Fusão de Rede D'Or e SulAmérica leva setor de saúde a pressionar o Cade. Diretoria da ANS dá voto contra operação
11/07/2022

Fusão de Rede D'or e SulAmérica provocou uma pressão nunca antes vista do setor de saúde no órgão de defesa da concorrência brasileiro, o Cade. Nove empresas - os hospitais AC Camargo, Sírio-Libanês, Albert Einstein, BP- Beneficência Portuguesa, HCor, Oswaldo Cruz e Mater Dei e as administradoras de benefícios Supermed e Benevix - entraram com pedido de impugnação do negócio no órgão na última terça-feira.

A questão, neste caso, não é a concentração de mercado, mas o acesso a informações estratégicas e condições comerciais privilegiadas.

Um dos pontos críticos da operação é o fato de a Rede D'Or ser acionista com a maior participação acionária, com 29%, da Qualicorp, administradora de benefícios. Para os concorrentes, a administradora poderia vir privilegiar a venda dos planos da SulAmérica e ainda oferecendo condições especiais.

Outro ponto, é o acesso que o grupo teria a valores praticados por outros hospitais, o que poderia lhe dar uma vantagem competitiva.

A Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras (Diope) da Agência Nacional de Saúde (ANS), já se posicionou contrária à fusão. A Rede D'Or entrou com recurso para análise da diretoria colegiada do órgão, sem data marcada ainda para ser analisado.

 

Pelo ponto de vista da agência, diz uma fonte próxima ao órgão regulador, o que pesa é o fato de administradora de benefício, no caso, a Qualicorp, e plano de saúde, a SulAmérica, passarem a fazer parte do mesmo grupo econômico.

Tal prática é vedada por lei, explica, pois cria um conflito de interesse já que a administradora de benefício deve agir como representante do interesse do consumidor frente ao plano de saúde.
 

Diante da pressão, a estratégia do grupo, em caso de imposição de restrições pela agência reguladora ou pelo órgão da concorrência seria privilegiar o negócio com a SulAmérica em detrimento da Qualicorp. Isso porque sua principal meta é a criação de uma grande rede de assistência à saúde, dizem pessoas próximas as negociações.

Na Rede D'Or há uma grande confiança de que o negócio será aprovado. Analistas também acreditam que a transação seja concluída, mas apontam três possíveis "remédios" que poderiam ser aplicados por Cade e ANS. O primeiro deles seria determinar a redução da participação ou até a venda das ações que a Rede D'Or possui da Qualicorp.

 

Outra hipótese seria impedir que a administradoras de benefícios venda planos da SulAmérica. O terceiro, seria garantir que todas as administradoras do mercado tivesse as mesmas condições para a venda de contratos da SulAmérica.

- A administradora já vem fazendo ofertas de planos da SulAmérica com descontos entre 40% e 49% aos clientes que tiveram reajuste em planos de outras operadoras, como se já estivesse antecipando a fusão. Essa é uma das provas que podem vir a ser apresentadas ao Cade - diz uma fonte próxima as empresas que recorreram ao Cade.

Ele acrescenta:

- Nunca houve uma reação semelhante no setor de saúde, mas agora é como o setor sinalizasse que o grupo passou dos limites.

Na avaliação da advogada Maria Stella Gregori, ex-diretora da ANS, a fusão entre a maior rede privada de hospitais do Brasil e a quinta operadora em número de beneficiários, segundo dados da ANS, poderia também camuflar uma verticalização da SulAmérica, que passaria a privilegiar hospitais da Rede D'Or para atender a seus clientes.

 

-Olhando pelo prisma da concentração, não acredito que vá ultrapassar os 20% do mercado estipulado pela lei. A operação prevê ainda que SulAmérica e Rede D'Or continuem operando separadamente, mas temo que isso possa se tornar uma verticalização disfarçada, para reduzir custos, algo que teria que ser monitorado - avalia Maria Stella.

Efeito no mercado

Pedro Serra, chefe de pesquisas da Ativa Investimentos, diz que o mercado acredita que essa fusão vai sair. E caso isso não aconteça poderia haver efeitos negativos sobre as ações das empresas. A pressão sobre o Cade e a decisão da diretoria da ANS já levaram a volatilidade dos papéis de Rede D'Or, Qualicorp e SulAmérica.

 

- É comum que outras partes recorram ao Cade para reclamar num negócio como esse. Aconteceu, por exemplo, na operação de fusão de NotreDame e Hapvida, Localiza e Unidas. A nossa avaliação é que o negócio será aprovado. O Cade olha muito concentração de mercado, e o setor de saúde não é tão concentrado assim, então a gente não vê muito problema, talvez sejam necessários uns poucos "remédios". Da ANS não sei dizer, a Rede D'Or recorreu, temos que esperar o que a agência vai falar, é difícil antever. Se a fusão não for aprovada, a gente vê como negativo - diz Serra.

Os papéis ordinários da Rede D’Or (RDOR3, com direito a voto) fecharam nesta sexta-feira com queda de 1,03%, negociados a R$ 29,82, e os da Qualicorp (QUAL3) caíram 2,73%, cotados a R$ 12,13%.As units da SulAmérica (SULA11) cederam 3,17%.

Na visão de analistas de ações, o desempenho negativo dos papéis teve impacto da pressão de concorrentes no Cade. Na época do anúncio do negócio, tanto os papéis da SulAmérica quanto da D’Or tiveram fortes altas.

- A operação vai acontecer, com a D’Or tendo que se ajustar as demandas do Cade, mesmo que tenha que reduzir a participação em Qualicorp – avalia o sócio-fundador da Fatorial Investimentos, Jansen Costa.

O Analista da Terra Investimentos, Regis Chinchila, também credita o movimento negativo aos obstáculos para aprovar a fusão.

- Pelo histórico o Cade pode colocar as cláusulas de ressalvas nas operações – disse Chinchila, sobre a possibilidade da adoção de “remédio” por parte do regulador.

Para um ex-diretor da ANS, há um otimismo exacerbado do mercado. Ele diz que a análise técnica é feita pela Diope que já vetou a negociação e que a diretoria colegiada raramente muda pareceres técnicos de uma diretoria. Ele destaca:

- Diferentemente do Cade, que pode impor condições, a ANS aprova ou não. Se houver alguma proposta para destravar teria que vir da empresa. Como negócio está constituída o grupo seria o único player do setor que não sofreria de assimetria de informações, dominaria os dados do mercado de ponta a ponta - ressalta.

 

Rede D'Or e SulAmérica reforçam confiança no negócio

 

Procurada, a ANS disse que operações societárias são sigilosos durante sua tramitação, não confirmando sequer a existência de processo em trâmite sobre o caso ou qualquer decisão da Diope.

Em comunicado ao mercado, no entanto, a Rede D'or confirma que já entrou com o recurso contra o parecer da Diope . O grupo ainda destaca que "a participação de outros agentes do mercado no processo de análise da operação pelo Cade consiste em etapa legal ordinária do processo".

O grupo reitera a "plena confiança na aprovação da operação pelas autoridades governamentais competentes e nos méritos da combinação de negócios, que se baseia em fundamentos estratégicos para expansão e alinhamento dos ecossistemas de saúde da Rede D’Or e da SulAmérica, em favor de todos os clientes, beneficiários e parceiros de negócio das companhias".

 

Também em comunicado ao mercado, a SulAmérica destaca que o processo segue a tramitação normal e que a pondera que o voto contrário da Diope é "posição técnica preliminar e sujeita a decisão das instâncias decisórias superiores da agência, inclusive à luz dos esclarecimentos e undamentos já levados a conhecimento da ANS após a emissão da manifestação inicial".

E reforça que não há ainda posicionamento do Cade. A operadora também reafirma sua convicção na aprovação do negócio.

A Qualicorp informa que não é parte da mencionada na operação de aquisição e nem de qualquer processo nesse sentido junto à ANS. A administradora de benefícios ressalta que a "companhia não tem acionista controlador, possui uma administração independente e continuará sua estratégia de negócios, de oferecer acesso à saúde de qualidade, cabendo ao cliente a escolha sobre a melhor operadora para atender suas necessidades".


     
Fonte: O Globo




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