Maior prestadora de serviços no tratamento de pacientes renais no SUS, a rede americana DaVita planeja deixar de atender a rede pública e se concentrar no mercado privado devido ao déficit no repasse dos custos, seguindo um caminho já adotado por outras clínicas particulares de hemodiálise. Hoje, todo o atendimento de diálise no SUS é realizado por redes privadas.
Atualmente, a DaVita atende 14 mil pacientes na rede pública em várias regiões do país, sendo que uma parte relevante está em São Paulo. A unidade de Itapevi, na região metropolitana, já foi fechada e a expectativa é que outras três ou quatro clínicas terão as atividades encerradas nas próximas semanas.
De acordo com a rede, o repasse do SUS é de R$ 218,47 por sessão de diálise, mas o custo é de R$ 303. “Estamos há seis anos no Brasil e único reajuste foi de 12,5% em janeiro deste ano, que é insuficiente. Com a pandemia, os custos sofreram uma forte alta, temos insumos importados”, disse Bruno Haddad, presidente da DaVita. O setor privado paga entre R$ 350 e R$ 400 por sessão.
Segundo Haddad, uma das soluções para manter o atendimento no SUS seria os governos estaduais complementarem o custo do tratamento que hoje é pago pelo Ministério da Saúde. Esse modelo vem sendo adotado desde 2019 no Rio de Janeiro e começou neste ano em Santa Catarina. O governo carioca paga, mensalmente, R$ 700 por paciente. Em Santa Catarina, o repasse é de R$ 61 por sessão de diálise. “Avisamos ao Ministério da Saúde e secretarias da saúde que não poderemos mais continuar operando com os atuais valores. Também já propomos o cofinanciamento pelos Estados, mas não obtivemos retorno”, disse.
Em nota ao Valor, a Secretaria do Estado de Saúde de São Paulo afirmou que “o valor do pagamento da hemodiálise é definido pela tabela SUS do Ministério da Saúde, defasada nos últimos anos, impactando no financiamento da saúde de Estados e municípios”. Acrescentou ainda que “mantém diálogo com a empresa DaVita sobre o atendimento aos pacientes de insuficiência renal crônica no convênio com a rede estadual, buscando alternativas para o atendimento da população”.
A secretaria observou que os pacientes atendidos pela empresa por meio do convênio estadual “não ficarão sem atendimento”. Também procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde não retornou.
Dados da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) mostram que, nos últimos cinco anos, cerca de 40 clínicas de tratamento renal encerraram as atividades e outras dezenas concentraram o atendimento no setor privado.
Cerca de 90% dos pacientes renais no país estão na rede pública. Esse volume foi uma das razões para a DaVita, cujo faturamento global foi de US$ 11,6 bilhões em 2021, entrar no mercado brasileiro em 2015. Desde então, a empresa investiu R$ 300 milhões em infraestrutura, tecnologia e melhoria das clínicas. Hoje, tem 100 unidades e presta serviços em 350 hospitais. A operação brasileira é a maior fora dos EUA.
Questionado sobre a perda de receita ao deixar o sistema público, Haddad disse que isso ocorrerá, mas que aumentará margem ao dedicar-se à rede privada.
“Diferente de muitos outros provedores de serviços, a DaVita ainda mantém seu compromisso de longo prazo no país, inclusive na avaliação de novas operações a serem adquiridas e sempre se diferenciou mantendo o melhor padrão de cuidado e atendimento ao paciente do SUS, acreditando que esse cenário iria melhorar. Se não houver uma solução urgente para os contratos públicos, a estrutura e todo o escopo de cuidado que montamos para esses pacientes terão que ser revistos e será de imediato. Iremos nos concentrar nos pacientes privados”, disse Haddad.
Sua principal concorrente, a alemã Fresenius só atua no mercado privado devido ao baixo repasse do SUS desde o início das operações no Brasil.