de mercado de US$ 2 trilhões, uma fortuna maior que o PIB do Brasil, por exemplo. Por aqui, os bancos digitais acompanharam o avanço global e cresceram 73% em adesão nos últimos dois anos, sendo que atualmente 44% da população brasileira já utiliza esse tipo de serviço. E o que dizer das fintechs, empresas especializadas em finanças que cresceram sobretudo após a crise econômica de 2008 e revolucionaram o mercado financeiro? Atualmente, existem mais de mil fintechs apenas no território nacional.
De fato, a economia está em constante mudança, mas a tecnologia aplicada aos negócios não chega a ser uma novidade. Pelo contrário: no ano que vem, completam-se quatro décadas desde que o norte-americano Charles Paul Alexander publicou, em 1983, na revista Time, o seu visionário artigo “The New Economy”, que apresentou ao mundo o conceito da Nova Economia. Naquela época analógica, desconectada, pré-internet, dos cheques assinados e moedas a tilintar nos bolsos, a Nova Economia surgia como um caminho disruptivo que colocava a inovação e a criatividade no centro do negócio, deslocando o foco dos produtos para os serviços e as demandas do consumidor. Nos anos 1990, viria a bolha das empresas ponto-com, caracterizada pela alta das ações das novas companhias de tecnologia da informação e comunicação. Era o prelúdio de um novo mundo, conectado e globalizado, que deveras se transformou desde então.
Quando abordamos o setor de saúde, a transformação vem sendo mais gradual e progressiva. A pandemia acelerou a entrada de novos players e consumidores no ecossistema digital, com pacientes de diversas idades e enfermidades realizando pela primeira vez a sua consulta online. Entre 2020 e 2021, mais que dobrou o número de empresas de tecnologia voltadas à saúde no Brasil. Já os atendimentos médicos por telemedicina no país dobraram no início deste ano, agilizando as consultas e desafogando os hospitais durante a crise sanitária. As healthtechs brasileiras, por sua vez, cresceram 329% em investimentos no ano passado, e vêm desempenhando um papel essencial para otimizar a jornada dos pacientes e em toda a cadeia de produção e distribuição do setor.
Apesar dos avanços notáveis, alguns aspectos dessa nova economia exigem reflexão. A digitalização dos processos é um dos traços mais marcantes da era da conectividade, mas o que, de fato, ela trouxe de novidade, revolucionário, além de deslocar o processo do ambiente físico para o virtual? Os exemplos são diversos. Se antes era preciso acenar na calçada para chamar um táxi, hoje é possível escolher um motorista na palma da mão. Se antigamente era necessário desdobrar o mapa para encontrar o destino, atualmente a tecnologia oferece diversas rotas para o mesmo fim. Se no passado era comum bater na porta do hotel para encontrar uma cama, hoje existem milhões de hospedagens em todo o mundo à distância de um clique. Existem prontuários eletrônicos e bancos digitais, mas o que eles oferecem além dos seus primogênitos analógicos?
“Otimizam o nosso tempo”, seria a resposta padrão. E considerando que o tempo é o nosso bem mais valioso, as novas tecnologias cumprem bem tal função. Porém, ofereço uma sutil provocação: quando vamos realmente mudar o jeito de fazer as coisas, e não colocar uma nova roupagem em velhas práticas? Na área da saúde, ainda há pouco acesso do paciente comum aos seus dados no mundo digital — uma simples lista das vacinas recebidas, integrada entre público e privado, é um exemplo do básico que ainda não existe. Além disso, é comum o paciente receber um diagnóstico padronizado e ser encaminhado para tratamentos genéricos conforme critérios pré-definidos, como idade, gênero e faixa etária.
Um caminho ainda embrionário no país é a chamada Medicina de Precisão, que busca personalizar o atendimento de cada indivíduo com base no mapeamento do seu material e pré-disposição genética. Por meio de inteligência artificial e cruzamento de dados, o tratamento ganha eficiência por meio da escolha de drogas que reduzem efeitos colaterais e produzem melhores resultados. Além disso, é possível detectar a vulnerabilidade do paciente a certas patologias, mesmo antes de se manifestarem clinicamente, o que permite o seu monitoramento e prevenção. Finalmente, para a indústria a vantagem estaria em desenvolver medicamentos e soluções a pacientes e grupos de risco que não respondem de maneira efetiva aos tratamentos convencionais, reduzindo custos no sistema de saúde e na rede privada.
Um estudo do Ipea revelou que, a despeito dos inúmeros desafios regulatórios e econômicos para a implantação efetiva da medicina de precisão no país, o caminho já está sendo trilhado e o Brasil tem potencial para produzir conhecimento sobre o tema. Os pesquisadores brasileiros, por exemplo, já produziram 368 artigos a respeito, além de participar de 3,4% das publicações mundiais sobre genética, uma das áreas essenciais da medicina de precisão. Somada à medicina de precisão, a chamada Saúde Populacional, que busca analisar as características de saúde de uma determinada população, poderá contribuir cada vez mais com o desenvolvimento de estratégias e ações envolvendo players dos setores público e privados (fornecedores, compradores, operadoras de planos de saúde, hospitais etc.) com o objetivo de melhorar a saúde da população.
Nesse contexto, será possível olhar mais atentamente às necessidades de cada paciente, superando a mera digitalização dos processos e colocando a tecnologia a serviço dos usuários de maneira personalizada e exclusiva, um dos pilares da quase quadragenária nova (já nem tanto) economia.
*Ubirajara Maia é Vice-presidente de Tecnologia e Produto na Bionexo.