São muitas as discussões sobre inflação e aumento dos custos de tudo, desde a gasolina, o gás de cozinha, tomate, cenoura, feijão e arroz. No mundo da saúde, as coisas não são diferentes. Afinal, um dos assuntos em voga no momento é justamente o índice de reajuste anual de planos de saúde individuais ou familiares, regulado pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, que acaba de ser anunciado em 15,5%. Como podemos correlacionar a inflação dos produtos do dia a dia com a inflação da saúde?
Para começar a entender essa discussão, temos que levar em conta que os fenômenos inflacionários não são isolados, o que gera um outro entendimento muito importante: eles não se resolvem com ações isoladas. Os reajustes podem parecer absurdos considerando o atual momento do Brasil e do mundo, com direito a pandemia, guerra na Ucrânia, desabastecimento mundial e extrema polarização política. Neste contexto, sob este prisma, teríamos que ter um reajuste mais viável e realista para o bolso do consumidor.
Entretanto, quando recapitulamos o cenário macro de reajuste negativo dos planos de saúde em 2021, com uma redução de 8,19% nas mensalidades, notamos que houve, pela primeira vez, um reajuste negativo na série histórica da ANS. O que ocorre em 2022 é a liberação da demanda reprimida de eventos e procedimentos médicos causada pelo isolamento social e pelo esgotamento dos equipamentos de saúde em todo o mundo durante o auge da pandemia. Além disso, as novas tecnologias, os novos tratamentos disponíveis e o próprio envelhecimento natural da população, que se confirmará pelo próximo Censo do IBGE, corroboram para criar a “tempestade perfeita”.
Agora que entendemos a multiplicidade de fatores causais, vamos olhá-los de forma mais específica para respondermos à seguinte pergunta: o que fazer e como interagir para melhorar essa situação? Gráficos do Caderno de Informações da ANS mostram, de forma bem clara, a direta correlação entre a quantidade de beneficiários do sistema de saúde suplementar e o PIB do Brasil, assim como a quantidade de emprego formal da população. Para diluir o custo e o risco da saúde, precisaríamos dar oportunidade para mais pessoas terem acesso ao sistema, o que se dará pela retomada da economia, aumento do PIB e empregos formais, já que cerca de 80% dos planos de saúde são coletivos (empresariais ou por adesão).
Existe uma receita para reduzir a sinistralidade?
Será que o simples fato de trazermos mais pessoas para o sistema de saúde privado fará com que a sinistralidade caia? Muito provavelmente, não, pois os estudos do IESS (Instituto de Estudos em Saúde Suplementar) demonstram que cerca de 19% de tudo o que investimos de recursos em saúde são desperdiçados. Se aumentarmos a quantidade de beneficiários, não tocaremos diretamente na gestão de saúde e nos motivos que causam estes desperdícios.
Portanto, precisaremos mudar algumas ações em saúde para melhorar a gestão. Se tem alguma coisa positiva que a pandemia nos trouxe em termos de gestão, foi notar que as pessoas podem ser tratadas à distância e gostam disso. Tornou-se claro que nosso modelo hospitalocêntrico, herdado da época do Descobrimento do Brasil, precisa evoluir para estar onde o usuário estiver. Este mesmo usuário escolheu que o melhor meio de se comunicar com a saúde é pela via digital.
Dados da Nilo Saúde apontam que 93% dos pacientes gostam de se comunicar com seu gestor de saúde remotamente, dentro da plataforma, gerando maior adesão e engajamento a programas de saúde. Nosso índice médio de adesão é de 81% nos últimos 12 meses, trazendo mais engajamento às linhas de cuidado e gerando desfechos mais eficientes.
Como resultado, observa-se a redução de passagem e utilização de prontos-socorros por conta da utilização de atenção primária e pronto atendimento digital (20% da população estudada, contra 15,5% da população geral), além da redução de internações hospitalares (1,97% dos pacientes acompanhados, contra 9% da população geral). Consequentemente, os custos caíram em 10%, com ROI de 65%. Não houve piora na qualidade do atendimento, nem na percepção de satisfação dos usuários.
Ou seja, temos elementos concretos para acreditar que, seguindo protocolos nacionais e internacionais aceitos, conseguiremos gerenciar populações em todo o território nacional, considerando todas as suas complexidades de transporte, acesso, além de suas distorções sociais e econômicas, sem diminuir a qualidade e o desfecho dos atendimentos. Muito pelo contrário, observamos uma melhora nesses índices.
Saber do que sofrem nossas populações atendidas e como se antecipar aos problemas, estando próximos e gerenciando suas utilizações, faz toda a diferença. Sedentarismo, saúde mental e uso de muitos medicamentos sem uma gestão unificada do paciente e do beneficiário gera um “subtratamento” que pode ter impactos muito negativos em sua vida e em todo o sistema. Podemos fazer melhor sem precisar investir mais recursos, mas otimizando os recursos disponíveis. Muita gente já tem percebido isso na hora de contratar planos individuais e coletivos, pois alternativas de gestão e coparticipação têm sido cada vez mais consideradas e contratadas.
Contudo, ainda temos muito a evoluir. Precisamos engajar todos os atores da saúde em buscar melhores formas de participar da jornada dos usuários, entendendo seus papéis e agregando valor dentro da sua participação, favorecendo uma remuneração melhor e mais relacionada a desfechos, performances e resultados, que incluam a percepção de seus pacientes dentro desta qualificação. Assim, teremos um modelo de remuneração que exprima de forma clara o que se deseja de cada profissional e qual parte lhe cabe dentro do resultado geral.
Todos coexistimos nesta interação e temos nossa parcela de responsabilidade no resultado. Falhou um, falharam todos.
*Claudio Tafla é Diretor Médico da Nilo Saúde e professor na Faculdade São Camilo e na FGV – Fundação Getúlio Vargas. É também presidente da ASAP – Aliança Para a Saúde Populacional.
**Artigo publicado originalmente na Revista Medicina S/A, edição 20.