Nascemos na era industrial. E o desenho traçado por este período que durou cerca de 200 anos nos acompanha até os dias de hoje. Porém, essa sociedade bem delineada, pautada na produção, na escala, no processo e, com o ciclo econômico baseado no consumo, convive e contrasta com as transformações de novos tempos.
Diferentimente da passagem do período rural para o industrial, no qual a absorção de uma nova forma de trabalho e de inovações tecnológicas foi gradual, o contemporâneo assiste a uma rápida e abrupta ruptura de uma era. “Nas últimas décadas, a transformação foi total”, afirmou o sociólogo Domenico De Masi durante o Saúde Business Forum.
De Masi explica que as grandes rupturas ocorrem com a mudança simultânea de basicamente três elementos: a organização do poder, da economia e da cultura. “Foi assim com a transição da descoberta do fogo e com a descoberta da agricultura na Mesopotâmia.”
Após esse período, de acordo com o sociólogo, a humanidade viveu 5 mil anos sem que houvesse grandes transformações. Mais à frente, no século II pós Cristo, surgiram tecnologias que prepararam o terreno para as rupturas do Renascimento. Depois, a humanidade assistiu aos períodos das Grandes Navegações, o Iluminismo, Revoluções, como a Francesa, Inglesa, Americana, até a concepção do período industrial.
Com a indústria, a sociedade foi organizada para a produção em escala. Hoje, esse modelo vive o declínio, mas é ainda muito presente no cotidiano. Basta lembrar que a sociedade continua organizada nos moldes trabalho-casa, onde não se considerou a disruptura do tempo/espaço causada pela tecnologia. “ Graças as novas tecnologias e as redes estamos em qualquer lugar a qualquer momento.” “Mas nos organizamos como na época em que não tínhamos internet. As empresas de São Paulo, por exemplo, não entenderam a passagem do industrial para o pós-industrial. O trânsito faz com que a cidade se torne o grande manicômio do mundo”, brincou.
E o que significa a Sociedade Pós-Industrial? “É um sistema que não depende da produção de bens materiais e, sim, de bens imateriais”, explica De Masi.
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Para o sociólogo, no pós–industrial o mundo passa a ser dividido em três (veja pilar 3.Economia, da página 19), entretanto o que pode ser considerado mais promissor é justamente onde se concentra a produção de ideias.
E é essa produção de ideias que mudará a visão sobre o trabalhador do futuro. “Os criativos são a coluna vertebral dos países neste momento”, disse o sociólogo. Como gerar a criatividade? O autor de “Ócio Criativo” esclarece que não se trata de não fazer nada, e sim combinar simultaneamente três elementos: trabalho, estudo e diversão. “Com trabalho, eu gero riqueza, com o estudo, gero conhecimento e com diversão, o bem–estar.”
O mundo em 2020,
segundo De Masi
1. LONGEVIDADE
A população mundial terá um bilhão (de bocas, mas também de cérebros) a mais do que hoje. “Na era industrial (sec. XVIII) éramos 600 milhões e hoje 6 bilhões. Teremos mais bocas para alimentar, mas mais cérebros que pensarão em como alimentar as novas bocas.”
As pessoas mais longevas serão aquelas escolarizadas e com relações sociais mais intensas.
A maioria envelhecerá nos últimos dois anos de vida, durante os quais as despesas farmacêuticas serão equivalentes a todo dinheiro gasto em medicamentos.
2. TECNOLOGIA
Em 2020, um chip terá o tamanho de um neurônio humano. Custará menos de US$ 20 e sua potência será superior a 1 bilhão de transístores.
Há uma grande disponibilidade de informações. Como transferir este patrimônio do bolso para o cérebro?
3. ECONOMIA
O PIB per capita no mundo será de US$ 15 mil, contra os atuais US$ 8 mil, mas o Ocidente irá dispor de 15% a menos do próprio poder de compra.
O Primeiro Mundo (OCDE) terá a supremacia na produção de ideias. Os emergentes produzirão sobretudo bens materiais. O Terceiro Mundo fornecerá matérias-primas e mão de obra barata.
Paralelamente ao Bric (Brasil, Rússia, India e China), emergirão os Civets (Colombia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul).
4. TRABALHO
O trabalho manual e intelectual (com caráter executivo) será efetuado pelas máquinas, e transferido para os países emergentes e aos imigrantes.
Os criativos (30%) serão a parte central do mercado, com mais garantias e melhor retribuição.
Os funcionários executivos serão 40%; os chamados Neet (30%) terão direito ao consumo e não terão direito à produção.
Redistribuir a riqueza, o trabalho, o saber, o poder, as oportunidades, e as tutelas provocará crescentes conflitos.
5. UBIQUIDADE E PLASMABILIDADE
A “nuvem informática” terá transformado o mundo numa única praça: tele-aprenderemos, tele-trabalharemos, tele-amaremos e nos tele-divertiremos.
O conceito de privacidade tenderá a desaparecer. Será cada vez mais difícil esquecer-se, perder-se, entediar-se, isolar-se.
6. LAZER
Iremos dispôr de 265 mil horas de tempo livre. Como ocupá-las? omo evitar o tédio? Como crescer intelectualmente? Aumentará a violência ou a paz social?
Será necessária uma verdadeira formação para o tempo livre, começando desde já, mais do que estamos habituados a nos preparar para o “tempo de trabalho.”
7. ÉTICA
Em 2020, o mundo será mais rico, mas continuará desigual. As desigualdades alimentará movimentos e conflitos.
A sociedade pós-industrial será mais honesta e menos violenta do que aquela industrial.
8. ESTÉTICA
Os fiéis se voltarão à fé, os leigos à estética, a qual, mais do que qualquer outra disciplina, é responsável pela felicidade humana.
A estética se tornará um dos principais fatores competitivos e quem se dedicar as atividades estéticas será mais gratificado do que quem trabalhar com as práticas.
9. CULTURA
A homologação global irá superar a identidade local. Contudo, todos tenderão a diferenciar-se uns dos outros.
Energia e ecologia serão problemas primários.
O modelo norte-americano será insidiado pelo modelo chinês.
A maior produção e transmissão do saber será por meio do critério de “muitos para muitos”.
10. ANDROGENIA
Em 2020, as mulheres viverão três anos a mais do que os homens. 60% dos estudantes universitários, dos pós-graduados e dos mestrados serão mulheres.
Muitas casarão com um homem mais jovem, terão um filho sem ter marido, enquanto que para os homens ainda não será possível ter um filho sem mulher.
Elas estarão no centro do sistema social e irão gerenciar o poder com a dureza acumulada em 10 mil anos de injustiças.
Valores “femininos” (estética, subjetividade, emotividade, flexibilidade) serão dominados também pelos homens.