Saúde: a conta da pandemia demorou, mas chegou
13/06/2022

Após mais de 166 milhões de brasileiros já vacinados com pelo menos duas doses contra a covid-19, a pandemia foi felizmente freada. Ainda convivemos com aumentos pontuais de casos e lamentáveis mortes, mas as principais marcas dessa crise sanitária são históricas. Desde do primeiro caso confirmado no Brasil, no dia 27 de fevereiro de 2020, o país reportou mais de 31 milhões infectados e 667 mil óbitos relacionados ao coronavírus. No pico da variante delta em abril de 2021, quando as taxas de ocupação das UTIs ultrapassavam os 90%, o país atingiu mais de 4 mil mortes diárias pela doença.

E o custo de toda essa chaga foi naturalmente elevado. Em 2020, com o distanciamento social e a postergação de procedimentos eletivos, os planos de saúde tiveram despesas médicas anormalmente baixas. Mas no ano seguinte, a realidade se impôs e o setor conviveu com o retorno das eletivas, juntamente às diversas internações por covid-19. Em 2021, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as despesas médicas do setor privado subiram 24% quando comparadas ao ano anterior e foram 19% acima dos níveis pré-pandêmicos de 2019.


 

Agora os reajustes nas mensalidades dos planos de saúde começam a refletir esse ônus. O mercado privado assiste 49,4 milhões de beneficiários ou cerca de 23% do população brasileira. Nesse universo, 18% são planos contratados na modalidade individual, na qual os reajustes anuais são regulados pela ANS. A agência aprovou, no dia 26 de maio, um reajuste máximo de 15,5%, que poderá ser aplicado pelos planos de saúde aos contratos individuais. Dessa forma, todos os contratos de planos individuais que fazem aniversário a partir de maio passam a ser reajustados por esse índice, além dos reajustes por faixa etária. Esse forte aumento foi inevitável, uma vez que a ANS segue uma metodologia bem definida (em vigor desde 2018), que leva principalmente em consideração as despesas médicas dos planos individuais do ano anterior.

Esse reajuste recorde (vide o gráfico) deve naturalmente ancorar o aumento de preços de outras modalidades de seguros de saúde, tais como: (I) os planos corporativos (quando os empregadores pagam pelos planos de seus colaboradores), que representam 70% do mercado de saúde suplementar; e (II) os planos coletivos por adesão (contratos dentro de uma mesma categorial profissional). Para os contratos corporativos vinculados a pequenas e médias empresas (PMEs), que precisam ser reajustados de forma homogênea por cada seguradora, os reajustes médios já anunciados beiram os 18% (vide no gráfico a média dos reajustes praticados nos contratos de PMEs pelas maiores seguradoras de saúde).

Com o forte aumento dos custos combinado com um baixo repasse de preços nos últimos trimestres, os resultados dos planos de saúde decepcionaram. A ação de Hapvida (maior operadora de planos de saúde do país), por exemplo, caiu 43% neste ano e 67% desde que a sua fusão com a NotreDame Intermédica foi anunciada, se aproximando de seu preço inicial na bolsa de valores.

Ainda é cedo para dizer se esse aumento de tarifa será capaz de sanar completamente a queda de rentabilidade do setor. A inflação de custo segue elevada, enquanto a população sofre uma queda importante no poder de compra. Um cenário que facilmente pode implicar a perda de dinamismo na demanda por planos de saúde.

A conta da pandemia chegou e ela não é barata! É necessário aproveitar o momento para pautar uma reflexão: o mercado hoje é focado na doença e não na saúde. Estudos apontam que mais de 80% dos gastos no setor são para tratar pacientes já doentes, enquanto apenas 20% são direcionados ao canal de medicina preventiva. Tratamentos e ações precoces em casos de diabetes, hipertensão e tabagismo geram economia e prolongam a expectativa de vida da população. Uma saúde menos reativa e mais proativa e preditiva. Do contrário, a conta não vai caber no bolso...



 

* Samuel Alves é sócio do BTG Pactual e especialista dos setores de saúde e educação

Fonte: Exame




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