“Não consigo enxergar uma medicina no futuro sem uma abordagem personalizada”. Foi com essa frase que Marcelo Oliveira, Head de Medicina Personalizada na Roche Farma Brasil, abriu a conversa em uma entrevista exclusiva ao Saúde Business. Com a missão de liderar o desenvolvimento da área no País, Marcelo defende que a medicina personalizada pode oferecer soluções inovadoras que vão muito além do diagnóstico de precisão, mas que também contemplam testagem genômica, Big Data, estudos de vida real e apoio à decisão clínica, gerenciando custos do sistema e gerando insights para o desenvolvimento de medicamentos e novas abordagens terapêuticas.
Esse é um tema considerado estratégico: no Brasil, a empresa investiu no último ano cerca de R$9 milhões em medicina personalizada. Dois movimentos recentes, em 2018, foram importantes para posicionar a Roche como um player central nessa área. O primeiro deles foi a compra da Foundation Medicine, referência global na realização de testes genômicos em tumores, focada em municiar médicos com informações mais precisas sobre os biomarcadores e ajudar na decisão clínica sobre a abordagem terapêutica. O segundo movimento tem a ver com dados: a Roche adquiriu no mesmo ano a healthtech FlatIron Health, dedicada ao mapeamento das informações de jornada do paciente oncológico em prontuários eletrônicos de hospitais americanos, realizando a extração, a curadoria e a publicação de dados reais.
“Acredito que um ponto importante da forma como escolhemos trabalhar é que a Roche, globalmente, é uma empresa disponível para parcerias com qualquer instituição de saúde que nos ajude a ter uma visão mais ampla sobre os sistemas, inclusive os nossos competidores”, comenta Oliveira. No Brasil, um exemplo dessa abordagem é a parceria da empresa com a Clínica AMO, em um projeto que identifica ineficiências na jornada do paciente com câncer de pulmão. “A partir dos dados obtidos nessa parceria, estamos desenvolvendo em conjunto uma solução automatizada que ajuda na tomada de decisão clínica. Ou seja, usamos testes genéticos sim, mas também a captura de dados, para identificar custos desnecessários e ineficiências de forma geral. Isso é medicina personalizada também”, defende.
De acordo com Oliveira, existe uma tendência a pensar a medicina personalizada apenas sob a ótica do tratamento oncológico ou de doenças raras. “Essa não é uma percepção errada, mas é limitada. Existem múltiplas outras aplicações de medicina personalizada em áreas terapêuticas diversas, ligadas à jornada como um todo. Na medicina personalizada, diagnóstico e tratamento caminham juntos, Falando do paciente oncológico, por exemplo, podemos aplicar soluções personalizadas em diferentes estágios de sua doença. Eventualmente, no futuro, será possível agir inclusive antes do diagnóstico, antecipando abordagens terapêuticas e monitorando com testes genéticos a evolução da doença”, vislumbra.
Uma tecnologia destacada por Oliveira é o NAVIFY Tumor Board, um software que reúne e concentra o fluxo de informações e dados clínicos, de imagem e genéticos sobre os pacientes de determinada instituição, permitindo que os médicos responsáveis pela oncologia daquela instituição possam olhar para os dados completos desse paciente e a partir deles tomar as melhores decisões clínicas, tendo por base a jornada personalizada desse paciente.
Para que a medicina personalizada prospere de fato, a intercambialidade dos dados é fundamental. Diante de pressões externas, como as regulamentações previstas na LGPD e na GDPR, a responsabilidade com os dados é ainda mais sensível. “É importante que as instituições compreendam e comuniquem os benefícios que a análise de dados dos pacientes pode gerar, para que a população também se sinta segura em compartilhar seus dados com as instituições. Essa é uma responsabilidade compartilhada por todos os atores do sistema de saúde”, complementou.
“Se as instituições não estiverem dispostas a compartilhar as informações, será ainda mais difícil identificar e criar soluções que corrijam dificuldades na jornada do paciente”, acredita Oliveira. “É impossível tornar a medicina personalizada uma realidade sem uma ação conjunta. Não podemos fazer isso sozinhos. Sem a intercambialidade dos dados, não vamos conseguir tomar decisões amplas e que de fato transformem o setor”, defendeu.
A transformação defendida pela Roche exigiu, inclusive, mudanças internas. Nos últimos 5 anos, a empresa investiu em mudanças, por exemplo, no perfil de profissionais do trabalho de campo. No lugar do tradicional representante farmacêutico, a Roche hoje trabalha com profissionais focados na jornada, os “Patient Journey Partners”, responsáveis por atuar dentro das instituições e entender todos os aspectos da jornada dos pacientes, propondo projetos de melhoria. “Saímos de um modelo focado em vendas para, em campo, colocar nossos profissionais à disposição das instituições para entender como podemos ajudar. Entendemos que melhorar uma instituição ajuda a melhorar os resultados de toda a jornada, em uma reação em cascata”, conta Oliveira.
Embora a integração entre os sistemas seja um dos grandes desafios para o setor, outra questão surge como prioridade para a empresa: o acesso. “A medicina personalizada só vai se tornar uma realidade quando ela for acessível. Hoje no Brasil já existe tecnologia para que um paciente com Câncer de Pulmão, por exemplo, realize testes genômicos e tenha acesso a um tratamento personalizado completo. Mas essa realidade não está disponível para todos”, explica. “Sabemos que o SUS tem desafios muito sérios com a saúde. Por isso, fazemos questão de incluir o Governo nessa conversa, compartilhando os resultados e propostas, para buscarmos em conjunto opções que viabilizem o acesso a essas soluções”, conta.
Nos próximos 10 anos, a Roche quer trazer de 3 a 5 vezes mais inovação, se possível com metade do custo para a sociedade. “Não falamos apenas de redução de preço da tecnologia, mas também na ampliação do acesso, fazendo com que essas soluções estejam disponíveis para o paciente certo, no momento certo, e da maneira correta. Tratar o paciente de forma personalizada torna todo o sistema mais eficiente”, defende Oliveira. “Nossa matriz aqui no Brasil trabalha com a inspiração de não deixar nenhum paciente para trás. Esse é um cenário idealizado, mas com isso queremos dizer que estamos, do diagnóstico ao tratamento, fazendo parte das jornadas de pacientes com doenças difíceis, como cânceres, esclerose múltipla, hemofilia, doenças raras… Nossa intenção, com a medicina personalizada, é tornar a jornada desses pacientes o mais eficiente e fluida possível, com abordagens personalizadas e direcionadas. E se, ao longo do tratamento, ele foi capaz de manter sua qualidade de vida e se manter ativo, vivendo em sociedade, esse é o nosso legado - e por si só, é uma contribuição para a sociedade em si”, finaliza.